GOLPE DE 2016 – Estado de Exceção mais fortalecido
Retrocessos não se limitam às áreas sociais, cortes no orçamento, privatizações e agenda neoliberal.
A queda de Dilma revelou a politização do Judiciário e das Forças Armadas, sintomas graves da crise institucional que o país vive há cinco anos
Passados cinco anos do Golpe de 2016, os retrocessos e ataques ao Estado Democrático de Direito avançam. A politização do Judiciário e órgãos indispensáveis à prestação jurisdicional e a politização das Forças Armadas são facetas preocupantes deste processo que sinalizam o risco cotidiano do fortalecimento do Estado de Exceção em que vivemos. O momento é grave e o Brasil sangra e se desfaz como Nação depois do golpe.
A politização do judiciário é consequência e, ao mesmo tempo, motor do golpe que tantos retrocessos causou ao Brasil. A função proeminente que a jurisdição assumiu no quadro da Constituição de 1988, com robustas garantias de independência para a magistratura e autogestão institucional facilitou o acesso à Justiça e multiplicou as demandas.
Como efeito reflexo, criou forte disfuncionalidade no descontrole de seus procedimentos. A grande visibilidade que adquiriu no deslinde de controvérsias sobre questões fundamentais da sociedade levou, também, a uma indevida busca por “popularidade”, isto é, aceitação pela opinião pública.
Em consequência, assistimos ao atrelamento da função jurisdicional à mídia corporativa e a suas escolhas políticas. A transmissão televisiva de acirrados debates em cortes superiores, em especial no Supremo Tribunal Federal, levou à interferência de agendas externas no processo decisório. Esse fenômeno, que já fora observado no julgamento da Ação Penal 470, do chamado Mensalão, se espraiou na cultura judicial da primeira instância também em casos notórios de persecução de crimes contra a administração pública, como na chamada Operação Lava Jato.
As escolhas da mídia corporativa têm interesses pouco democráticos. Desde o início dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores, houve sistemático ataque a suas ações que, aparentemente, não atendiam às mais pautas da agenda neoliberal. O Judiciário, na busca de aceitação e sem capacidade de atuação corretiva contramajoritária, aderiu à campanha e não só condenou criminalmente o núcleo duro partidário, como também se manteve inerte diante do golpe parlamentar levado a efeito contra a presidenta Dilma Rousseff.
Pior ainda, os tribunais assumiram, de forma acrítica, os pressupostos falsos e não provados das acusações contra o Lula, para, ao final, determinar sua prisão e excluí-lo das eleições de 2018, onde figurava, em pesquisas, como candidato mais forte para a Presidência da República.
Tanto o Tribunal Superior Eleitoral quanto o Supremo Tribunal Federal ignoraram medida provisória do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, que determinava a liberação de Lula para fazer campanha eleitoral. A desobediência se deu com base na equivocada interpretação do tratado, de que as determinações do comitê não seriam mais do que meras recomendações e não vinculariam o poder judiciário doméstico.
Cinco anos após iniciadas as invectivas contra Lula, e depois de ele ter passado 580 dias preso, o Supremo Tribunal Federal acabou por reconhecer a suspeição do juiz Sérgio Moro, que o condenara, bem como a incompetência de sua 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. O julgamento final sobre a suspeição de Moro acontece no dia 23 de junho, quando o plenário do STF retoma o caso e já há maioria para manter a decisão da Segunda Turma declarando-o suspeito. Ainda faltam votar Marco Aurélio Mello e o presidente da corte, ministro Luiz Fux.
O tardio reconhecimento da injustiça praticada só se deu em virtude do vazamento de mensagens trocadas, por aplicativo eletrônico, entre os procuradores da República e o ex-juiz que articularam a condenação. Esse vazamento criou o ambiente político propício à correção de rumos, provando, mais uma vez, o atrelamento do Judiciário à opinião pública, com consequente politização de suas decisões. •
A militarização da política
Oficiais das Forças Armadas agora ocupam cargos chave e respondem por metade dos postos de comando de ministérios e de empresas estatais. Nem assim, o nacionalismo do passado reacende. Por ora, a ordem é entregar a Nação
Desde o golpe, já no governo Temer, tem crescido o número de militares cedidos para cargos civis no governo federal ao longo dos últimos anos. Tal processo foi acelerado no governo de Jair Bolsonaro, com aumento de cerca de 55%, entre 2018 e 2020, da presença de militares na administração federal, conformando uma tendência à militarização da gestão pública.
Os militares são o grupo com maior presença na Esplanada de Bolsonaro. Até o final de 2020, ocupam dez ministérios como titulares, quase a metade da totalidade das pastas. Ademais, entre 2016 e 2020 cresceu em 34,5% o número de oficiais em cargos comissionados.
As FFAA ocuparam o GSI e a Defesa, mas também marcam presença em áreas estratégicas para grandes projetos e investimentos, como Infraestrutura, Minas e Energia e Ciência, Tecnologia e Comunicações. Mais ainda, estão na área jurídica, comandando a Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça e a CGU, além de órgãos de natureza fundamentalmente política na estrutura da Presidência da República, como a Secretaria de Governo, a Secretaria Geral e a Casa Civil.
