Com 99% das urnas apuradas, as eleições chilenas, realizadas no último final de semana, apontam que os partidos progressistas e os candidatos independentes serão maioria na Assembleia Constituinte. A direita, os governistas e o presidente Sebastián Piñera foram os grandes derrotados do pleito.

Os candidatos independentes conseguiram 47 cadeiras, a lista Apruebo Dignidad de esquerda, 28; e a centro-esquerda, reunida na Lista del Apruebo, 25 assentos. Já a direita governista, agrupada na lista Vamos por Chile, conseguiu 37 vagas na Assembleia Constituinte do Chile.

Duas listas chamam a atenção entre os candidatos independentes: Lista Nueva Constitución, com 11 cadeiras, e a Lista del Pueblo, com 22. Ambas nasceram de coletivos e movimentos ligados aos protestos de 2019 e têm tendências anti-neoliberais e progressistas.

Se de um lado os conservadores não conseguiram atingir o mínimo de 1/3 das cadeiras, número necessário para ter direito a veto na Assembleia Constituinte, que será composta por 155 parlamentares. Do outro, o desafio da esquerda e dos progressistas é evitar o risco da fragmentação, já que a aprovação de qualquer emenda depende de 2/3 dos votos.

O próprio presidente do Chile reconheceu o recado das urnas e o fracasso da política neoliberal de seu governo. “Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizando adequadamente com as demandas e os desejos dos cidadãos e estamos sendo desafiados por novas expressões e por novas lideranças”, declarou Piñera, durante a reta final da contagem dos votos.

Essa é a primeira eleição chilena que adotou a cláusula de paridade de gênero e a inclusão de 17 cadeiras reservadas para representantes dos povos indígenas. Até o fechamento desta matéria, são 83 mulheres e 73 homens na composição da assembleia.

Doutor em Ciência Política, Franck Gaudichaud publicou artigo em que classifica o resultado das eleições chilenas como um terremoto político. Para ele, o resultado das urnas enterra o neoliberalismo no Chile com a falência da direita e dos partidos da ordem, que dominaram o cenário político de 1990 a 2010, e o avanço da esquerda radical e dos independentes que devem moldar a nova Constituição.

“Ninguém, muito menos os pesquisadores, havia previsto tamanha agitação, embora o isolamento do governo fosse evidente e a rejeição da “casta” política maciça durante anos”, diz Gaudichaud. “Assim, se a direita perder o direito de veto que almejava ter, as alianças entre representantes da esquerda social e política poderiam conquistar dois terços da assembleia e finalmente começar a desconstruir o neoliberalismo chileno”, avalia.

A partir do resultado das eleições, constituintes terão até um ano, a partir de junho, para redigir a nova Carta Magna que ainda terá que ser submetida à consulta popular para aprovação.

Essas eleições também marcam a primeira vez que os chilenos puderam eleger governadores regionais. Até então, as províncias eram governadas por intendentes designados pela Presidência. Para ser eleito, um governador regional precisa atingir 40% dos votos no primeiro turno ou o pleito avança para a segunda ronda.

Das 15 regiões, apenas três elegeram governadores no primeiro turno. O candidato independente Rodrigo Mundaca venceu em Valparaíso, o também independente Jorge Flies se elegeu em Magallanes e o socialista Andrea Macías ganhou em Aysén.

Nas eleições municipais, se destacam as eleições de Iraci Hassler e Daniel Jadue, ambos do Partido Comunista do Chile. Hassler irá suceder o conservador Felipe Alessandri, em Santiago. Já Jadue foi reeleito em Recoleta recebendo mais votos do que havia somado nos últimos dois pleitos que havia vencido, desde 2012.

A eleições chilenas são resulta de fortes mobilizações populares, que estouraram em outubro de 2019. O estopim foi um movimento de estudantes do ensino médio que se manifestaram contra aumentos de preços do metrô de Santiago, repreendido com força desproporcional pela polícia chilena, os carabineros.

Na ocasião, milhares de chilenos tomaram as ruas do país contra a política neoliberal de Piñera e contra a Constituição do país, que data da ditadura Pinochet. Em novembro daquele ano, foi anunciado um acordo para convocar um plebiscito para decidir sobre a mudança da Constituição do Chile. Apesar da iniciativa, os protestos continuaram até março de 2020, quando foram interrompidos em razão da pandemia de Covid-19.

O plebiscito foi realizado em outubro do ano passado, quando 80% dos chilenos votaram pela mudança do texto constitucional. Os 20% que votaram pela manutenção da antiga constituição do Chile se concentraram prioritariamente nas três comunas mais ricas do país.

Quase 50 anos depois do golpe contra Salvador Allende, deflagrado em 11 de setembro de 1973, o povo chileno derrota de vez o ditador Augusto Pinochet com uma nova constituição, que tem a expectativa de trazer maior justiça social para o país.