Desde o Golpe de 2016 o país vem sofrendo um processo contínuo de retrocessos em relação à proteção da natureza, aos direitos socioambientais e ao papel do Estado na indução do desenvolvimento sustentável. Além da política nacional de meio ambiente e dos avanços alcançados com a Constituição de 1988, todas as conquistas ambientais da sociedade brasileira, especialmente as alcançados nos governos petistas – que representaram um salto em direção ao crescimento econômico com justiça social e preservação ambiental – foram solapadas, sobretudo pelo governo Bolsonaro.

O Brasil retrocedeu em tudo que foi construído nas últimas décadas. Tanto nos aspectos legais e institucionais, quanto na participação da sociedade nos espaços de formulação e controle, na descentralização, no acesso à informação e na construção de consensos em torno de valores socioambientais. O marco jurídico de proteção ambiental está sob ataque, o papel do Estado está sendo revertido e as porteiras da devastação foram abertas.

Sob Bolsonaro, o meio ambiente e a consciência nacional em prol da sua proteção, até mesmo os fundamentos do direito ambiental consagrado pela Constituição, foram elevados à condição de inimigos da Pátria. Portador de um discurso mais próximo de um contraventor ambiental do que de Chefe de Estado, Bolsonaro está retrocedendo na institucionalização e mudando o papel do Estado nas questões socioambientais.

A arquitetura institucional criada ao longo das últimas décadas está sob ataque. Bolsonaro tomou medidas concretas para esvaziar as competências e atribuições do Ministério do Meio Ambiente, transferindo para outras pastas órgãos como a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Serviço Florestal Brasileiro. Na mesma linha, rebaixou a capacidade de intervenção do Ibama e do ICMBio, retirando-lhes a autonomia que uma autarquia detém legalmente. O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) foi esvaziado, com redução de 96 para 23 integrantes, com as cadeiras da sociedade civil decrescendo de 23 para quatro.

No plano normativo, é bem conhecida a comitiva tocada pelo ministro Ricardo Salles para fazer passar a boiada. Foram dezenas de canetadas revogando, alterando e fragilizando regulações e procedimentos infra-legais. Apenas algumas dessas medidas puderam ser revertidas no âmbito do Judiciário, já que no âmbito do parlamento nenhum projeto de decreto legislativo foi colocado para deliberação.

De um Estado descentralizado, atuando em sintonia com entes federados do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) e em conformidade com os princípios do pacto federativo, permeado por processos democráticos de participação da sociedade, sob o Bolsonaro o governo retrocedeu para a forma centralizada e autoritária, excluindo os estados e municípios de qualquer protagonismo no planejamento das políticas e da gestão ambiental. Não por outra razão os estados foram excluídos do Conselho de Desenvolvimento da Amazônia.

Ministérios, autarquias e órgãos foram colonizados por grupos de interesse que comandam e definem a aplicação dos recursos públicos, interditam as demandas socioambientais e afastam o Estado das necessidades da conservação. Basta um olhar sobre quem comanda o Incra, a Funai, o Serviço Florestal Brasileiro e a Fundação Palmares para constatar a usurpação das finalidades desses órgãos. Por outro lado, reina a subserviência no Ibama, no ICMBio e no próprio Ministério do Meio Ambiente, transformado em uma espécie de sucursal do Ministério da Agricultura para facilitar a liberação de agrotóxicos, transgênicos, liberação de multas ambientais e para não levar a cabo a implementação do Código Florestal.

Com o Conama esvaziado, os órgãos do sistema enfraquecidos e desarticulados, a participação da sociedade negada e com o rebaixamento de normas, regras e da autonomia de ação dos órgãos ambientais federais, somados ao permanente ataque ideológico ao legado institucional que herdou, Bolsonaro vem impondo uma reversão importante ao arcabouço institucional construído historicamente para tratar das questões ambientais. Com isso, o meio ambiente fica cada vez mais à deriva, sem a proteção do Estado e a mercê de toda sorte de ilicitudes e depredação.

 

Avanço do desmatamento, incêndios florestais e emissões

O Brasil vive um processo de devastação ambiental sem precedentes. A explosão do desmatamento e o aumento das queimadas aumentaram as emissões de gases de efeito estufa, comprometendo a preservação de nossa biodiversidade e afastando o país do protagonismo que alcançou nos governos Lula e Dilma no combate ao aquecimento global.

