Como na ditadura, a imprensa esconde os atos contra o governo
A mídia oligopolista mostra o velho método de mascarar a realidade. Se o leitor queria saber sobre os protestos de sábado, 29 de maio, teve de procurar jornais estrangeiros
Mais de 420 mil pessoas nas ruas, milhões de posts nas redes sociais, mobilização de inúmeras personalidades, mas nada disso fez com que os veículos de imprensa mais tradicionais do país dessem destaque ao protesto e à indignação que toma conta do Brasil. A exceção foi a Folha de S.Paulo que vive num constante “morde e assopra” com a esquerda e o progressismo brasileiro.
A imagem de quarteirões e quarteirões da Avenida Paulista tomados por manifestantes estampou a capa da Folha. Já Estadão e O Globo, que em 1964 e 2016 eram contra os governos populares, colocaram apenas algumas linhas em nas primeiras páginas da edição de domingo, 30, enquanto mostravam nas manchetes resultados da economia brasileira. No principal telejornal do país, o Jornal Nacional, da Rede Globo, não foi diferente. Uma nota coberta ainda no sábado, 29, apresentou o resumo listando as cidades em que ocorreram atos.
GloboNews e CNN também fizeram coberturas “mornas”. Em um relatório publicado na Carta Capital, o Intervozes apontou que o direito à comunicação foi negado às centenas de milhares de pessoas que foram às ruas.
A posição desses veículos de imprensa com relação aos protestos de 29 de maio destoa completamente da cobertura dos atos contra os governos de Dilma Rousseff em 2013, 2014, 2015 e 2016. É importante ressaltar que a diferença entre as coberturas é profunda.
Naqueles anos, a TV Globo, a GloboNews e os jornais impressos conferiam para as manifestações todo o espaço possível. Foram inúmeras as edições do Jornal Nacional e de telejornais da GloboNews, bem como das outras emissoras menores que terminaram ao som de milhares de pessoas cantando o Hino Nacional nas ruas.
Geralmente, os programas ignoravam a presença de intervencionistas, apoiadores da ditadura militar e todo tipo de maluco hoje identificado como bolsonarista. A ordem era clara: o importante era construir a ideia de que a maioria do Brasil estava contra Dilma.
Além disso, as emissoras de TV e os jornais impressos, a Folha de S.Paulo inclusive, costumavam identificar quem participava de manifestações contra o governo Dilma como “brasileiros” ou “cidadãos”. E, do outro lado, quem participava dos atos em defesa da democracia era nomeado como “manifestantes” ou “apoiadores de Lula e Dilma” ou ainda “integrantes de movimentos sociais”. Essa diferenciação esteve presente nos noticiários, diariamente, naqueles anos.
Cinco anos após o Golpe de 2016, quando o mandato de Dilma foi interrompido pelo impeachment sem crime de responsabilidade, tal diferença de tratamento não foi esquecida. Imediatamente após os atos de 29 de maio, emissoras de TV e jornais impressos começaram a ser cobrados por causa do silêncio diante da magnitude dos protestos em meio à pandemia.
A pressão fez efeito. O Jornal Nacional aproveitou uma fala de Jair Bolsonaro, na segunda-feira, 31 de maio, em que ele dizia que havia poucas pessoas nos protestos para desmentir o presidente da República e informar o tamanho real dos atos. Além disso, o telejornal e a GloboNews utilizaram a violência da polícia de Pernambuco contra os manifestantes para manter a pauta dos protestos em destaque.
Em 1º de junho, o Estadão publicou editorial falando sobre a importância dos protestos contra o governo Bolsonaro. Artigos no Globo foram na mesma direção. Entretanto, os participantes das manifestações continuam não recebendo espaço para falar nesses veículos, diferente do que ocorreu nas manifestações contra o governo Dilma.
Se a imprensa brasileira, mais uma vez, faz um papelão histórico, grandes veículos de jornalismo do resto do mundo noticiaram a mobilização no Brasil com destaque. É o caso do inglês The Guardian que publicou na manchete: “Dezenas de milhares de brasileiros marcham para exigir o impeachment de Bolsonaro”.
Já o francês Le Monde utilizou como destaque as frases que estavam nos cartazes: “Ele é mais perigoso que o vírus: no Brasil, novas manifestações contra Bolsonaro”. Na reportagem, o diário gaulês explicou que os protestos buscam tirar do poder Bolsonaro, “cuja popularidade está em acentuado declínio e de quem a maioria dos brasileiros (57%, segundo o instituto PoderData) agora quer a destituição”.
O diário espanhol El País também deu destaque aos protestos com a manchete “A esquerda do Brasil sai às ruas contra Bolsonaro pela primeira vez na pandemia”. Segundo o jornal, os protestos foram impulsionados “pela nefasta gestão da pandemia e pelo regresso de Lula”. Além destes, veículos de imprensa da América Latina e a Al Jazeera também publicaram fotos e notícias destacando os atos no Brasil.
Protestos também transbordam nas redes sociais
Nas redes sociais, a hashtag #29MForaBolsonaro contou com 202 mil participações no Twitter, 1.828.048 postagens e 841 mil retuítes, segundo levantamento apresentado pela Rede Brasil Atual.
O analista de dados Pedro Barciela avalia que a repercussão dos atos foi plural e obteve alto engajamento. “Essa diversidade presente no campo antibolsonarista é o que permite que cada vez mais ele sensibilize outros usuários, converse com outros atores e interfira no debate público. A ideia aqui não é ‘furar a bolha’, mas sim dialogar com o maior número de bolhas possível”, aponta.
O jornalista Fábio Malini chamou atenção para o que chamou de início de um acerto de contas com Bolsonaro pelas mais de 470 mil mortes. Malini disse acreditar que os atos de 29 de maio foram apenas o início da movimentação. Ele destacou perfis com milhões de seguidores como os dos ex-BBBs Juliette e Gil do Vigor publicaram posts declarando apoio aos atos.
O jornalista informou ainda que 24 horas após os atos havia passado pelo Facebook 6 milhões de interações provenientes de 45 mil posts em páginas e grupos públicos. Ainda de acordo com Malini, no Instagram, o impacto foi ainda maior: 37 milhões de interações em 10.970 postagens.