Brasil: Bolsonaro flerta com o autoritarismo

No Brasil, Jair Bolsonaro, cada vez mais acuado pelas mobilizações populares contra o governo dele, como em 19 de junho, quando 750 mil pessoas tomaram as ruas em mais de 400 cidades do Brasil e no exterior para clamar  “Fora Bolsonaro”, segue num esforço perigoso. Em meio à expansão descontrolada da pandemia, com mais de 500 mil brasileiros mortos pela Covid-19, e pelas crises sociais e econômica, o presidente flerta diariamente com uma possível aventura golpista.

Bolsonaro, que nunca escondeu a vocação autoritária e a admiração pela ditadura militar e faz a defesa veemente do Golpe de 1964, celebrando mortes de adversários políticos, tendo como ídolo o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, tenta seguir à risca a cartilha de Trump.

Em relação às Forças Armadas, mais de 6 mil militares participam do governo ocupando cargos, inclusive no primeiro escalão do governo. Além disso, são cada vez mais frequentes as participações do ex-capitão, com fortes vínculos com as milícias, em cerimonias de formaturas militares e das forças policiais. No melhor do caudilhismo ostensivo e autoritário, Bolsonaro se refere às Forças Armadas como “meu exército”.

Após demitir o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo, Bolsonaro foi responsável, pela primeira vez na história, pelo pedido de renúncia coletiva dos comandantes das FFAA: Exército, Marinha e Aeronáutica. Há fortes indícios que Azevedo saiu por não ceder à pressão de Bolsonaro para alinhar os militares com a defesa golpista do governo e o apoio a medidas contra o isolamento social.

Bolsonaro também tem incentivado a quebra de hierarquia e disciplina, com a violação do estatuto militar. Exemplo recente foi a participação do ex-ministro da Saúde e general da ativa Eduardo Pazuello, em ato político partidário de apoio ao governo. Apesar de tal conduta ser vedada à militares da ativa, nos bastidores, Bolsonaro defendeu que o ex-ministro não fosse punido. O que de fato acabou acontecendo, em um processo classificado como sigiloso pelos próximos 100 anos.

Além disso, recentemente, Bolsonaro defendeu que civis sejam julgados e punidos pela Justiça Militar por supostas ofensas a instituições militares e às Forças Armadas. A posição foi externada em parecer protocolado no Supremo Tribunal Federal, assinado pelo advogado-geral da União.

A proximidade entre Bolsonaro com um segmento das Forças Armadas foi revelada em entrevista do presidente do Superior Tribunal Militar, general Luis Carlos Gomes Mattos, à revista Veja. O general afirmou que Bolsonaro não é ameaça à democracia e fez críticas a oposição, afirmando que adversários do presidente tentam “esticar a corda, como se diz, até que ela arrebente”.

Outro exemplo recente de intervenção do Exército na política foi o posicionamento do então comandante, General Eduardo Villas Boas, no Twitter, às vésperas do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como depois revelado pelo próprio general, o posicionamento dele – o Exército “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade” – foi discutido pelo alto comando. Lula acabou preso injustamente e foi alijado de participar das eleições presidenciais de 2018, que resultaram na eleição de Bolsonaro.

Outra frente de atuação de Bolsonaro para tentar se manter no poder, independente do resultado das urnas, é a tentativa de deslegitimar o processo eleitoral brasileiro. Da mesma forma que a extrema direita atuou em outros países nos quais houve golpes ou tentativas de golpe, Bolsonaro coloca em xeque a integridade das urnas eletrônicas brasileiras, apesar dele próprio e dos filhos terem sido eleitos em 2018. Mais uma vez, o presidente acusa sem apresentar qualquer indício de irregularidades.

São recorrentes as declarações de Bolsonaro de que ele ganhou as eleições de 2018 em primeiro turno. Uma mentira. A eventual vitória de Lula, aponta o líder da extrema-direita nacional, em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, só ocorreria por fraude.

Os questionamentos de Bolsonaro fizeram com que o assunto chegasse ao Congresso Nacional e que o corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Felipe Salomão, determinasse o prazo de 15 dias para que Bolsonaro e outras autoridades apresentem evidências e informações que comprovem as acusações de fraudes nas urnas eletrônicas.

O inicio do século 21 tem colocado a América Latina diante de um desafio histórico: o respeito à democracia e à vontade popular ou o retorno ao golpismo e ao autoritarismo, que mancharam a história do continente por tantos anos.