GOLPE 2016 – A precarização do trabalho como política do Estado
Duas reformas trabalhistas, e a agenda liberal de Temer e Bolsonaro conseguiram um grande feito: detonar o mercado de trabalho formal, jogar os trabalhadores na lei da selva do capitalismo destrutivo e minar as organizações sindicais. Passados cinco anos, está claro que o Golpe de Estado foi contra a classe trabalhadora
Em 2017, o governo Michel Temer realizou uma mudança radical na legislação trabalhista, aprovando no Congresso Nacional a Lei 13.467, que altera totalmente o sistema de trabalho até então existente. A essência da mudança nas regras é trocar as fontes de direitos trabalhistas. A fonte prevalente deixa de ser a regulação pública universal, civilizatória, portanto, e passa a ser o “livre encontro” entre vendedores e compradores da força de trabalho. Foi o mais grave retrocesso nos direitos dos trabalhadores nos últimos cem anos da história do país.
Essa é a ideia síntese da reforma, de caráter liberalizante e regressiva. Ela prevê que as regras que regulam a relação capital e trabalho possam ser ajustadas via acordo individual, que poderá, inclusive, ser redutor de direitos. Há, portanto, uma clara contraposição ao sistema até então vigente, no qual os acordos, mesmo os coletivos, não podem reduzir direitos definidos em lei, em face dos princípios da norma mais benéfica e da irrenunciabilidade de direitos assegurados por normas de ordem pública.
O nome “reforma” foi, mais uma vez, mal empregado. Porque ela não modernizou, como prometido. Apenas precarizou as relações trabalhistas em diversos aspectos:
- Criou a possibilidade de prevalência de acordos e convenções coletivas sobre a legislação. As regras da Constituição tornaram-se teto dos direitos do trabalho e as leis ordinárias passaram a poder ser descartadas por instrumentos de negociação direta entre trabalhadores e empresas;
- Instituiu ou regularizou diversas modalidades de contratos precários – legalizou o contrato de trabalho intermitente, ampliou os limites de contrato em tempo parcial, liberou o uso de contrato de trabalho “autônomo exclusivo”, sem reconhecimento de vínculo;
- Incentivou a chamada “pejotização” do trabalho, com o trabalhador contratado como empresa, com menos direitos;
- Permitiu a terceirização de qualquer atividade das empresas, de forma ilimitada no setor privado e no serviço público (Lei 13.429/2017);
- Facilitou o desligamento por meio de diversos mecanismos – retira a obrigatoriedade de que as rescisões contratuais de empregados com mais de um ano na empresa tenham, como condição de validade, a assistência sindical; estabelece a rescisão de “comum acordo”, com corte de 50% no aviso prévio, sem direito a seguro desemprego; facilita a dispensa imotivada; etc;
- Promoveu alterações nas regras sobre jornada de trabalho – regulamenta a jornada 12/36 horas; elimina a remuneração dos períodos de deslocamento dentro da empresa ou para empresas de difícil acesso; permite a extrapolação do limite de 10 horas diárias; prevê possibilidade de acordos individuais para bancos de horas e para teletrabalho, etc.
Essa foi uma reforma contra as trabalhadoras e os trabalhadores, e que também resultou na fragilização da organização sindical no país. Afinal, dentre as medidas aprovadas, estão o fim da contribuição sindical obrigatória e a imposição de obstáculos e dificuldades para a cobrança de outras formas de financiamento; a eleição de representação de trabalhadores sem o acompanhamento dos sindicatos; e a negociação de acordos e o encerramento de contratos sem qualquer participação sindical. Ademais, a ampliação da terceirização para todas as atividades também tende a fragmentar as organizações sindicais.
Inegável que Temer pagou a conta do apoio ao golpe com menos custos e obrigações para as empresas e menos direitos para os trabalhadores e trabalhadoras. Mas este foi apenas o preâmbulo para outra reforma, desencadeada por Bolsonaro, que também cravou sua faca nas costas da classe trabalhadora.
O mandato de Bolsonaro começou com a extinção do Ministério do Trabalho, transformado em mera secretaria do Ministério da Economia. Medida coerente com a linha a ser adotada em seu governo, de continuamente buscar reduzir o custo da mão-de-obra e aumentar o poder das empresas sobre a gestão do trabalho.
Exemplar desta abordagem, a chamada Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) foi tão modificada em sua tramitação que, ao final virou uma minireforma trabalhista, com regras extremamente prejudiciais para os trabalhadores.
