70 anos depois, um tiro na energia do Brasil
Há 73 anos, na sua Carta Testamento, Getúlio Vargas deitou à sabotagem as fontes de energia do Brasil boa parte das razões da conspiração que o levou ao suicídio:
“Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre”.
Naquele Brasil, a falta de luz era constante nos centros industriais do país – São Paulo, Rio e Minas – e nem pensar que o interior rural tivesse energia: mesmo as cidades menores que a tinham eram servidas por uma corrente elétrica fraca, oscilante e quase diariamente interrompida.
Em sete décadas, o Brasil ganhou capacidade de construção e operação de hidrelétricas nos maiores padrões mundiais de engenharia e de linhas de transmissão raramente igualadas no planeta, inclusive com inovações como a transmissão em altas voltagens de corrente contínua, com baixos níveis de perdas no deslocamento da energia.
O país foi, paulatinamente, construindo sua autossuficiência elétrica, numa matriz extraordinariamente limpa frente aos demais países do mundo.
Tudo isso acaba um pouco com a venda a toque de caixa, da Eletrobrás.
Foi, na expressão do senador Jean Paul Prates (PT-RN), uma “quermesse energética”. Os senadores, como antes os deputados, desenharam um monstrengo para que se garantisse a montagem, com compra compulsória de térmicas a gás, onde nem sequer há gasodutos que as abasteçam. Pequenas centrais hidrelétricas, que podem suprir sistemas locais, são extremamente dispendiosas se não consideram as necessárias integrações a grandes redes de transmissão.
Tem todos os temperos do retrocesso: a exclusão do Ibama e da Funai do licenciamento de linhas de transmissão de energia que atravessem terras indígenas é uma porteira aberta para a devastação destas áreas.
Os investimentos obrigatórios podem até, no médio prazo para alguma produção de energia – esqueçam a possibilidade de influírem na crise atual – no médio prazo, mas não oferecem ao país um horizonte de oferta abundante de energia barata.
Ao contrário, é energia mais cara, agora e depois, porque investimentos de baixo retorno terão de ser remuneradas pelos consumidores e ninguém porá dinheiro na Eletrobrás privatizada para ter retorno em longo prazo, como é característica do setor.
A última e pequena esperanças estão em que a Justiça barre a monstruosidade que se está consumando no Legislativo. Difícil: o Judiciário, sempre tão ativo quando se trata de interferir na política, em geral é pouco interessado em interferir em algo que diz respeito a nossa própria soberania como Nação.