Fraude e censura no Ministério da Educação
As últimas duas semanas foram marcadas por dois graves acontecimentos governo Bolsonaro. São episódios graves ocorridos no Ministério da Educação, ambos no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O primeiro foi a censura de um estudo que mostra os efeitos positivos do programa de alfabetização implantado nos governos do PT. O segundo envolve atuação direta do ministro da Educação, Milton Ribeiro, em favor de um centro universitário presbiteriano denunciado por fraude no Enade 2019.
No caso de censura, o pesquisador e servidor do órgão Inep Alexandre André afirma que o estudo “Avaliação Econômica do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa” não foi publicado pelo instituto, mesmo depois de ter cumprido todo o rito burocrático. O servidor acusa o Inep de ter criado barreiras para publicar o texto elaborado por ele e pelo pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Renan Pieri.
Após todo a tramitação interna, como aprovação da área técnica e submissão do texto a um avaliador externo, o estudo poderia ter sido publicado desde 30 de abril, mas a gestão bolsonarista do Inep segue barrando a publicação. Com base em cruzamento de dados e análises estatísticas, o artigo concluiu que o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), criado na gestão do então ministro Aloizio Mercadante, garantiu melhorias em indicadores de aprendizagem e de aprovação. O material também aponta evidências de efeito positivo do investimento do programa.
Em entrevista ao G1, o pesquisador do FGV explicou que o estudo faz uma estimativa de quanto seria o aumento salarial de um aluno ao longo da vida se ele tiver uma melhor alfabetização. “É feita uma análise do quanto os alunos aprenderam mais, quanto ficaram melhor alfabetizados por conta do Pnaic. A gente tentou criar uma medida financeira, uma monetização deste aprendizado a mais em termos de salário futuro”, explica Pieri.
A censura gerou forte reação. “É inacreditável que depois de toda a luta da sociedade brasileira pela liberdade e passado o processo de redemocratização, o país volte a conviver com o fantasma da censura”, criticou Mercadante. O ex-ministro pede que o estudo venha a público. “Não se trata apenas de garantir que tenhamos acesso aos indicadores produzidos pela pesquisa, que serão importantes para subsidiar intervenções de gestores em políticas públicas educacionais, mas também de assegurar o próprio exercício da democracia”, defendeu.
Mercadante lamentou ainda a descontinuidade do PNAIC nas gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro. “O abandono dessa prioridade pelo atual governo condena milhões de crianças e jovens a uma cidadania precária”, afirma. “Qualquer programa de reconstrução nacional passa por garantir os direitos educacionais das crianças e jovens, sobretudo daquelas que se encontram no momento de sua alfabetização, pedra angular de todo sistema educativo”.
Ex-coordenadores do programa também soltaram nota pública de repúdio à censura contra o estudo e solicitaram a sua publicação. Segundo a nota, a Lei de Acesso à Informação assegura o direito fundamental de acesso às informações produzidas ou armazenadas por órgão ou entidades da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios.
Além disso, a nota reafirma a importância do programa. “No PNAIC havia uma concepção ampliada de alfabetização, considerando-se que estar alfabetizado significa ser capaz de interagir por meio de textos escritos em diferentes situações, para atender a diferentes propósitos. Os princípios fundamentais da alfabetização adotados eram a interdisciplinaridade, a abordagem lúdica dos conhecimentos e o respeito à heterogeneidade das comunidades atendidas nas escolas públicas do país”, diz o texto.
A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa e Educação e a Associação Brasileira de Alfabetização encaminharam ofício ao presidente do Inep solicitando a divulgação do artigo. “O resultado dessa investigação precisa ser divulgado amplamente para que sejam analisados os equívocos, os acertos, os limites e as possibilidades dessa política de priorização da alfabetização, de forma a contribuir para fomentar novas políticas públicas em âmbito federal, estadual e municipal”, apontam as associações.
O outro escândalo no MEC envolve diretamente o ministro Milton Ribeiro. Ele é suspeito de favorecer uma instituição presbiteriana denunciada por fraude no Enade 2019. A revelação é da Folha de S. Paulo. Segundo a reportagem, a fraude teria ocorrido no curso de biomedicina da Unifil, de Londrina (PR), a partir do vazamento da avaliação do ensino superior. A matéria aponta que investigação do Inep concluiu haver fortes indícios, sobretudo estatísticos, de fraude após a coordenadora da graduação ter tido acesso à prova e às respostas com antecedência.
“O ministro Ribeiro tratou do caso pessoalmente. Ele recebeu os controladores da instituição e viajou a Londrina no meio do processo, além de ter determinado que seu próprio secretário acompanhasse uma visita de supervisão”, diz a reportagem. “Ao longo da apuração, o ministro protelou o envio do caso à Polícia Federal, segundo pessoas próximas ao caso. A área técnica e a Procuradoria do Inep haviam concluído pela necessidade da investigação criminal desde meados de 2020”, diz a Folha.
De acordo com a matéria, o ministro teria ameaço de demissão o então presidente do Inep, caso a investigação fosse levada à PF. A Folha diz ter confirmado a atuação irregular de Ribeiro, que também é ligado à igreja presbiteriana, com três pessoas do alto escalão envolvidas com o tema. Afirma ainda teve acesso e analisou mais de 60 documentos sigilosos do processo, entre pareceres, despachos e e-mails e que conversou com 17 pessoas, entre integrantes e ex-integrantes do MEC, avaliadores e membros de órgãos de controle.
A Folha ainda revelou que o Inep chegou a preparar, em julho do ano passado, uma minuta de ofício para encaminhar à Polícia Federal o caso de irregularidades no Enade 2019, mas o documento nunca saiu do órgão. Em nota ao jornal, o Ministério da Educação afirmou que um ofício do Inep teria sido enviado à Polícia Federal no dia 8 de julho, mas a própria PF afirmou que não consta de seus registros o recebimento do documento.