O presidente Jair Bolsonaro passou os últimos dois anos repetindo em alto e bom som que não havia um único caso de corrupção no governo. Agora, tem um escândalo para chamar de seu. No último domingo, 9, o jornal O Estado de S.Paulo revelou um esquema, montado no Palácio do Planalto, para a compra do apoio de parlamentares no Congresso Nacional. A denúncia envolve o uso de um orçamento secreto no valor R$ 3 bilhões para contemplar ações de parlamentares bolsonaristas e do Centrão em troca de apoio político ao governo.

O deputado Rogério Correia (PT-MG) apresentou requerimento, no dia seguinte para que o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, seja convocado a esclarecer a denúncia. “Este arranjo espúrio, além de ferir gravemente as normas constitucionais que define as emendas parlamentares impositivas, dificulta a fiscalização e controle por parte do TCU e da sociedade, configurando grave interferência na independência e equilíbrio entre os Poderes da República, além da ineficiência alocativa dos recursos públicos”, critica o petista.

A denúncia se agrava porque o jornal levanta indícios de que, dos R$ 3 bilhões do orçamento secreto, pelo menos R$ 271 milhões foram utilizados para a compra de tratores, retroescavadeiras e equipamentos agrícolas por valores até 259% acima dos fixados pelo próprio governo. A comprovação do esquema aparece em 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério de Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados, com as indicações de como seriam aplicados tais recursos.

“A ‘nova política’ de Bolsonaro é distribuir R$ 3 bilhões para aliados por debaixo dos panos, num esquema que envolve um orçamento secreto para fins suspeitos, como tratores superfaturados e repasses de verba para outros estados, longe das bases dos parlamentares”, criticou o senador Humberto Costa (PT-PE). O deputado José Guimarães (PT-CE) também foi outro a criticar o esquema, apelidado de “tratoraço” pela mídia. “O governo Bolsonaro topa tudo para evitar o impeachment. Queria ver esse empenho para comprar vacina e pagar auxílio emergencial digno”, atacou.

O esquema foi organizado a partir de uma taxa de fidelidade nas votações do Congresso. De acordo com o jornal O Globo, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), participou das negociações para a liberação de recursos a aliados. Presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI) também teve direito a indicar recursos. Somente na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal controlada pelo Centrão, foram destinados R$ 30 milhões para a base do senador.

Segundo o jornal, enquanto contemplava aliados na Câmara e no Senado com emendas, o governo mantinha um monitoramento da fidelidade dos parlamentares a seus projetos. Fichas mostram como a Secretaria de Governo, na gestão do então General Luiz Eduardo Ramos, fazia o acompanhamento da atuação de aliados no Congresso, com pontuação para posicionamento a favor e contra o Planalto nos principais temas. A fidelidade foi um dos critérios para congressistas conseguirem melhor trânsito no governo, com possibilidade de liberação de emendas e indicação para cargos.

Dentre os casos de atropelo orçamentário do esquema de corrupção destaca-se a determinação do uso de R$ 277 milhões de verbas públicas do Ministério de Desenvolvimento Regional pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Desse total, R$ 81 milhões foram destinados à Codevasf, estatal controlada pelo próprio Alcolumbre e outros integrantes do Centrão.

Com o aval do Palácio do Planalto, o deputado Lucio Mosquinho (MDB-RO) destinou R$ 8 milhões para pagar R$ 359 mil por um trator, que não sairia por mais de R$ 100 mil. Também os deputados do Solidariedade Otaci Nascimento (RR) e Bosco Saraiva (AM) avalizaram juntos a compra de máquinas agrícolas no valor de R$ 4 milhões. Segundo a tabela do governo, esse maquinário deveria ser comprado por R$ 2,8 milhões.

O esquema de Bolsonaro já está sendo comparado ao escândalo dos “Anões do Orçamento”, que no início dos anos 1990 culminou na instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e resultou na cassação de seis deputados. Outros quatro parlamentares renunciaram ao mandato antes da conclusão das investigações.

A CPI dos Anões investigou um esquema de uso de emendas parlamentares para engordar as contas bancárias de congressistas. As ações eram incluídas nas despesas do governo durante a votação do Orçamento e, depois, os parlamentares usavam sua influência para direcionar as concorrências e favorecer empreiteiras, que brindavam seus “patrocinadores” com uma parte do valor.

O esquema que beneficia o governo Bolsonaro já está na mira do Tribunal de Contas da União (TCU). O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado solicitou ao órgão que apure a reserva de R$ 3 bilhões do Orçamento de 2020 para deputados e senadores indicarem a destinação recursos para obras e compras de equipamentos em municípios.