Para comentar os recentes acontecimentos na Colômbia, a Focus Brasil entrevistou o ex-presidente Ernesto Samper. Ele diz que governo precisa conversar

 

Focus Brasil – A que o senhor atribui o aumento da violência policial contra manifestantes na Colômbia?

Ernesto Samper – Em primeiro lugar, há uma irritação que se vinha produzindo na Colômbia, como no resto dos países do mundo, em razão das medidas de isolamento, em consequência da pandemia e o efeito que esse isolamento tem produzido nas circunstâncias de vida de muitos colombianos, que tiveram seus salários sacrificados, desempregados, pessoas que tiveram que reduzir suas alimentações diárias de três para duas e até uma alimentação por dia.

Enfim, há uma situação de desestabilização social que está de alguma maneira se refletindo na exasperação e, claro, as medidas policiais de alguma maneira estão dirigidas ao controle da população com o interesse político de alguns partidos que apoiam o governo do presidente Ivan Duque, concretamente o Centro Democrático, que é dirigido por Gustavo Uribe. Ele tem o interesse de criar um cenário de guerra na Colômbia para que, a partir daí, justifique um pedido de linha dura nas próximas eleições e se possa manter o projeto de direita que está governando.

Creio que esses são alguns fatores que de alguma maneira estão no entorno e que explicam não só a agressividade da resposta policial, mas também a presença, novidade na Colômbia, de grupos de vandalismo, que temos a impressão que estão sendo financiados por setores da direita para produzir uma desestabilização que possa servir a seus  propósitos políticos.

 

Focus Brasil – E qual seria a melhor forma de pacificar essa situação?

Ernesto Samper – A melhor forma, além de ser retirada a reforma tributária que foi apresentada pelo governo e que de alguma forma transferia para a classe média o financiamento dos custos sociais da pandemia, a via mais pacífica e mais democrática é abrir o diálogo social. Evidentemente, teria que ser com setores que atualmente estão se mobilizando, entre os quais estão estudantes, trabalhadores, camponeses, indígenas.

O governo tem que pegar o touro pelos chifres da negociação e sentar-se não só para assegurar o cumprimento das reivindicações que estão nas mobilizações. Mas também o cumprimento de velhos acordos que estavam sendo adiados, como consequência da pandemia. E o próprio desinteresse do governo em certos aspectos, como por exemplo, o cumprimento dos Acordos de Havana, que neste momento, estão atingindo as vítimas. Elas não estão sendo reparadas. Os camponeses não estão sendo substituídos de maneira voluntária no cultivo da coca, mas por meio de procedimentos militares. É um grande espectro de acordos que devem ser incorporados em um diálogo social que seja rápido, útil e construtivo.

 

Focus Brasil – Quais as perspectivas de superação da crise?

Ernesto Samper – Creio que o primeiro é criar um mecanismo de apuração das responsabilidades institucionais ou dos próprios manifestantes, pelas mais de 30 mortes que se produziram esta semana, igualmente os desaparecidos, as pessoas feridas, as vítimas. Os familiares dessas pessoas têm o direto de saber em que circunstâncias foram sacrificados seus familiares, onde estão os desaparecidos e quem foram os responsáveis institucionais ou civis dessas lamentáveis circunstâncias.

Em segundo lugar, uma vez retirada a reforma tributária, o que se abre é um canal de possibilidades para começar um diálogo nacional, um diálogo social, no qual devem estar incorporados, necessariamente e em primeiro lugar, os partidos de oposição e os movimentos sociais que promoveram essas mobilizações massivas, pacificas e democráticas. É preciso reconhecer sua legitimidade e a forma como os colombianos se manifestaram, apesar de todos esses atos de violência que, ao meu juízo, repito, poderiam obedecer mais a um chamado da direita do que a uma decisão dos inspiradores, promotores dessas mobilizações.

Nesta análise, por meio desses canais que se abrem, é necessário estabelecer pelo menos dois pontos nesta agenda. O primeiro ponto tem a ver necessariamente com o tema do pacote social que será financiado, apesar dos esforços que o governo tem feito para criar condições de subsídio e de apoio às pessoas fragilizadas pela pandemia, as cifras recentes são realmente desalentadoras. Os níveis de pobreza subiram de 36% a 42%, apenas em um ano, o nível de desemprego já tem mais de 21, 22%, creio que a Colômbia é a região mais afetada em termos de igualdade por efeito da pandemia e a isso se soma o não cumprimento Acordos de Havana e a a polarização ideológica.

Então, me parece que a primeira coisa que se tem que fazer, é acordar um pacote básico em matéria social que teria que incluir itens como a renda básica, os subsídios ao desemprego, a proteção das pensões, o apoio alimentar, a manutenção da educação pública e o fortalecimento dos sistemas sanitários.

Em terceiro lugar, estudar as fontes de financiamento, que não necessariamente tem que ser tributárias e regressivas, se há impostos para os setores mais abastados, que inclusive se beneficiaram da pandemia. Em segundo lugar, teria que buscar soluções alternativas, como as que temos proposto no Grupo de Puebla, por exemplo, o refinanciamento multilateral da dívida externa, a possibilidade de emissões de bancos ao longo prazo para o financiar o governo e programas de cooperação internacional. Temos que fazer esforços para reativar a economia, recuperar o tecido social que podem chegar a custar entre 10% e 12% do PIB e isso não se consegue se não por medidas distintas, medidas audaciosas que de alguma maneira não comprometam a estabilidade econômica do país e permitam recuperar o tempo perdido, especialmente em termos sociais.