Uma operação policial, realizada na quinta-feira, 6, na comunidade do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, resultou na morte de 25 pessoas, entre elas um policial civil, baleado na cabeça.  De acordo com a ONG Instituto Fogo Cruzado, 29 pessoas, entre elas três policiais civis e dois civis foram baleadas ao longo de sete horas de ação policial, considerada a mais letal da história do estado fluminense. A história ganhou as manchetes no planeta e levanta dúvidas sobre a política nacional de segurança pública.

A operação no Jacarezinho desrespeita uma decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada em junho do ano passado, que proibiu esse tipo de atuação policial durante a pandemia. A exceção é para hipóteses extraordinárias, que devem ser justificadas junto ao Ministério Público do Rio. O problema é que os procuradores afirmam ter recebido a notificação da ação apenas depois dela ter sido iniciada. As cenas de sangue nas calçada, tiros nas paredes e os corpos jogados em sacos confirma: a polícia brasileira é a mais violenta do planeta.

Em razão da chacina, o escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas cobrou uma investigação independente da ação policial. Em entrevista coletiva em Genebra, o porta-voz de Direitos Humanos da ONU, Rubert Colville, disse que há um histórico de uso desproporcional e desnecessário da força pela polícia. “É particularmente preocupante que a operação tenha ocorrido apesar de uma decisão do Supremo Tribunal Federal de 2020 restringindo as operações policiais em favelas durante a pandemia de Covid-19”, afirmou.

O PT divulgou nota em que repudia a “operação de guerra” no Rio de Janeiro, classificada pelo partido como ilegal. “É urgente interromper a política de extermínio que, em nome de combater o crime, resulta em recordes de mortes nas periferias do país. A verdadeira segurança do povo exige ação responsável das autoridades e um Estado presente na vida das pessoas, com geração de emprego, renda e oportunidades”, defende a nota, assinada pela direção nacional da legenda.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se pronunciou e classificou como grave a operação policial resultar na morte de 25 pessoas. “Isso não é segurança pública. É a ausência do Estado oferecendo educação e emprego a causa de boa parte da violência. Os brasileiros estão morrendo sem vacina, de fome e pela violência. Vidas brasileiras importam”, afirmou.

Além de repudiar o massacre no Jacarezinho, o Setorial Nacional de Segurança Pública do PT defendeu que a operação irresponsável jamais deveria ser chamada de “ação policial”, mas de “carnificina”. “A Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, ao arrepio da decisão do STF, justamente após a visita de Jair Bolsonaro ao estado, autorizou a investida na comunidade do Jacarezinho”, aponta nota. “Envolta em uma verdadeira operação de guerra, com tiros, voos de helicópteros, desespero e terror, a comunidade conta seus mortos: 25 no total”.

O texto é duro e responsabiliza Bolsonaro: “O governo da política genocida dos 400 mil mortos volta suas garras para o genocídio armado, é isso mesmo que vai acontecer? O governo do Rio de Janeiro passa por cima da decisão da maior corte dos pais, corte esta que para defender a vida, tanto de policiais como de cidadãos das comunidades, proibiu a incursão policial em morros durante a maior pandemia do nosso século”. E conclui: “E o que acontece um dia após a visita do mandatário da Nação ao estado do Rio de Janeiro? Ocorre a ação que tem o maior número de vítimas da história da política carioca”.

O Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (UFF) também publicou nota. “Protestamos também contra todas as operações policiais que somente no primeiro trimestre deste ano redundaram em 453 mortes, projetando para o ano de 2021 – o Ano 2 da Pandemia da Covid-19 – um quadro de ainda mais homicídios do que os verificados nos anos anteriores, em decorrência da ação policial”, aponta.

Os filhos de Bolsonaro se solidarizam com o único policial morto durante a operação, mas não disseram uma palavra sobre as 24 vítimas fatais da polícia. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, lamentou as mortes. Em nota, disse que “a ação foi pautada e orientada por um longo e detalhado trabalho de inteligência e investigação, que demorou dez meses para ser concluído”.

Em análise publicada em vários portais, a jornalista Laura Capriglione defendeu que a chacina de Jacarezinho beneficia a milícia amiga de Bolsonaro. Ela sustenta que o pretexto da polícia para deflagrar a operação – proteger criancinhas do aliciamento de traficantes da facção criminosa Comando Vermelho, que domina o território – é uma vergonha.

A jornalista relembra: “Há extensos territórios controlados pelos milicianos amigos do fascista Bolsonaro. Mas, obviamente, nas áreas controladas pelos amigos de Bolsonaro, não acontecem chacinas como as que vitimam as comunidades controladas pelos grupos rivais dos milicianos”.

No Twitter, o jornalista Reinaldo Azevedo apresentou um mapa da violência no Rio de Janeiro e provocou: “Delegado que comandou operação que resultou em massacre desafia STF. Disse que tráfico se expande. Não. Seu domínio diminui. Hoje, milícias comandam 57% do Rio, onde vivem 30% da população. Alguém já viu ação violenta contra as milícias?”