O diplomata mente, mas não convence ninguém
Balbuciante e nervoso, Ernesto Araújo também tentou proteger o presidente, mas fracassou e não conseguiu esclarecer contradições. “A política externa brasileira foi o braço internacional da tese da imunidade de rebanho, do desinteresse em conseguir vacinas e insumos”, acusa o senador Humberto Costa
Nem parecia o dileto aluno de Olavo Carvalho, o minion que vociferou contra o globalismo, que falou as maiores impropriedades diante da comunidade internacional e que enxerga tramoias comunistas em organismos multilaterais. O bitbull da diplomacia bolsonarista virou um débil e gaguejante depoente. Ernesto Araújo, o ex-poderoso ministro das Relações Exteriores prestou um vergonhoso depoimento diante da CPI da Pandemia, na terça-feira, 18.
Muito nervoso e balbuciando respostas, Araújo foi confrontado por ter atrapalhado a chegada de insumos para vacinas e imunizantes contra a Covid-19, especialmente por seus ataques à China e pela inabilidade diplomática. O ex-ministro se contradisse em diversas ocasiões e também mentiu despudoradamente para tentar escapar da própria responsabilidade pela crise sanitária, negando que tenha causado atritos com a China e ter sido voz contrária à aquisição de vacinas pelo consórcio Covax Facility.
“A política externa brasileira foi o braço internacional da tese da imunidade de rebanho, do desinteresse em conseguir vacinas e insumos, em ajudar que o isolamento social acontecesse”, denunciou o senador Humberto Costa (PT-PE). “Sabotaram o tempo inteiro a relação com a China”, acusou. O senador mencionou o ataque de Eduardo Bolsonaro à China e a tentativa de Araújo de interceder na substituição do embaixador chinês no Brasil. “Pode existir ofensa diplomática maior do que essa?”, questionou.
O ex-chanceler ainda tentou rebater, que foi o embaixador da China quem cometeu ofensa ao “atacar” a família Bolsonaro. O esforço foi patético. “Hoje estamos vivendo essa tragédia, que é sanitária, que é econômica e social, um drama para o nosso país”, concluiu o senador pernambucano. “Senhor relator [Renan Calheiros], Vossa Excelência terá que lembrar muito bem do nome do ex-ministro Ernesto Araújo na hora escrever o relatório desta CPI”, declarou.
O ex-ministro mentiu para tentar encobrir sua atuação desastrosa à frente do Itamaraty, dizendo que “jamais” promoveu atritos com a China. Também afirmou que saiu do ministério por uma “pressão” do Senado. Araújo ainda se negou a comentar os recentes ataques de Bolsonaro à China, nos quais insinuou que o vírus da Covid teria sido criado em laboratório.
“Certamente não a questão de vacinas, como foi falado. O presidente manifestou que havia surgido, a partir de determinados fatos, dificuldades que poderiam dificultar o relacionamento, especificamente com o Senado e diante disso me pediu que colocasse a disposição o cargo, o que eu fiz”, gaguejou o ex-ministro das Relações Exteriores.
Ele também tentou justificar sua atuação para trazer cloroquina ao Brasil, medicamento sem comprovação científica contra a Covid-19. E confirmou articulação do Itamaraty para trazer a droga ao invés de vacinas. “Em função de um pedido do Ministério da Saúde, procuramos viabilizar insumos para hidroxicloroquina. É um remédio para doenças crônicas”, tentou justificar, sem mencionar o estoque de cloroquina encalhada e que Bolsonaro tentou empurrar a estados e municípios.
Araújo foi questionado por Humberto Costa ainda sobre a pressão feita pelos Estados Unidos para que o governo brasileiro não aceitasse ofertas da vacina russa Sputnik V. O relatório do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA foi vazado pela imprensa em março. Ao ouvir resposta negativa, o senador emendou: “Então o Departamento de Saúde norte-americano publicou uma notícia falsa? Ou então, como nesse governo, quem é da área não exerce o seu papel – tem outro para fazer – pode ser que o [ex-chefe da Secom] Wajngarten tenha rejeitado essa vacina da Rússia”.
Araújo também foi perguntado sobre os motivos pelos quais o Brasil aceitou apenas 10% da cobertura de vacinas oferecidas pelo consórcio Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Pela oferta do consórcio, o país poderia ter optado por uma cobertura vacinal de até 50% da população. Ele desconversou, afirmando que à época não havia informações suficientes sobre o consórcio. Depois, disse que a opção pelos 10% foi uma decisão do Ministério da Saúde, anunciada em setembro, quando a pasta era chefiada por Eduardo Pazuello. •
Capitã Cloroquina é o próximo alvo
CPI ouve na terça, 25, a secretária do Ministério da Saúde que defende medicamento ineficaz
A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, é a próxima testemunha a ser ouvida pela CPI da Covid, nesta terça-feira, 25. A convocação dela é considerada peça-chave pela CPI, porque Mayra se notabilizou como defensora do “tratamento precoce” com medicações sem nenhuma comprovação efetiva contra o coronavírus, como a cloroquina.
Os integrantes da CPI querem informações sobre a aquisição e distribuição de comprimidos de cloroquina pelo Ministério da Saúde, inclusive para Manaus e para o estado do Amazonas, que tiveram colapso no sistema de saúde em janeiro, culminando com a falta de oxigênio nos hospitais.
Médica, a secretária ganhou o apelido de Capitã Cloroquina pela defesa enfática do medicamento. Ela terá que dar explicações sobre a plataforma desenvolvida pelo Ministério da Saúde, o TrateCov, que recomendava o uso de cloroquina no combate à Covid-19. Em depoimento à CPI, Eduardo Pazuello afirmou que a ideia partiu de Pinheiro.
A exemplo de Pazuello, a secretária chegou a pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) um habeas corpus preventivo para não ser obrigada a responder as perguntas dos senadores, de modo a não produzir eventuais provas contra si. Mas o pedido foi negado.