A quarta semana de trabalhos da CPI da Covid foi encerrada na quinta-feira, 20, depois de os integrantes da comissão de investigação ouvirem por mais de 25 horas dois ex-colaboradores de Jair Bolsonaro, que se esmeraram para livrar a cara do presidente Jair Bolsonaro de qualquer responsabilidade pela condução da pandemia, que já matou quase 450 mil brasileiros.

Os ex-ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Eduardo Pazuello (Saúde) tentaram eximir o Planalto em seus depoimentos pela má condução da crise sanitária, mas só reforçaram a convicção de que o principal responsável pela tragédia humanitária que o país vive é o presidente. As contradições do diplomata e do general desmontaram o esforço de blindagem dos governistas na CPI.

Na ânsia de proteger o presidente, os ex-ministros não conseguiram explicar o que fez Bolsonaro para evitar mortes, proibir a compra da Coronavac e insistir tanto na adoção de medicamentos ineficazes, como a cloroquina e a ivermectina. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), chegou a apresentar na quinta uma lista de 15 mentiras de Pazuello.

Renan disse que Pazuello cometeu crime ao insistir em falso testemunho e embaraçar os trabalhos da CPI. “Ficou evidente que a missão do depoente nesta CPI não foi esclarecer a população ou colaborar para encontrarmos a verdade, mas, sim, eximir o presidente da República de qualquer responsabilidade pela condução temerária pelo governo federal das ações de combate à pandemia”, apontou Renan, em relatório preliminar.

“Embora tenha sido claramente treinado para esse objetivo, seu depoimento não se sustenta, e qualquer pessoa que tenha acompanhado suas declarações ao longo da pandemia e ouviu o que disse a esta comissão chega à mesma conclusão: o depoente estava, sem nenhum pudor, mentindo para proteger outros culpados”, acusa Calheiros.

Para o senador Humberto Costa (PT-PE), que é titular da CPI, as duas audiências de Pazuello foram esclarecedoras, e embora ele tenha tentado poupar o presidente, não conseguiu esconder a verdade, inclusive quanto à omissão do Planalto diante da crise em Manaus, quando faltou oxigênio e boa parte da população morreu asfixiada. “Pazuello confirmou que Bolsonaro estava na reunião ministerial que decidiu não agir no estado do Amazonas. Eu volto a perguntar a esse governo: qual o valor de uma vida humana?”, criticou o petista.

Pazuello mentiu nos dois dias de depoimento – quarta, 19, e quinta, 20 – em sua tentativa de tirar dos ombros de Bolsonaro a responsabilidade pela demora do governo na aquisição de vacinas, a recomendação de cloroquina para tratamento de Covid-19, a falta de oxigênio em Manaus e a utilização da ferramenta TrateCov, um protótipo que teria como objetivo “facilitar o diagnóstico da doença”. O TrateCov seguia a linha do tratamento precoce defendido pelo governo, indicando medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento de pacientes com Covid-19.

“Nós estamos aqui discutindo 441.864 mortes. Se temos esse número de mortes, é porque tivemos milhões de brasileiros que se infectaram”, criticou o senador Rogério Carvalho (PT-SE). “E quando fazemos a avaliação de uma pandemia, a gente precisa saber que medidas preventivas para evitar a expansão da pandemia não foram adotadas. Estamos diante de uma investigação de um crime contra a saúde pública e um crime contra a vida”.

O líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), disse que o depoimento do ex-ministro da Saúde mostrou o poder “devastador” das orientações equivocadas de Bolsonaro, ao longo da pandemia, como o estímulo ao uso de medicação sem comprovação científica e o chamado tratamento precoce.

“Eu exibi aqui uma prova de como é importante nós termos um governo confiável. Uma demonstração do efeito devastador que tem do alto risco de uma recomendação superior, sistematização superior de uma prática sem comprovação e que dá a falsa sensação de segurança, de blindagem contra o vírus. E isso, certamente, levou muita gente a descuidar, a relaxar nos cuidados e no isolamento [social]”, criticou Jean Paul, após exibir trechos de vídeos onde o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, fez a defesa pública do app TrateCov, na cidade de Manaus.

Rogério solicitou o envio das oitivas de Pazuello ao Ministério Público, a exemplo do que foi feito com o depoimento do ex-secretário especial de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten. Após as críticas, Pazuello voltou atrás e informou os que pediu a retirada do TrateCov do ar após o sistema ter sido hackeado. “O hacker é tão bom que ele conseguiu botar uma matéria na TV Brasil”, rebateu o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).

Pazuello também negou que o presidente tenha mandado cancelar a compra de vacinas da China. Sobre a célebre frase “um manda, outro obedece”, dita por Pazuello ao lado de Bolsonaro em outubro passado, o ex-ministro disse que se tratava apenas de uma “posição de internet” e que a posição do presidente não interferiu em contratos de compras de vacinas. O fato é que Bolsonaro desautorizou, em outubro do ano passado, o então ministro Pazuello e determinou a suspensão da compra de 46 milhões de doses da vacina Coronavac.

Sobre as ofertas de vacinas da Pfizer, Pazuello havia afirmado que respondera a todas as ofertas de vacinas da farmacêutica, mas que as negociações não avançaram no segundo semestre de 2020 pela imposição de “cláusulas assustadoras” no contrato. Ele contradisse o CEO da Pfizer, Carlos Murillo, e o ex-chefe da Secom, Fábio Wajngarten, que afirmaram que as ofertas foram ignoradas pelo Ministério da Saúde. O senador Jean Paul Prates não descartou a necessidade de acareações em função dos desencontros de informações nos depoimentos feitos na CPI da Covid.