Programa de Governo de 1994
O Programa de Governo de 1994 do Partido dos Trabalhadores trouxe propostas em diversas frentes de análise. A perspectiva de ampliação da cidadania, saúde e garantia de direitos foi largamente pautadas. Confira abaixo os recortes dos Cadernos “Bases do Programa de Governo” e “Os compromissos da Frente Brasil Popular”. Acesse o conjunto de documentos na íntegra em nossa base de dados.
CADERNO BASES DO PROGRAMA DE GOVERNO
7 – A cidadania das mulheres
A cidadania para as mulheres não significa a simples extensão dos direitos já conquistados pelos homens, acrescidos daqueles referentes à condição feminina em função da procriação. Tem de ser pensada como a construção de uma condição coletiva, generalizada e inclusiva, isto é, da liberdade e da igualdade para todos. A afirmação da igualdade não elimina as diferenças. É preciso definir metas que permitam construir as condições concretas para o exercício da igualdade. As respostas à questão da cidadania das mulheres implicam a reconstrução de políticas públicas que possam:
1. Alterar as políticas sociais do Estado que favorecem os homens enquanto gênero. Os serviços sociais não são um favor do Estado, mas sua obrigação;
2. Considerar as mulheres como cidadãs e não como apêndices da família, com direitos individuais e como gênero. A sociedade não pode ser pensada a partir de uma visão estática da família, que pressupõe a mulher confinada às tarefas domésticas para garantir condições de socialização dos indivíduos.
Para que as políticas do Estado sejam efetivamente alteradas é necessário tratar desigualmente os desiguais, o que se faz através de políticas compensatórias, ações afirmativas para chegar a uma igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Deverão ser consideradas aqui as diferenças existentes entre as mulheres do ponto de vista das oportunidades geradas pelas condições sociais e de origem étnica/racial. Estas políticas deverão vir acompanhadas de um intenso debate cultural que reconstrua o imaginário social, combatendo as múltiplas manifestações de discriminação das mulheres.
As políticas do Governo Democrático e Popular em relação às mulheres serão centradas em quatro aspectos: trabalho, educação, saúde e combate à violência, sendo o primeiro elemento o que articula os demais. Políticas afirmativas na área do trabalho e do trabalho doméstico. Apesar do crescimento da participação das mulheres na População Economicamente Ativa (PEA) no Brasil (cerca de 40%), elas ocupam os níveis mais baixos na escala ocupacional, padecem de forte subemprego e seu salário médio é apenas 54% daquele que percebem os homens, mesmo que a escolaridade feminina seja superior à masculina. Todo esse processo de discriminação é maior entre as mulheres negras.
A presença de mulheres no sistema educacional formal é igual ou superior à dos homens, mas grande parte delas orienta-se para as carreiras pedagógicas, sabidamente discriminadas sobretudo em termos salariais, seja para as mulheres negras ou brancas.
PROPOSTAS
1. Criar um Programa Mulher e Trabalho, independente dos programas dirigidos à pobreza, destinado a formular e propor programas antidiscriminatórios referentes ao trabalho da mulher. a informar as trabalhadoras sobre seus direitos e a influir na sociedade, no Estado e nas empresas, assim como promover e coordenar as políticas de emprego, trabalho e educação dirigidas com este propósito.
2. Implantar políticas de profissionalização do trabalho realizado pelas mulheres, com incentivos para as áreas não tradicionalmente femininas. Estabelecer quotas nos cursos profissionalizantes, de aperfeiçoamento ou requalificação das empresas, Senai, Senac e escolas técnicas federais. Investir especialmente na qualificação de mulheres negras e trabalhadoras rurais.
3. Propor uma legislação específica para as empresas normatizando a implantação de serviços de alimentação e lavanderias. Incorporar nas políticas habitacionais oficiais o planejamento de áreas coletivas para lavanderias, creches e outros serviços que afetem o cotidiano doméstico.
4. Colocar em prática políticas de incentivo de emprego para as mulheres, com prioridade para as chefes de família e mães solteiras, garantindo o acesso inclusive às frentes de trabalho. Garantir o acesso das mulheres à titularidade da terra nos assentamentos e nos programas de reforma agrária. Criar políticas especiais de crédito para cooperativas de trabalho feminino.
5. Desenvolver políticas de fiscalização e garantia dos direitos trabalhistas, com atenção também para a discriminação racial; intervenção dos organismos federais na fiscalização do cumprimento dos direitos trabalhistas. Considerar o cumprimento destas normas na concessão de créditos públicos e nas licitações públicas.
Na área da educação.