Chama atenção a presença no Ministério da Educação, nas áreas ligadas ao ensino superior. Mas também no Ministério da Saúde, atuando na Anvisa; na Agricultura, ocupando o Incra; nos Direitos Humanos, ocupando a Funai; na Cidadania, ocupando Esportes; no Desenvolvimento Regional, à frente do departamento responsável pela defesa civil.
Ainda marcam presença em áreas-meio, de gestão, em diversos ministérios, tais como planejamento, orçamento, licitação, logística, projetos e comunicação. Estão presentes também em postos de direção e em conselhos de administração de algumas das maiores estatais do país, como Petrobrás, Eletrobrás, Itaipu Binacional, Telebrás, Correios e Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.
Os militares e a indústria naval estão em diálogo. As estatais ligadas aos militares têm sido fortalecidas, ao contrário das demais. A Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), vinculada à Defesa e à Marinha, teve capital aumentado em R$ 7,6 bilhões. A Infraero, dirigida por um tenente-brigadeiro, recebeu aporte de R$ 1,5 bilhão. A Telebrás, subordinada à pasta do militar-astronauta, R$ 1 bilhão.
No caso da Infraero, o Tesouro respondeu a exigências contratuais de concessões passadas e, no caso da Telebrás, o volume foi para pagar despesas básicas, medidas típicas de pré-privatização. Mas, no caso da Emgepron, há projetos com potencial estratégico e mobilizadores de investimentos industriais. Num e noutro caso, com ou sem projeto de desenvolvimento, o fato é que os militares ocupam instituições com potencial efeito positivo sobre as taxas de investimento, crescimento e lucro.
Na estratégia dos militares, a Amazônia Verde e o Atlântico Sul são fronteiras decisivas. Mas, como a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) passa pelo alinhamento com a potência hegemônica e composição com oligarquias locais. As fardas não se constrangem em se associar ao projeto neoliberal de desmonte do Estado e abertura desregrada do mercado.
Nem tampouco com o projeto neoconservador de degradação ambiental com predação agrária, minerária e energética. É que, nesses casos, proteger a floresta e o mar significa, antes de mais nada, protegê-los dentro dos marcos do direito privado e não das noções de bem público.
Do ponto de vista econômico, merece atenção a maneira como a Defesa tem passado por incrementos que vão na contramão da política econômica ultraliberal em curso. Em 2019-2020, o Ministério da Defesa teve seu maior orçamento: R$ 105 bilhões.
Nesse cenário, merece destaque a viagem de Bolsonaro aos EUA, seu encontro com Donald Trump, suas reuniões com empresários do setor de energia e infraestrutura e sua visita às instalações militares do Comando Sul. Ao que tudo indica, as tratativas por trás dessas missões buscaram dar consequência a acordos de cooperação militar iniciados ainda no biênio 2017-2018, com Michel Temer, como o Master Information Exchange Agreement (de troca de informações tecnológicas militares), o Acquisition and Cross-Servicing Agreement (de apoio logístico e de serviços militares), o Space Situational Awareness (de uso do espaço exterior e aéreo para “fins pacíficos”).
Um dos principais desdobramentos da última viagem de Bolsonaro aos EUA, segundo os ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, foi a divulgação do acordo Research, Development, Test e Evaluation (RDT&E), que estabeleceu parcerias entre as bases industriais de defesa dos dois países, envolvendo valores que podem chegar a US$ 96 bilhões, segundo o Itamaraty.
Por trás das promessas de parceria industrial estratégica, transferência tecnológica e propriedade intelectual compartilhada, o que deve ocorrer é a projeção dos interesses americanos sobre o Brasil, em troca de alguns investimentos no país. Isto vem a calhar para a soberania dos EUA e para a subalternidade do Brasil, pois a potencialização da indústria de defesa do país pode criar algum estímulo para a indústria local, ainda que seu efeito multiplicador não seja capaz de mitigar os profundos problemas econômicos do país. •
Uma previdência especial garante privilégios
Vale lembrar ainda que, entre os servidores públicos, os militares são os que custam mais caro para a previdência. Apesar disso, a reforma da previdência militar sancionada em 2019 deu mais vantagens a essa categoria. Quando comparada à reforma dos trabalhadores da iniciativa privada, os militares poderão receber salário integral ao se aposentar, não terão idade mínima obrigatória e pagarão contribuição de 10,5% (enquanto os demais pagarão entre 7,5% e 11,6%). A despeito de algumas diferenças na transição, tais regras também valem para policiais militares e bombeiros dos estados.
Os militares foram a única carreira do serviço público a ter aumento salarial garantido para 2020, enquanto o congelamento foi a regra geral para todas as demais categorias. O reajuste do soldo de praças chega a 13%, com a inclusão de outros benefícios relacionados à reforma na carreira militar, tais como aumento do adicional de disponibilidade, pago aos militares da reserva que podem ser reconvocados; aumento do adicional de habilitação, gratificação paga para cada curso ou treinamento concluído pelo militar; além de uma ajuda de custo para aqueles que deixam a ativa. •