A Amazônia está sendo devastada pelo desmatamento e pelas queimadas criminosas. A média de focos de queimada na Amazônia cresceu 16% quando comparado o governo Dilma e os governos pós-golpe.

Bolsonaro tem sido conivente com este processo, como dão mostra a desativação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal e a instituição de um Conselho da Amazônia, composto por 19 militares e quatro delegados da Polícia Federal, mas sem nenhum representante do Ibama, ICMBio ou Funai. Também contribuem nesta direção mudanças normativas como a retirada da autonomia e a discricionariedade dos fiscais do ICMBio para a inutilização de equipamentos utilizados em infrações ambientais ou como a flexibilização de normas para fiscalizar e multar serrarias que compram madeira ilegal.

A única ação concreta do governo Bolsonaro para enfrentar o desmatamento foi tentar desacreditar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), instituição que, nas últimas duas décadas, faz a medição do fenômeno. Tentativa que envolveu a substituição da direção e a tentativa de adquirir, do setor privado, novo sistema de monitoramento da Amazônia.

Os dados do Inpe são explícitos: sob Bolsonaro, a Amazônia está sendo destruída. Em 2020, o desmatamento alcançou a taxa de 11,1 mil km², a maior taxa dos últimos 11 anos. Os dados dos quatro primeiros meses de 2021 apontam para mais um recorde, com aumento de cerca de 58% entre março e abril, após quase triplicar no mês anterior.

 

O Pantanal em chamas

Uma das maiores tragédias ambientais do país foi a devastação do Pantanal em 2020 pelos incêndios florestais. Aproximadamente 26% de todo o bioma foi consumido pelas chamas em uma área de 33 mil km², o que equivale à soma do território do Distrito Federal e de Alagoas.

Toda essa devastação ocorreu perante a inércia e omissão do poder público. Esta constatação está no Relatório da Comissão Externa encarregada de acompanhar e promover a estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros (Cexquei).

Após ampla caracterização das causas dos incêndios, a Comissão constatou que “por mais que as condições climáticas sejam um fator importante para a compreensão da tragédia socioambiental no Pantanal, a atuação do governo federal e o ‘componente humano’ foram fatores essenciais para que se ultrapassasse, em muito, todos os recordes históricos de devastação”.

 

Emissões em alta e não cumprimento da meta climática

O Brasil vem se afastando cada vez mais de suas metas de clima.  No âmbito da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), a meta era reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% e as emissões de gases-estufa da região em 40% até 2020, em relação ao cenário tendencial. Isso significava uma taxa de desmatamento de, no máximo, 3.925 Km2 e emissões brutas máximas de 2,068 bilhões de toneladas CO2.

Longe da meta, o desmatamento oficial em 2020 foi 11,1 mil Km2 e de acordo com projeções pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), as emissões foram da ordem de 2,2 bilhões de toneladas.

Em relação ao Acordo de Paris, na sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões líquidas em 37% até 2025 em relação aos níveis de 2005. Além da meta para 2025, a NDC tem um indicativo de meta para 2030, de 43% de redução. Como as emissões líquidas brasileiras em 2019 eram de 1,570 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, para cumprir a sua taxa – emissão líquida de 1,3 bilhão de toneladas –, o Brasil precisaria chegar a 2025 com emissões líquidas 17% menores do que a registrada em 2019.

Dois fatos afastam o Brasil da possibilidade de alcançar a meta. O primeiro, a tendência verificada a partir de 2015, com o país aumentando suas emissões líquidas em 12%, e com a curva seguindo ascendente. O segundo, a atitude do governo Bolsonaro de propor que as emissões do Brasil em 2030 sejam 27% maiores do que quando ratificou o Acordo de Paris, conforme a NDC encaminhada à Convenção do Clima das Nações Unidas.

Em síntese, o golpe não foi apenas contra a democracia, afastou também o país dos seus compromissos com a agenda global de enfrentamento das crises ambiental e climática. Agora, o Brasil está no rumo do colapso dos ecossistemas que ameaça e compromete o futuro da sociedade brasileira e de toda a humanidade.

