Crise, fechamento de empresas e fuga de cérebros
por Uallace Moreira *
Os impactos da crise econômica que se arrasta na economia brasileira desde 2015, intensificando-se com a crise da Covid-19 a partir de 2020, tem aprofundado um processo de fechamento de empresas no Brasil em diversos setores.
De acordo com um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), desde a recessão iniciada em 2014, o Brasil vem vivenciando uma experiência de forte queda do número de indústrias no território nacional. Só em 2020, 5,5 mil fábricas encerraram suas atividades. Ao todo, entre 2015 e 2020, foram extintas 36,6 mil. Isso equivale a quase 17 estabelecimentos industriais exterminados por dia.
É importante lembrar que de acordo com o estudo da CNC, considerando a série histórica iniciada em 2002, até 2014 o número de fábricas crescia, mesmo com a indústria de transformação perdendo relevância na economia diante do avanço dos outros setores. Entretanto, desde o início da crise em 2015, o país tinha 384,7 mil estabelecimentos industriais. Mas, no fim de 2020, a estimativa era de que o número tinha caído para 348,1 mil, o que representa uma queda de -9,5%.
Essa forte crise com fechamento de vários estabelecimentos industriais ganhou maior proporção e visibilidade com o fechamento e/ou encerramento de suas atividades de grandes empresas multinacionais no país, de vários setores da atividade econômica. Entre 2018 e 2020, mais de 14 multinacionais deixaram o país pela falta de crescimento econômico e a falta de perspectiva de retomada. Em média, desde 2018, uma estrangeira desistiu do país num intervalo de menos de três meses. As principais multinacionais que fecharam e encerram suas atividades no Brasil foram:
- a) Automobilístico: Ford, Mercedez Benz e Audi.
- b) Eletroeletrônico: Sony e Nikon.
- c) Farmacêutico: Roche e Eli Lilly.
- d) Aviação e Cimento: Virgin Atlantic e LafargeHolcim.
- e) Varejo, Vestúario, Calçados, Comésticos, Cervejaria e Livraria: Walmart, Forever 21, Nike, Lush Cosméticos, Brasil Kirin.
Em alguns casos, houve maior comoção nacional, dado a representatividade e relevância de algumas empresas. Por exemplo, depois de 48 anos a Sony anunciou o fechamento da indústria na Zona Franca de Manaus, com o fim de 300 empregos diretos.
Talvez o fechamento que mais chamou a atenção da imprensa no Brasil foi o fechamento da Ford. Estudos já apontam para um impacto relevante no PIB da Bahia com o fechamento da empresa calcula perda de 1,3% no PIB estadual ou até de 2%. Quando analisado o efeito da cadeia produtiva, os efeitos são substanciais.
Estudo do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) “mostra que os maiores fornecedores da Ford, chamados “tier 1”, que abastecem diretamente a montadora, somam 30 empresas com 32 fábricas ou centros logísticos em Camaçari. Desse total, 18 ficam dentro do condomínio da Ford. Por produzirem vários sistemas do veículo, são denominadas “sistemistas”. Outras 12 têm fábricas em outros pontos da cidade. Quase todas são subsidiárias de grupos globais, como as alemãs Bosch (velas de ignição) e Benteler (trem de força e a suspensão), a italiana Pirelli (pneus), a portuguesa Sodecia (peças de carroceria) e a francesa Faurecia (escapamentos e peças plásticas)”.
Ainda de acordo com o estudo do Sindipeças, “essas fabricantes empregavam mais de 3 mil trabalhadores diretos em Camaçari. O número não é distante dos 4,05 mil empregados diretos da fábrica da Ford. Somados, os contingentes indicam as cerca de 7,5 mil pessoas que devem perder seus empregos na cidade.”
Estudo do DIEESE mostra que o fechamento da Ford impacta em 5.000 demissões diretas, que significam uma perda potencial de mais de 118.864 mil postos de trabalho, somando diretos, indiretos e induzidos. Essas demissões podem resultar em perda potencial de massa salarial da ordem de R$ 2,5 bilhões por ano, considerando-se os empregos diretos e indiretos. Além disso, haverá queda de arrecadação de tributos e contribuições em torno de R$ 3 bilhões por ano. Cada R$ 1 gasto na indústria automobilística acrescenta R$ 1,40 no Valor Adicionado da economia.
Além do fechamento das grandes empresas, o Brasil também convive com um elevado número de fechamento de estabelecimentos comerciais. Estudo divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) aponta que 75 mil estabelecimentos comerciais com vínculos empregatícios fecharam as portas no Brasil em 2020. As micro e pequenas empresas responderam por 98,8% dos pontos comerciais fechados. Além do mais, todas as unidades da federação registraram saldos negativos, com alguns estados sofrendo mais os impactos da crise, como São Paulo (20,30 mil lojas), Minas Gerais (9,55 mil) e Rio de Janeiro (6,04 mil).
O fechamento de grandes empresas nacionais e multinacionais, associado ao fechamento de estabelecimentos comerciais, com um cenário sem perspectiva de retomada do crescimento econômico, tem provocado uma forte fuga de profissionais altamente qualificados do país, o que se convencionou chamar de “fuga de cérebros”. Não temos estudos com bases consolidadas que mostrem o real problema com a “fuga de cérebros do país, mas há alguns números de outras fontes, entretanto, que podem apontar para alguns indicadores que deixam evidência a gravidade desta situação. De acordo com a Receita Federal, embora não discrimine por profissão ou ocupação a saída definitiva de brasileiros para a o exterior, o número de brasileiros que deixou o país para o exterior passou 8.170 em 2011 para 23.271 em 2018, ou crescimento de 184%. Em 2019, até novembro, 22.549 pessoas fizeram declaração de saída definitiva do país. O crescimento foi mais acentuado a partir de 2015, quando o número foi de 14.981. Em 2016, pulou para 21.103, crescendo para 23.039 em 2017.
Entre os profissionais que estão saindo do Brasil, muitos são cientistas em busca de oportunidades em outros países que prezam pela sua capacidade industrial e de inovação. A perda de profissionais altamente qualificados representa um grave problema para se pensar em inovação no Brasil, pois esses profissionais são considerados recursos humanos que demandam longo tempo de formação, com elevada capacidade de realizar pesquisa e desenvolvimento, elemento essencial para a inovação tecnológica de produto e processo no país. Com a migração dessa mão de obra qualificada, o Brasil perde capacidade interna de recursos humanos construída, enfraquecendo assim também sua capacidade interna de absorver conhecimento, item essencial para o processo de transferência tecnologia e inovação.
Essa crise deixa claro que, do ponto de vista da estrutura produtiva, o baixo dinamismo da economia brasileira durante o governo Bolsonaro, afetando a dinâmica do mercado interno, tem sido uma das principais variáveis responsáveis pelo fechamento de grandes empresas em setores estratégicos, acelerando mais ainda o processo precoce de desindustrialização no Brasil. A participação da indústria de transformação no PIB caiu de 12,3% em 2018 para 11,3% em 2020. Em estudo recente publicado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) confirma a vertiginosa decadência. A análise de 30 economias – que representam 90% da indústria de transformação no mundo –, em um período de 48 anos (1970-2017), aponta o Brasil como o país que mais se desindustrializou no globo. •
* Professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA)