Programa de Governo de 2002
O programa de governo de 2002, além de trazer reflexões e discussões sobre a luta das mulheres, trouxe um Caderno especial sobre o “Compromisso com as mulheres”. Veja abaixo um recorte e acesse o conteúdo na íntegra em nossa base de dados.
COMPROMISSO COM AS MULHERES
Compromisso com as Mulheres Fortalecer as mulheres, aprofundar a democracia, combater os preconceitos, o racismo, a discriminação e a exclusão.
Apresentação
O Brasil iniciou o século XX sem que as mulheres tivessem sequer o direito ao voto. No início deste novo século a situação é bem outra. A cada dia que passa as mulheres ampliam suas conquistas para o exercício da cidadania ocupando novos espaços de participação no trabalho, nas profissões, nas escolas, no parlamento. Todas essas conquistas são frutos de muitos esforços do movimento de mulheres na luta social, que tem contribuído para a construção da democracia no Brasil.
Faltam mudanças para que as mulheres vivam com igualdade, sem preconceito ou discriminação, faltam políticas públicas para melhorar a qualidade de vida das mulheres em todas as idades, das trabalhadoras urbanas e rurais, das mulheres pobres, das mulheres negras. É preciso criar condições para serem incluídas no exercício dos direitos e nas oportunidades geradas por este grandioso esforço de mudar o Brasil.
O governo Lula estará comprometido com políticas sociais que contribuam para o exercício da cidadania de todos, para superar as enormes desigualdades sociais e ampliar a democracia. A Secretaria Especial da Mulher, vinculada ao gabinete do Presidente da República terá a responsabilidade de formular as diretrizes para a implementação das políticas públicas que garantam a igualdade entre homens e mulheres.
Este é o sentido das propostas construídas neste programa.
Antonio Palocci Filho
Coordenador do Programa de Governo.
Introdução
A cidadania para as mulheres é uma construção coletiva, que envolve toda a sociedade e supõe a criação e o exercício de novos direitos. Exige políticas que tenham por finalidade assegurar a homens e mulheres as mesmas oportunidades para se desenvolver e participar em todos os espaços da sociedade. Trata-se de eliminar as barreiras sociais, econômicas, políticas, jurídicas e culturais de maneira a assegurar as mesmas possibilidades a todos, independente de gênero, raça ou etnia. São estas as razões que norteiam a construção das propostas aqui apresentadas.
Não haverá efetiva democracia se mantiver o atual desencontro entre as políticas públicas e as necessidades das mulheres, se persistir a lógica que as confina ao mundo doméstico e as considera exclusivamente como mães, e fora de casa, como alguém que simplesmente demanda serviços públicos. As mulheres não devem ser vistas apenas, nem centralmente, como beneficiarias de políticas públicas, mas fundamentalmente como sujeitos capazes de protagonizar processos políticos.
As desigualdades de homens e mulheres não são naturais, mas construídas na sociedade e em distintas instituições. No âmbito socioeconômico as desigualdades se manifestam na divisão sexual do trabalho, nas menores oportunidades das mulheres para entrar no mercado de trabalho, na baixa qualidade da maioria dos empregos femininos e numa maior restrição ao acesso aos bens materiais, como o crédito e a titularidade da terra, por exemplo.
No ambiente de trabalho, as mulheres têm mais dificuldade para serem escutadas e valorizadas. São tratadas com menos respeito. A agressão sexual é frequente. Essas formas de desigualdade restringem a liberdade de ação das mulheres e dificultam uma compreensão positiva de si mesmas.
A globalização da economia, cada vez mais intensa, implica mudanças na organização do trabalho, aprofundando as contradições vividas pelas mulheres trabalhadoras. Num contexto de desregulamentação das relações de trabalho e diminuição de direitos de trabalhadoras e trabalhadores acabam sobrando para as mulheres postos com jornadas intensas e sem direitos. Para manter-se no mercado, as mulheres devem ter dedicação total, capacitar-se, atualizar-se. Ao mesmo tempo, devem responsabilizar-se cada vez mais sozinhas pelo cuidado de filhos, doentes e idosos. O Estado corta gastos públicos e serviços sociais repassando-os ao mercado ou à família e ao trabalho voluntário na comunidade. A maternidade e o cuidado com a família – que são responsabilidades de toda a sociedade e não só das mulheres – são motivos de discriminação no emprego. Assim, é necessário precisar as tarefas que competem ao Estado, a sociedade e ao casal com respeito ao nascimento e à educação das gerações que virão. O Estado pode tanto incentivar esse debate, como implementar serviços que contribuam para uma divisão mais equitativa das responsabilidades.
A Mulher e o Estado democrático
O Estado democrático deve combater todas as formas de discriminação da mulher. Ele e a sociedade têm de mobilizar-se contra manifestações que desqualifiquem as mulheres, incluindo aquelas que, nos meios de comunicação, ressaltam apenas aspectos ligados à erotização, vulgarização e alienação da mulher e do seu papel na sociedade. Na verdade, essas manifestações reafirmam a submissão da mulher e a exposição de seu corpo como objeto de consumo.
Um Estado comprometido com a equidade e a cidadania plena para todos se responsabiliza em implementar formas de comunicação livres de preconceitos. Sob esse ponto de vista, a mulher deve ser pauta e tema nas questões que se referem ao seu contexto social, no combate à violência doméstica e sexista, no controle às discriminações e no mais amplo debate sobre que lugar ela deve ocupar na sociedade.
Implementar políticas para as mulheres e para os homens significa realizar esforços sistemáticos para redistribuir de forma mais justa os recursos, por meio de reformas legais, programas e serviços. Significa possibilitar acesso mais igualitário aos recursos econômicos, à educação, à cultura e à pesquisa; instituir instrumentos eficazes de combate à violência sexual e doméstica, de prevenção da gravidez na adolescência, buscando, por meio de políticas específicas e articuladas, formas de solução.
São necessárias políticas integrais que envolvam todas as áreas do governo. Favorecer uma melhor incorporação da mulher ao mercado de trabalho e desenvolvimento profissional exige um esforço conjunto das áreas da educação e do trabalho, proposição de campanhas comunicativas que visem às mudanças nas representações sociais associadas a cada sexo, ampliação dos serviços de cuidado infantil e propostas que mudem a organização dos serviços sociais.
[…]
Acesse aqui o dossiê de documentos do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores de 2002 em nossa base de dados.
BRASIL SEM RACISMO
1. Retrato da realidade
Nas análises da pirâmide social, a população negra ocupa os mais baixos estratos. É flagrante a enorme concentração de negros nas faixas de menor renda da população brasileira. Segundo pesquisa do IPEA, publicada em 2001, os negros representavam, em 1999, 45% da população brasileira. Entre os 53 milhões de pobres, os negros correspondem a 64% do total, e a 69% da população de indigentes. Da mesma forma, é majoritariamente negra a massa de desempregados e subempregados em todo o país.
O rendimento é um indicador importante na definição das linhas de pobreza e indigência e o exame de sua distribuição oferece um quadro das desigualdades. Neste sentido, duas pesquisas recentes enfocam diretamente as relações entre raça, gênero e emprego no território nacional. O Mapa do Negro no Mercado de Trabalho brasileiro, de 1999, e Os Rostos dos Bancários: Mapa de gênero e raça do setor bancário brasileiro de 2000, ilustram com números as desvantagens comparativas de gênero e de raça.
Além de reafirmar que os rendimentos dos trabalhadores negros são sistematicamente inferiores aos dos demais, a Pesquisa de Emprego e Desemprego DIEESE/SEADE, realizada entre janeiro e junho de 2000, alerta para a precariedade do trabalho nas regiões metropolitanas e o conseqüente agravamento das condições de vida da população.
Em números totais, as mulheres negras são as mais frequentemente submetidas a ocupações precárias, seguidas das mulheres brancas e dos homens negros, o que sugere a delicada condição de quem sofre, a um só tempo, discriminação de gênero e de raça.
Na educação, verifica-se que a taxa de analfabetismo entre jovens brancos do sexo masculino de 15 a 19 anos é de 3,7% e 9,1% para os jovens negros. Entre mulheres brancas na mesma faixa etária é de 1,9% e 4,2% entre as mulheres negras. Estes números revelam a falta de acesso e a dificuldade de permanência no sistema escolar, que desconsidera em suas diretrizes curriculares a realidade vivida nas periferias e favelas. No caso específico das mulheres, muitas abandonam a escola na adolescência, impossibilitadas de frequentar as aulas após a chegada de um filho. Egressos da escola, antes de completar o ensino fundamental, ou sem nunca ter pisado numa sala de aula, os jovens negros precisam recorrer cada vez mais cedo ao mercado de trabalho e, mal preparados, esbarram nas grades intransponíveis do subemprego, longe de uma política justa de remuneração e sem perspectivas de ascensão social.
Por tudo isso, apesar do empenho de tantos grupos para denunciar a exclusão social e garantir a igualdade de condições, nascer negro está relacionado à probabilidade de ser pobre. Esta situação não pode ser tratada como simples herança da escravidão. O racismo é recriado e alimentado a cada dia, reforçando um ciclo cumulativo de desvantagem para os negros. As manifestações de racismo causam danos materiais, simbólicos, políticos e culturais por vezes irreversíveis para toda a população negra e agridem, acima de tudo, a essência da democracia. Valor político que orienta a atuação dos membros da Coligação Lula Presidente.
5.6. Mulher
Além das situações advindas do racismo, as mulheres negras vivenciam outras formas de discriminação ligadas à desigualdade de gênero. Historicamente, tem sido negado às mulheres negras seu efetivo reconhecimento como cidadãs capazes de tomar decisões responsáveis. As formas de discriminação e exclusão se manifestam nos âmbitos familiar, político e social. As mulheres negras historicamente têm se organizado para combater a discriminação e reverter esse quadro de opressão.
Ações:
• Garantir o desenvolvimento de políticas de combate à feminilização da pobreza com base na proteção do trabalho da mulher, mediante incentivos específicos que contemplem as mulheres negras através de programas de acesso, capacitação e treinamento para o mercado de trabalho;
• Estimular o desenvolvimento de programas de alfabetização, formação para a cidadania e acesso ao mercado de trabalho para mulheres adultas, em especial as mulheres negras.
5.8. Segurança
Poucos temas relacionados à atividade governamental despertam tanta atenção quanto a segurança. Vive-se hoje uma espécie de paranóia generalizada, intensificada a cada noticiário televisivo, a cada nova estatística de criminalidade. Não bastasse conviver com uma história de violência estrutural, física e psíquica, o negro é ainda hoje, submetido a humilhação por parte de policiais mal preparados.
Ações:
• Criar um Centro de Referência contra o Racismo, constituído junto com organizações do movimento negro, de defesa de mulheres negras, além de professores, intelectuais, artistas e lideranças da sociedade sensibilizadas para a problemática racial;
• Promover a abertura de diálogo franco e a implantação de cursos de capacitação policial, ministrados por lideranças e professores do movimento negro, para dizimar o racismo das corporações policiais;
• Desenvolver material educacional específico para essa finalidade com o apoio das entidades, de especialistas e de comunicadores;
• Criar o Disque Racismo, operado em conjunto com representantes das organizações não governamentais.