Pedro Castillo chega à reta final da contagem eleitoral com uma diferença de cerca de 80 mil votos a seu favor. Resta apenas a ratificação oficial de sua vitória, que deverá ser resolvida em questão de horas. A ambiguidade se deve à variação infinitesimal que poderia resultar do exame dos registros observados, preenchidos incorretamente ou com assinaturas ilegíveis.

Mesmo assim, a vitória do professor rural é irreversível. E é isso que explica que desde a tarde de terça-feira, 8, os boatos e as mentiras da direita peruana e continental começaram a bater no remendo da fraude. Mas Adriana Urrutia, da Associação Civil Transparência, instituição que destacou 1.400 observadores no Peru e em centros de votação no exterior, rejeitou imediatamente a denúncia. Ela diz que “não há evidências que nos permitam falar em fraude eleitoral”. Tal afirmação é consistente com a aquela dada a órgãos de imprensa pelos observadores da União Interamericana de Organizações Eleitorais e nada menos que os enviados da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Celebridades peruanas outrora loquazes como Mario Vargas Llosa e Jaime Bayly foram chamadas a um silêncio retumbante. O primeiro escreveu que “ardia de desejo” de celebrar o triunfo da hipercorrupta que até poucos meses atrás era o alvo preferido de seus ataques mais furiosos e devastadores.

Como diria Jorge Luis Borges, essa cambalhota não foi fruto do amor, mas do horror de que sua atormentada alma colonial produzisse a única possibilidade de um homem do povo, um humilde professor rural, conseguir o que ele próprio não conseguiu em 1990: ser presidente do Peru. E agora Llosa queima, mas com ódio e fúria, diante da luz cegante de um personagem que difamou, insultou e lutou ferozmente e implacavelmente.

Bayly, outro espírito colonizado até o âmago, cansou-se de difamar a figura de Castillo. Acusou-o de ser chavista, castro-chavista, esquerdista, comunista e até deu a entender que poderia ser um “senderista”. Como na Argentina, o pseudo-jornalismo não reconhece limites éticos de nenhum tipo. Seus porta-vozes podem mentir diariamente e com absoluta impunidade. O complemento das fake news e a blindagem midiática cultivado pelos pistoleiros é o lawfare. O que quer que Bayly diga contra o futuro presidente peruano, a justiça sempre estará lá para proteger o publicitário do império.

Em termos proporcionais, Castillo levou quase meio ponto percentual à frente de Keiko Fujimori. Certamente foi uma eleição muito acirrada. Mas para quem afirma que esta não é uma diferença suficiente, recordo que em 2016 Keiko perdeu nas mãos de outro corrupto, Pedro Pablo Kuczinski, por 40 mil votos e 0,20 do total de votos válidos. Agora a diferença é dupla, em termos absolutos e percentuais.

Não há motivo para ignorar a vitória de Cajamarca. Em uma democracia, quem tiver mais votos vence, e Castillo tem o bastante. John F. Kennedy derrotou Richard Nixon em 1960 por uma diferença percentual igual a 0,17%. Por que motivo esse número é bom nos Estados Unidos e um número muito maior não seria no Peru?

 

Por que Castillo ganhou?

A vitória de Castillo é um evento encorajador porque mostra que se houver um candidato que representa e interpreta fielmente o sentimento popular, todos os poderes do establishment podem ser derrotados. Os empresários que ameaçaram fechar as portas e deixar seus trabalhadores na rua atiraram nele. A oligarquia mentirosa e manipuladora da mídia. A classe política tradicional. Os altos servidores públicos do Estado e até a maioria dos jogadores de futebol da seleção peruana, além de Vargas Llosa e Bayly. Castillo fez sua campanha com zero de dinheiro, sem consultores de imagem e sem os caros consultores eleitorais. Ele não precisava de nada disso. Venceu porque ouviu o clamor popular. Soube ouvir a voz da rua.

Castillo não só ganhou a eleição, como também recebeu um prêmio inesperado: derrotou Keiko, 65 contra 35 por cento dos votos em nada menos que Arequipa, a casa de seu caluniador mais cruel que, por essa razão também, deve estar queimando como um chá medieval enquanto se perguntava: Quando Marito [Mário Vargas Llosa] se ferrou?

Ele costuma alternar com presidentes e reis, com ministros e eminências. A ser tratado com a distinção devida a um Marquês do Reino de Espanha. E foi espancado na sua terra natal por um humilde professor de Cajamarca, precisamente de Chota, que da noite para o dia parece personificar os traços de alguns dos seus mais admiráveis heróis e romances. Além do mais, eu diria que muitos deles devem estar desfrutando do doce sabor da vingança contra o escritor que os criou e que, ao deixar o mundo da ficção, tornou-se o inimigo mortal de suas amadas criaturas, eternos sonhadores e lutadores por um mundo melhor.