Ecossistemas Costeiros e Marinhos à deriva

O sistema costeiro-marinho, que abarca áreas de diferentes biomas, foi duramente castigado pela omissão e pelos atos ilegais do governo Bolsonaro. O derramamento de óleo que poluiu o litoral do Nordeste em 2019 provocou danos ambientais e socioecômicos incalculáveis. Por omissão e incompetência, o ministro Ricardo Salles não acionou em tempo o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo, previsto em lei, cujos instrumentos e mecanismos, se colocados em prática, poderiam ter reduzido os impactos e danos causados pela poluição.

Na Câmara dos Deputados, o governo atua mediante sua base para encerrar a comissão parlamentar de inquérito do derramamento de óleo antes de concluir o processo de apuração. A manobra buscou transformar a CPI em pizza, evitando a responsabilização do ministro do Meio Ambiente e outras autoridades federais pela omissão e atos que praticaram.

Valendo-se de um Conama esvaziado e manipulado, Salles revogou um conjunto de resoluções de proteção dos manguezais e restingas. Agiu para atender interesses dos setores da carcinicultura, da indústria imobiliária, da mineração e turismo, em detrimento da conservação e uso sustentável desses espaços fundamentais para a manutenção da biodiversidade e serviços ambientais do sistema costeiro-marinho. Seu ímpeto serviçal aos interesses privados foi barrado pelo STF, graças a uma ação movida pelo PT e pela intervenção da Justiça do Rio de Janeiro.

Não bastassem essas investidas, no momento mais crítico da crise causada pelo derramamento de óleo na costa do Nordeste, o presidente do ICMBio alterou o Plano de Ação Nacional para os manguezais, revogando a parte que previa ações para a erradicação de carcinicultura e a recuperação dos sistemas já afetados pela atividade. Atendeu, por ordem de Ricardo Salles, uma exigência do Secretário de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, em mais um ato de subordinação e subserviência aos interesses econômicos.

 

Mata Atlântica ameaçada

A sanha antiambientalista do governo Bolsonaro não poupou nem mesmo a Mata Atlântica. Na sua tática de “passar boiada”, o ministro vem alterando ou tentando alterar normas para remover a proteção a este que é o bioma com com a menor cobertura florestal, com apenas 12% de vegetação florestal natural.

Em julho de 2019, veio o primeiro ataque à proteção da Mata Atlântica. O Ibama alterou regras sobre supressão de vegetação no bioma (Instrução Normativa 20/2019), criando a possibilidade de o infrator recorrer diretamente ao superintendente e ao presidente, e reduzindo a compensação de desmatamentos ilegais.

Em abril de 2020, Salles determinou, com um despacho, aos órgãos ambientais federais a adoção de regras do Código Florestal na Mata Atlântica, em detrimento da Lei da Mata Atlântica, uma lei especial e mais restritiva que regula o uso do bioma, regulamentada e aplicada nos 17 estados que o compõem. Buscou, na prática, abrir caminho para a anulação de multas, embargos e desmatamentos ilegais para favorecer o mercado imobiliário e setores do agronegócio.

Bombardeado por ações judiciais e diante da iminente derrota, recuou do ato, mas não do propósito. Segue buscando fragilizar o marco legal de proteção da Mata Atlântica, declarada patrimônio nacional pela Constituição Federal de 1988.

 

Recursos hídricos: centralismo e riscos ambientais

Os retrocessos promovidos por Bolsonaro também afetaram o sistema de gestão de recursos hídricos. As alterações solapam o processo de construção de um sistema cujos pilares são, entre outros, a gestão descentralizada, participativa e em articulação com o sistema nacional de meio ambiente.

O primeiro passo foi a transferência de todo Sistema de Gestão, incluída a Agência Nacional de Águas (Ana) para o Ministério do Desenvolvimento Regional. Esta transferência não é apenas uma troca de “caixinhas”, mas uma mudança radical da concepção na gestão de águas, de sustentável para uma visão meramente utilitarista, focada apenas em obras.

