LIBÉRATION “A personalidade que melhor encarna a oposição a Bolsonaro é Lula”
Em entrevista ao jornal francês, o cientista político Gaspard Estrada tira lições da anulação das condenações que tornaram inelegível o ex-chefe de Estado brasileiro. E avalia suas chances para 2022
Por François-Xavier Gomez | Libération
Na segunda-feira, um juiz do Supremo Tribunal Federal anulou todas as condenações do ex-presidente Lula (2003-2010) por tecnicidade, tornando-o novamente elegível para enfrentar Jair Bolsonaro na eleição presidencial de outubro de 2022. O ex-metalúrgico, 75, não anunciou oficialmente que concorrerá a um terceiro mandato, mas poucos observadores acreditam que ele desistirá de enfrentar o presidente de extrema direita. Diretor Executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (Opalc) -Sciences-Po, o pesquisador Gaspard Estrada, especialista em processos eleitorais na América Latina, analisa o novo panorama político decorrente dessa decisão.
Libération. A decisão do Supremo Tribunal Federal em favor de Lula pode ser revertida?
Estrada. É altamente improvável que Lula sofra outro revés jurídico. Os quatro processos a seu respeito, investigados pela Justiça de Curitiba, estão cancelados e serão confiados a um juiz de Brasília, que começará do zero. Reconhecendo a incompetência do desembargador Sérgio Moro para tramitar esses processos, pedido antigo dos advogados de Lula, o desembargador também admitiu que não havia vínculo entre a cobrança excessiva de obras da empresa Petrobras e um apartamento que Lula teria recebido como indenização este superfaturamento. Sérgio Moro também reconheceu em seu julgamento de 238 páginas que Lula foi condenado por “fatos indeterminados”. Portanto, é difícil imaginar o juiz brasiliense reunindo provas para indiciar Lula.
A investigação anticorrupção apelidada de “Lava Jato” foi, no entanto, baseada em fatos comprovados.
É óbvio, mas a questão é: como foi conduzida a investigação ? O juiz Moro usou métodos corruptos para atacar a corrupção. É injustificável em um estado de direito. Principalmente porque o caso alimentou o discurso antipolítico que favoreceu a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Sérgio Moro tornou-se então ministro da Justiça de um presidente cujo principal adversário político havia eliminado, é um claro sinal de parcialidade. Quanto aos empresários condenados por Moro, a maioria está solto. É o caso de Leo Pinheiro, cuja denúncia, modificada duas vezes, permitiu toda a construção judicial contra Lula.
Mais uma vez eleito, Lula pode concorrer às eleições presidenciais de 2022. É razoável, aos 75, e ele representa a melhor opção para evitar a reeleição de Bolsonaro?
Acho que sim. Lula se recuperou bem do câncer de laringe em 2012, depois da Covid no final de 2020. Está mantendo a forma física e visivelmente em boa saúde. Na quarta-feira, ele falou aos sindicalistas da indústria metalúrgica em um discurso de três horas, sem sinais de cansaço. O que está em jogo no Brasil é o futuro da democracia. E a personalidade que melhor representa a oposição a Bolsonaro é ele. Claro, o Partido dos Trabalhadores (PT) terá que fazer algumas bases em seu projeto. O Brasil que Lula encontra hoje é muito diferente daquele de 2010, quando encerrou seu segundo mandato. Para a queda da economia e o custo de uma pandemia descontrolada, as respostas terão de ser fornecidas.
O Bolsonaro tem uma chance real de permanecer no poder?
É um candidato competitivo: pesquisas recentes atribuem a ele 30% das intenções de voto, o que o colocaria na liderança do primeiro turno. Das duas pesquisas de opinião publicadas nesta semana, uma dá a ele o perdedor contra Lula, a outra, o vencedor. Mas 2021 será mais complicado para ele do que 2020. A situação de saúde nunca foi tão grave e sua margem de manobra financeira é reduzida. O programa de ajuda aos mais pobres, denominado Auxílio Emergencial, distribuído a 60 milhões de brasileiros no segundo semestre de 2020, não é renovado este ano por falta de recursos. Custou quase 12 pontos do Produto Interno Bruto (PIB) [que estimulou o consumo das famílias e gerou crescimento em alguns setores, permitindo conter a queda do PIB no final do ano, nota do editor]. Nenhum outro país implementou um programa anticíclico tão grande. A operação permitiu que Bolsonaro recuperasse a popularidade, mas sua classificação voltou ao nível de junho de 2020, antes que a ajuda fosse paga. No ano passado, o Brasil limitou a quebra com uma queda do PIB de 4,2%, bem abaixo dos 9% da Argentina ou do México. 2021 vai ser mais problemático.
Será que o meio empresarial está certo em se preocupar com a chegada à chefia da Petrobras, principal empresa do país, de um soldado próximo ao presidente?
A nomeação de Joaquim Silva e Luna reflete o fervor do poder. A comunidade empresarial acreditava até agora que Bolsonaro estava louco, mas que ele delegou as decisões econômicas a um ministro são. A história caiu por terra com a decisão, em fevereiro, de substituir o presidente da Petrobras e modificar sua política, sob a pressão de uma clientela eleitoral essencial para Bolsonaro: os caminhoneiros, fortemente expostos às variações dos preços da gasolina. No entanto, a alta dos preços na bomba preocupa a profissão, que ameaça paralisar o país com greves.