Enquanto nos Estados Unidos a média de mortes caiu de 3.431 para menos de 370 registros de óbitos por dia, em Pindorama o ritmo segue acima de 2 mil mortos. É como se caíssem, desde março de 2020, cinco aviões por dia no país. E o presidente continua negando a ciência. Como um capitão da nau à deriva que segue rumo à tempestade perfeita

 

O Brasil atingiu no último final de semana a triste marca de 500 mil mortos por Covid. A pandemia segue descontrolada no país, que está na contramão do mundo, junto com o resto da América Latina. Enquanto nos Estados Unidos a média diária de mortes caiu de 3.431 para menos de 370 registros de óbitos por dia, aqui o rimo segue acima de 2 mil mortos. É como se caíssem, desde março de 2020, cinco aviões por dia no país. Para gozo e glória de Jair Bolsonaro, que continua firme na sua política negacionista, condenando o distanciamento social, recomendando cloroquina aos incautos e desprezando vacinas.

Na quinta-feira, 17, Bolsonaro foi direto ao apontar que aposta na imunidade de rebanho, mesmo que o preço a pagar em vidas de brasileiros seja alto. “Todos que já contraíram o vírus estão vacinados. Até de forma mais eficaz que a própria vacina, porque você pegou o vírus para valer. Então, quem pegou o vírus, não se discute, está imunizado”, disse. A confissão de culpa está explícita. O presidente acredita e está convencido que é a imunidade de rebanho é a saída para o enfrenamento da pandemia. Ele nem se dá mais ao luxo de defender a vacina. Aliás, no Facebook, ele  desdenhou, pela enésima vez, da eficácia do Coronavac.

O jornal britânico Financial Times disse na sexta-feira, 18, que o governo foi inepto no manejo da pandemia. Isso é quase um elogio. Embora a Nação de Donald Trump ainda esteja à frente do Brasil no cômputo geral de mortos, com a triste marca de 600 mil óbitos atingida no dia 15, o ritmo fúnebre da Covid lá está em descenso, enquanto Pindorama segue firme rumo ao topo. Brasil acima de todos – diz o capitão da nau à deriva que se tornou o país.

O neurocientista Miguel Nicolélis, que há mais de um ano alerta para o perigo das sucessivas ondas da Covid no país – e é sonelemente ignorado pelo governo federal – diz que o Brasil vai superar os Estados Unidos e bater o recorde de 600 mil mortos em menos de três meses. Como resumiu a médica Luana Araújo, na CPI da Covid, o país tinha tudo para enfrentar a tempestade do coronavírus, mas tomou caminhos errados. “Optamos por ignorar a experiência do resto do mundo, e esta combinação de arrogância e ignorância é muito perigosa”, afirma.

Os dados mostram que o diagnóstico da médica é preciso. O Brasil voltou à liderança no ranking dos países onde mais se morre pelo coronavírus no planeta nos últimos dias. Nicolélis lamenta que o país chegou aos 500 mil mortos e está prestes a mergulhar na terceira onda. “É como se Florianópolis sofresse um ataque nuclear e toda a população da cidade, por volta de 500 mil habitantes, desaparecesse num piscar de olhos”, compara.

“O maior problema no Brasil – e que está tendo um efeito terrível na aceitação da vacina – é a política da negação”, disse Chrystina Barros, membro do grupo que luta contra o Covid-19 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao jornal inglês The Guardian, na última sexta-feira. “Temos um presidente negador, cujo discurso e comportamento vão contra o conselho médico – e que está influenciando as pessoas a não tomarem a vacina. É uma tempestade perfeita”, resume.

“O que a realidade está mostrando é aquilo que nós já dizíamos desde o início do ano: a vacinação sozinha não tem capacidade de acabar com a pandemia”, diz o deputado federal Jorge Solla (PT-BA), que é médico. “O Brasil tá chegando a 100 mil novos casos diários e voltando a bater 3 mil mortos por dia. O que acontece aqui é o caldeirão para o surgimento de variantes mais resistentes às vacinas, e só tem nos restado rezar para que isso não ocorra”. Até agora, apenas 11,4% da população total e 15% da população adulta recebeu as duas doses da vacina.

A alta demanda por leitos de UTI para pacientes com Covid-19 continua o manter o SUS sob forte pressão. Na semana em que o país ultrapassou a marca de meio milhão de vidas perdidas para a  pandemia e pela omissão criminosa do governo, pelo menos dez capitais e o Distrito Federal estavam com a taxa de ocupação acima de 90% na rede pública. No Paraná, Curitiba apresenta o cenário mais desesperador: 101% de UTIs lotadas. Logo atrás, aparecem Aracaju (SE) e Palmas (TO), com 97%. O fato é que o país já está na terceira onda da pandemia. E sem sinal de que sairemos dela sem que sejam adotadas medidas recomendadas, como lockdown, restrição de deslocamento e distanciamento.

A reação do povo brasileiro – que tomou as ruas de 310 cidades no país em dois finais de semanas nos últimos 20 dias – mostra que, sem luta, Bolsonaro permanecerá à frente da nau dos insensatos que se transformou o país, desrespeitado no resto do mundo e visto como pária pela comunidade internacional. O establishment empresarial e político querem Bolsonaro à frente do Planalto para cumprir a agenda de reformas e destruição de direitos sociais, enquanto o governo pilha o patrimônio nacional – como a venda da Eletrobrás e o esquartejamento da Petrobrás – para entregá-lo aos interesses estrangeiros e garantir o apetite insaciável do mercado.