A nova lei ampliou para todos os setores de atividade a regra que autoriza o trabalho aos domingos, com a folga em dias úteis. Também autorizou a empresa a escalar o trabalhador nos finais de semana durante todo mês, com apenas uma folga de 24 horas em um domingo a cada quatro semanas. O pagamento em dobro do domingo trabalhado foi, na prática, extinto. Isto porque o trabalhador ganhará em dobro as horas trabalhadas no domingo apenas se o empregador não der a folga durante a semana.
A lei criou o chamado “ponto por exceção”, modalidade em que o trabalhador não precisará registrar o ponto todos os dias. O registro só ocorrerá quando trabalhar além da sua jornada normal, ou em dias fora de sua escala, para fins de recebimento de suas horas extras. Como esta anotação de exceção deverá ser autorizada pelo empregador, o trabalhador estará sobre pressão direta para não fazê-lo. Esse sistema também priva a fiscalização do trabalho de instrumento importante para verificar os excessos de jornada. Abre, também, a possibilidade de pagamento “por fora” de parte da remuneração, em prejuízo tanto ao empregado, quanto aos fundos públicos, como o FGTS, à Previdência Social e à Receita Federal.
Ademais, ao sancionar a lei, Bolsonaro manteve o artigo que impede que os bens do empregador sejam usados para pagar dívidas da firma, trabalhistas ou fiscais. Ou seja, o próprio governo poderá ser afetado se a empresa fechar e não pagar seus impostos, porque a lei irá dificultar a cobrança dos tributos por parte da Receita Federal.
A MP da Carteira Verde Amarela
Nessa mesma linha de medida restritiva dos direitos da classe trabalhadora, Bolsonaro editou a Medida Provisória 905/2019, conhecida como MP do Contrato Verde e Amarelo. Eivada de inconstitucionalidades formais e materiais, essa MP tinha vários objetivos, todos de caráter precarizante para as relações do trabalho.
Primeiro, instituiu nova modalidade contratual, denominada “contrato verde e amarelo”, com direitos reduzidos. Além disso, alterou regras sobre a Participação nos Lucros ou Resultados (PLR) e sobre concessão de vale-alimentação. E impôs novas regras de trabalho aos domingos, de descanso semanal remunerado e de jornada no setor bancário. Por fim, mudou mecanismos de fiscalização exercido pelos órgãos estatais.
Embora a MP tenha sido revogada, as medidas propostas persistem no horizonte do governo Bolsonaro, à espera de uma situação política favorável à sua reapresentação e aprovação.
Mesmo ao adotar medidas para atenuar o impacto da pandemia sobre o emprego e a renda, o governo Bolsonaro honrou sua linha de secundarizar os direitos da classe trabalhadora.
As medidas provisórias 927 e 936, editadas para regular o trabalho durante a pandemia e para reduzir jornada e suspender contratos de trabalho, alijaram a presença e atuação sindical e as negociações coletivas como locus promotor de soluções.
Essas MPs asseguraram superpoderes para os empregadores disporem do tempo, da remuneração e da forma da vida de seus empregados, em típica autorização estatal a práticas de expropriação da força de trabalho. A mesma diretriz permeia as medidas provisórias 1.045 e 1.046, editadas em abril de 2021, para renovar medidas de enfrentamento à pandemia contidas nas medidas 927 e 936.
Vale também destacar a Emenda Constitucional 109, de 2021, aprovada com celeridade sob o falso argumento de ser necessária para a retomada do pagamento do auxílio emergencial. Com ela, foram impostas regras restritivas aos governos, proibindo contratações e aumento de remuneração quando as despesas públicas chegarem a 95%.
Aproveitando a urgência associada à pandemia, o governo Bolsonaro cobrou elevado preço dos servidores públicos, os quais ainda poderão ser mais penalizados caso a Proposta de Emenda Constitucional 32, da reforma administrativa, avance.
O esvaziamento do Codefat
Criado em 1990, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) é encarregado da gestão do fundo responsável pelo pagamento do seguro desemprego, abono salarial e pelo financiamento de políticas de trabalho e renda. Por sua composição paritária e tripartite, enquadra-se no modelo preconizado pela Organização Internacional do Trabalho para gestão democrática de políticas de trabalho e renda.
Em 2019, essa instância foi esvaziada, perdendo duas de suas principais funções: elaborar diretrizes para programas e para alocação de recursos; e acompanhar e avaliar seu impacto social e de propor o aperfeiçoamento da legislação referente às políticas (Resolução nº 839).
Ademais, o Conselho não terá mais atribuições de acompanhar o financiamento de programas de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico, o que reduz a participação de empregados e empregadores nas decisões referentes ao uso dos recursos do FAT.