País assiste ao desmonte do Estado
Levantamento do DataFavela mostra que quase 70% dos moradores das comunidades enfrentam ao menos um dia sem recursos para comer. Neste cenário desolador, todos esperavam que o governo apresentasse medidas para enfrentar a emergência.
A PEC está tirando dinheiro dos pobres
Apelidada de forma desonesta de PEC emergencial, a PEC 186 é a prova da completa irresponsabilidade e descompromisso do governo Bolsonaro, da maioria do parlamento brasileiro e das nossas elites com a emergência sanitária, social e econômica que vem varrendo o país há um ano.
O Brasil enfrenta neste março, um ano após os primeiros casos, o pior momento da pandemia de Covid-19. Ao longo deste período, assistimos países em diferentes estágios de desenvolvimento, alguns com muito menos acúmulo que o Brasil, construir soluções eficientes que salvaram vidas e a economia.
Nossos mandatários nada aprenderam. Testemunhamos cientistas brasileiros e em todos os continentes se somarem, partilharem conhecimento para enfrentar o sofrimento e a doença e, num prazo inédito, disponibilizar mais de uma dezena de imunizantes. O governo brasileiro seguiu cego.
Como resultado da imperícia e da gestão genocida da crise, Bolsonaro e seus aliados colecionam indicadores piores que há um ano. O desemprego bateu taxas inéditas, aumentando de 12 para 14 milhões. É grave a crise. Somados aos 24 milhões que gostariam de trabalhar, mas não buscam emprego por conta da pandemia ou algum motivo relacionado, o país tem entre 20% e 30% de taxa de desemprego potencial.
A pobreza e a fome aumentaram a patamares dramáticos com o fim do auxílio emergencial, a partir de janeiro de 2021. Dados divulgados pelo DataFavela, em parceria com o Instituto Locomotiva e a Central Única das Favelas (CUFA) dão conta de que quase 70% dos moradores das comunidades enfrentaram ao menos um dia sem recursos para comer, nas duas semanas anteriores ao levantamento. A pesquisa aponta ainda a queda de 50% da renda das famílias e a redução no número e na qualidade das refeições de milhões de brasileiros.
Neste cenário desolador, todos esperavam que o governo apresentasse medidas para enfrentar a emergência. Foi com este o espírito que se esperou a PEC 186. Mas ela tratava de muitas coisas, exceto da crise do Covid-19.
“A pobreza e a fome aumentaram a patamares dramáticos com o fim do auxílio emergencial, desde janeiro”
Nota da bancada do PT no Congresso faz bom resumo da nefasta proposta de emenda constitucional: “A PEC desestrutura mecanismos estratégicos do Estado brasileiro ao autorizar privatizações e congelamento de salários, inclusive do salário-mínimo, e ao retirar recursos de fundos financiadores de políticas públicas essenciais ao país, como as áreas de saúde, educação e segurança. A PEC penaliza os serviços públicos e a população, em benefício dos bancos e do sistema finaceiro”.
Para ser tratada como PEC emergencial, a medida teria que no mínimo:
1) Viabilizar proteção de renda. A PEC sequer apresenta uma proposta para o auxílio emergencial. O que ela faz é fixar um limite para impedir, em dispositivo constitucional, que se gaste o necessário para salvar a população. O resultado da PEC neste caso será um auxílio emergencial que não compra nem metade da cesta básica, no período de quatro meses, e para a metade das famílias que precisariam ser socorridas.
2) Assegurar condições para a vacinação universal e rápida do povo.
3) Garantir recursos emergenciais para leitos de UTIs e equipes de saúde para atender população.
4) Criar salvaguardas para que os empregos ainda preservados sejam poupados.
5) Apoiar micro, pequenas e médias empresas que ainda resistem.
Todas estas são medidas básicas acionadas por países em todo o mundo, independente do perfil ideológico. Nenhuma delas consta da falsa PEC emergencial.
Mais uma vez o governo tira vantagem, se aproveita da tragédia para avançar na sua agenda de destruição de direitos. É um crime contra o povo brasileiro.
* Economista, é ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Dilma Rousseff (2011-2016).