Ministério da Justiça, ou seu órgão de inteligência, não são instituições policiais. Não podem, portanto, demandarem quaisquer quebras de sigilo

 

O pregão eletrônico Nº 3/2021, realizado pelo Ministério da Justiça para aquisição de solução de inteligência em fontes abertas, mídias sociais, deep e dark web apresenta questões a serem observadas cuidadosamente, a partir da análise do edital. Cabem, entretanto, observar primeiro o pressuposto de que existe legislação que determina autorização judicial para a quebra dos sigilos de comunicação telefônica e telemática, quando necessárias as investigações policiais. Tais demandas devem ser apresentadas exclusivamente pela polícia judiciária, tendo como lastro inquéritos policiais e processos de investigações criminais, ou pelo Ministério Público, mediante petição ao juiz.

Excetuando os casos acima descritos, inexiste no repertório legal brasileiro permissão para que qualquer agência de inteligência, Forças Armadas, órgão público, ou polícia militar, tenham acesso ao conteúdo das comunicações de qualquer cidadão brasileiro. Portanto, não existe uma fórmula legal hoje que permita isso. Assim, tal qual um cidadão não tem permissão para adquirir um blindado militar ou um caça, uma vez que não tem permissão para utilizá-los, igualmente um órgão ou instituição de Estado não pode adquirir ferramentas sem autorização legal para uso.

Um sistema de interceptação de comunicações telemáticas, por exemplo, que monitore trocas de mensagens textuais, e comunicações por voz, está claramente sob a cobertura legal da legislação acima descrita, que rege as condições para quebra do sigilo de comunicações. O mesmo se daria quanto a ferramentas que permitam o acesso aos aparelhos celulares dos cidadãos brasileiros ou estrangeiros. Ou seja, sua aquisição seria restrita as instituições que podem empregar tais recursos: Polícia Judiciária e Ministério Público Federal.

Cabe ressaltar ainda, que o Ministério da Justiça, ou seu órgão de inteligência, não é instituição policial. Ambos não podem, portanto, demandarem quaisquer quebras de sigilo de comunicações telefônicas ou telemáticas. Compete ressaltar ainda, que nos quadros do ministério existem policiais – civis, militares e federais –, cedidos por suas instituições, estando deslocados de suas missões originais. Todavia, o policial não carrega consigo a prerrogativa do exercício da investigação com quebra de sigilos, vez que esteja no exercício de outra função que não a de policial. Igualmente estão proibidas de atentar contra o sigilo das comunicações a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), os órgãos de inteligência das Forças Armadas, a Polícia Rodoviária Federal, ou as polícias militares nos estados. Muito menos órgãos como a Receita Federal e suas congêneres estaduais, ou órgãos de fiscalização ambiental, dentre outros.

Igualmente vale observar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que prevê a proteção de dados dos indivíduos, e que tão pouco permite qualquer acesso aos órgão de inteligência de Estado ou de polícia ostensiva, e muito menos de instancias ministeriais.

Por fim, cabe notar que, ao contrário do senso comum, agências de espionagem em todo o mundo, como a National Security Agency (NSA), fundada em 1952 nos Estados Unidos, sofrem diversos limites legais em suas atividades. Não somente existe legislação regulando a interceptação de estrangeiros ou suspeitos de espionagem em território norte-americano, como existe um setor no judiciário para autorizar, ou não, tais violações de sigilo, no tocante a inteligência de Estado.

A United States Foreign Intelligence Surveillance Court (FISC, ou FISA Court) foi estabelecida desde o marco legal criado pelo Foreign Intelligence Surveillance Act de 1978. Nos Estados Unidos, por exemplo, não existem exigências legais somente para a interceptação realizada sobre estrangeiros residentes fora do país. Mesmo assim, as atribuições de espionagem sobre o exterior estão claramente atribuídas sob o prisma legal do Estado, desde a origem da CIA e da NSA.

Outra ressalva é de que a ausência de regulação do tema no Brasil provavelmente daria margem para as atuações pouco republicanas, em detrimento das reais necessidades de proteção do Estado e da sociedade ante as ameaças externas, como é o caso da própria NSA.