É urgente a revogação da Lei de Segurança Nacional
A LSN baseia-se no combate à figura de um hipotético inimigo que ameaça a sobrevivência do Estado. “Esse entulho autoritário é incompatível com a essência da nossa Constituição”
Por Pedro Estevam Alves Pinto Serrano* e Anderson Medeiros Bonfim **
Recentemente, elaboramos em conjunto com diversos especialistas um anteprojeto de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito para criminalizar excepcionalíssimas condutas severamente perturbadoras do normal funcionamento das instituições democráticas. O estudo deu origem ao Projeto de Lei 3.864/2020, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados apensado ao Projeto de Lei 3.064/2015.
Inspirado na legislação europeia e latino-americana, propomos criminalizar condutas violentas decorrentes do uso – ou da ameaça da utilização – de arma de fogo tendente a alterar o Estado Democrático de Direito, vedada qualquer pretensão criminalizatória decorrente de crítica aos poderes constituídos e de reivindicação de direitos, inclusive através de movimentos sociais.
Do mesmo modo, propomos a revogação da Lei de Segurança Nacional, entulho autoritário de 1983 fundamentado na autoritária Carta de 1969 e integralmente incompatível com o regime democrático consubstanciado na Constituição de 1988.
A referida lei baseia-se, essencialmente, no combate à figura de um hipotético inimigo que ameaça a sobrevivência do Estado. Além do mais, conceitos jurídicos indeterminados constantes atribuem ao intérprete o ilegítimo poder de conferir extensão e alcance casuístico. A hipernomia derivada da heterogeneidade de conteúdo permite o enquadramento na Lei de Segurança Nacional de quase todas as condutas humanas que fogem ao banal possam, desde que assim deseje o soberano.
A discussão relativa à não recepção da Lei de Segurança Nacional — especialmente no âmbito da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 797 — tende a ser norteada pela liberdade de participação na vida da polis, bem como pelas liberdades de expressão, manifestação, reunião e de associação, mas também pelas discussões realizadas na ADPF 130, na qual foi declarada a integral incompatibilidade da Lei de Imprensa com a Constituição, na medida em que editada em período de exceção institucional, bem como, in verbis, “ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro indiviso”.
Assim considerando, é urgente a necessidade de revogação ou submissão da Lei de Segurança Nacional ao controle concentrado de constitucionalidade. O entulho autoritário é incompatível com a essência da nossa Constituição, ao passo que o tratamento, como inimigo, dado aos cidadãos que se colocariam contra a integridade da sociedade e à existência do próprio Estado emerge, em parte, da superada Doutrina da Segurança Nacional do auge da Guerra Fria, mas difundida, entre nós, desde a lei getulista 38/1935.
* Bacharel, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP, com Pós-Doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Ciência Política pelo Institut Catholique de Paris e em Direito Público pela Université Paris-Nanterre. É professor de Direito Constitucional e de Teoria do Direito na Graduação, no Mestrado e no Doutorado da Faculdade de Direito da PUC-SP.
** Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP e advogado