A pandemia da Covid mostrou que os mercados não têm capacidade para enfrentar os desafios do século 21. Cabe aos governantes e ao Estado assegurar as condições de vida para os povos do mundo

 

No começo dos anos 80 uma dupla de políticos conservadores conseguiu impor uma contra-revolução econômica, reacendendo as chamas da desigualdade como motor dos tempos bicudos que o mundo reviveria por longas quatro décadas. A primeira-ministra Margaret Thatcher, à frente do governo britânico, e o presidente Ronald Reagan, deram início ao desmonte do Estado de Bem-Estar Social construído no pós-guerra, dando combate sem trégua aos sindicatos, preservando os ricos dos impostos e impondo aos países em desenvolvimento uma cartilha cruel de redução do Estado e dos investimentos públicos.

Por 40 anos, políticos de diferentes segmentos ideológicos que governaram seus países aprenderam a navegar usando a cartilha imposta pelos instrumentos de controle do capital financeiro internacional, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Quando Thatcher morreu, em abril de 2013, vítima das complicações decorrentes da Doença de Alzheimer, as pedras fundamentais de sua agenda permaneciam intocáveis. Nove anos antes, em junho de 2004, era o ex-presidente Ronald Reagan quem desaparecia. O legado de ambos começa a ser desmontado agora.

As divisões sociais que Reagan e Thatcher aprofundaram em seus países e ajudaram a espalhar pelo resto do mundo são apenas a ponta dos problemas gigantescos que o mundo enfrenta. A era do neoliberalismo não trouxe recuperação econômica real. A renda dos mais pobres caiu e a dos ricos cresceu exponencialmente. O mundo nunca teve tantos bilionários como nos últimos 40 anos. Menos de 1% da população mundial concentra metade de toda a riqueza do planeta. A desigualdade só vem aumentando desde o início dos anos 80 e chegou ao ápice em 2015.

As elites festejaram nas últimas décadas como Thatcher quebrou a espinha do movimento sindical, reduziu de 65% para 53% a participação dos trabalhadores na renda nacional na Inglaterra. No Brasil, a agenda de Michel Temer – a famigerada “Ponte para o Futuro” gerou uma reforma trabalhista danosa que arrebentou as organizações sindicais brasileiras, golpeadas novamente com uma outra proposta de mudança na legislação trabalhista na era Paulo Guedes. Nem mesmo os industriais têm o que comemorar ao longo das últimas quatro décadas porque, em todo o mundo, as indústrias deixaram de ser o motor do capitalismo para se transformarem em dependentes dos centros financeiros, seja na City, em Londres, Wall Street, em Nova York, ou na Faria Lima, caso do Brasil. Só quem se saiu bem na Era de Ouro do Neoliberalismo foi o capital financeiro.

A influência da dupla Reagan e Thatcher resultou na quebra do pacto social do pós-guerra, desautorizando meio século de pensamento keynesiano e moldou o pensamento econômico de gerações de economistas para quem “a sociedade não existe, o que existe são os indivíduos”. Foi isso que legitimou a ganância e o egoísmo das elites e a miséria dos excluídos. O modelo neoliberal só começou a ser desacreditado na virada do milênio e com a crise de 2008. Agora, pode ser velado por Joe Biden.