Na sequência, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, órgão máximo do sistema de gestão de águas foi reduzido de 57 para 37 membros, precarizando a participação dos estados e da sociedade civil. Mais governo federal e menos descentralização e participação. A centralização e a visão retrógrada na gestão das águas vão se expressando na flexibilização da lei de segurança de barragens, na leniência com a infestação de nocivas pequenas centrais hidrelétricas no pantanal, e no estímulo aos interesses privados do setor de saneamento.

 

 

Unidades de Conservação e áreas protegidas sob ameaça

As Unidades de Conservação, as terras indígenas, as áreas de proteção permanentes e a reserva legal dos imóveis rurais, espaços ambiental e legalmente protegidos, assim como os territórios quilombolas e das populações tradicionais, e até mesmo os assentamentos da reforma agrária, estão passando por um processo de desconstituição e apropriação privada.

Além da intenção declarada do ministro Ricardo Salles de realizar a revisão de todas as 334 unidades de conservação federais do país, vários projetos de lei tramitam no Congresso com a mesma finalidade, todos buscando transformar as unidades de conservação em fronteira de expansão das atividades econômicas. O mais emblemático desses projetos é o PL 191/2020, encaminhado pelo Executivo, que abre as terras indígenas para a exploração mineral e outras atividades econômicas.

Uma forma mais sutil de privatizar os bens públicos, como as Unidades de Conservação, ocorre mediante a transferência para a iniciativa privada das atribuições e responsabilidades do poder público em relação a esses bens. É exatamente isso que o governo Bolsonaro está fazendo mediante dois mecanismos: incluindo as unidades de conservação no Programa Nacional de Desestatização, habilitando-as para o Programa de Parcerias de Investimentos; iniciativas como o Programa Adote um Parque, pelo qual empresas ou indivíduos destinam recursos financeiros, na forma de produtos e serviços, para determinada unidade de conservação, em troca do direito de uso de slogans de parceiros da conservação e outros direitos de imagens e uso temporário da unidade adotada para atividades institucionais.

Para justificar a entrega do patrimônio público ao mercado, primeiro o governo realiza uma campanha difamatória dos servidores públicos ambientais. Depois, asfixia o ICMBio financeiramente – que terá, em 2021, orçamento 44% menor que no ano anterior – e rebaixa sua capacidade operacional aparelhando o órgão com dirigentes alheios à missão do órgão. Essa manobra não visa outro fim que não a subordinação da política ambiental ao programa neoliberal e privatista do governo Bolsonaro.

 

Expropriação das terras das comunidades tradicionais

A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, implantada durante o governo Lula (Decreto 6.040/2007) permitiu o reconhecimento do direito à ocupação e uso dos territórios e recursos naturais como condição para a reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica dos povos e comunidades tradicionais. Entre os instrumentos jurídicos que asseguram esse direito estão a Concessão de Direito Real de Uso e o Termo da Autorização de Uso Sustentável, aplicáveis para regularizar a utilização e o aproveitamento dos imóveis da União.

Nessas áreas da União, da Amazônia ao Sul do país, vivem milhares de famílias de povos e comunidades tradicionais que vinham tendo suas ocupações regularizadas. A partir do Golpe de 2016, o processo de demarcação e reconhecimento das áreas tradicionalmente ocupadas foi interrompido, atendendo aos interesses de organizações dos setores que promoveram a ruptura democrática, como a Confederação Nacional da Agricultura e a Frente Parlamentar Agropecuária.

A Secretaria de Patrimônio da União tem se negado a se manifestar perante a Justiça como parte interessada em conflitos de terras, deixando as comunidades à mercê dos interesses de fazendeiros e demais grupos econômicos, cujo poder político e influência perante os tribunais é desproporcional à capacidade organizativa e de respostas das famílias comunitárias.

Com o retrocesso, comunidades ribeirinhas em todo o país estão sendo expropriadas de seus direitos territoriais, seja mediante métodos de violência direta, incluindo assassinatos de líderes e coações de toda ordem, ou por decisões judiciais tomadas sem nenhuma mediação dos órgãos federais envolvidos. Se esse quadro de violência ocorre em todo o país, a situação é mais grave em algumas regiões, como nas margens do rio São Francisco, notadamente no estado de Minas Gerais, onde o lobby ruralista obteve total apoio do governo Bolsonaro, paralisando o processo de demarcação das áreas da União e de reconhecimento dos direitos territoriais.