PROPOSTA
1. Garantir a universalização do ensino básico com qualidade, de forma que todas as crianças tenham acesso à escola em período integral ou a programas de complementação curricular e convivência.
2. Desenvolver uma política que garanta a educação não discriminatória em todos os níveis, incorporando as questões de gênero nos currículos gerais, em particular na formação de professores e elaboração de material didático-pedagógico.
3. Implementar medidas compensatórias quanto à permanência e mobilidade das mulheres negras no sistema educacional, através de programas específicos. Garantia de programas de alfabetização de adultos e cursos supletivos com horários alternativos para as mulheres.
4. Criar um programa especial de apoio e incentivo aos municípios para ampliação e universalização da rede pública de creche.
5. Desenvolver rigorosa fiscalização do Ministério do Trabalho, em conjunto com as instituições de âmbito estadual, para o cumprimento da legislação sobre creche nas empresas, inclusive com penalização jurídica pelo não cumprimento.
6. Garantir programa de educação sexual nas escolas com atenção para a anticoncepção, gravidez na adolescência e prevenção da Aids.
Na área da saúde.
A situação de vida pessoal e social das mulheres é determinante no seu quadro de morbidez e mortalidade. O sistema de saúde pública, em acelerado processo de sucateamentos não responde a estas necessidades.
Agrava-se a incidência do câncer ginecológico e de mama. Por outro lado, a proporção homem/mulher nos índices de contaminação pela Aids que em 1984 era de 123 para uma,19 hoje é de cinco para uma, sendo as relações heterossexuais a principal causa de contaminação das mulheres. As condições da mulher trabalhadora— dupla jornada, precariedade do trabalho—, somadas a outras formas de discriminação que sofre, contribuem para uma forte incidência de diversas doenças, inclusive as mentais. A situação é mais alarmante no que se refere à mortalidade materna e à assistência à anticoncepção, sendo o aborto uma importante causa de óbitos.
PROPOSTAS
1. Garantir o Sistema Único de Saúde (SUS) e a implantação do PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher).
2. Priorizar a saúde da mulher junto aos estados e municípios, com destaque para um programa emergencial que, por meio da contratação e capacitação de profissionais de saúde e do aumento dos equipamentos de serviços (postos, hospitais, ambulatórios, laboratórios), acabe com a mortalidade materna ou a reduza a índices mínimos através de assistência ao pré-natal, ao parto e ao puerpério, diminuindo o número de cesáreas.
3. Promover campanhas e programas de prevenção do câncer de mama e cérvico.
4. Desenvolver campanhas e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, particularmente a Aids.
5. No Brasil, a mortalidade materna atinge índices alarmantes, 156 mortes por 100 mil nascidos vivos, constituindo-se o aborto uma importante causa de óbitos. Estimasse que mais de 2 milhões de abortos são realizados anualmente no país. Como resultado desta lamentável situação, verifica-se um grande número de óbitos e sequelas físicas e psicológicas. Em cada mil mulheres em idade fértil, 18 já sofreram sequelas de aborto. Em cada quatro mulheres submetidas ao aborto clandestino, uma já foi internada com complicações que levam à esterilidade ou mesmo à morte. Isso representa a ocupação de 20 a 30% dos leitos de ginecologia e obstetrícia da rede pública hospitalar. Em função deste quadro de flagrante atentado à saúde pública, a questão do aborto torna-se relevante para a sociedade e para um governo democrático e popular.
O recurso ao aborto não é método Anticonceptivo. Daí a importância de garantir o acesso das mulheres a todos os métodos anticonceptivos não prejudiciais à saúde, com orientação médica, incentivando também o desenvolvimento de pesquisa em relação a métodos para os homens. Isso deverá ser contemplado no programa de atenção à saúde da mulher, acompanhado de um amplo processo educativo, envolvendo a rede pública de saúde, os meios de comunicação e a rede escolar, de forma que se garanta ampla participação da sociedade civil.
Hoje, por falta de informação e acesso aos métodos anticonceptivos, restam à maioria das mulheres duas alternativas: a pílula. vendida sem prescrição médica e sem a devida assistência, o que traz sequelas às usuárias; e a esterilização, em grande parte realizada durante a cesariana e, muitas vezes, sem a permissão da mulher. O alto número de cesáreas—33% dos partos—acarreta riscos de saúde às mulheres e aos nascituros. Esta situação que penaliza as mulheres, principalmente as mais pobres, deverá ser tratada como problema de saúde pública. Nos casos de aborto previstos em lei é imperativo que se normatize o atendimento por toda rede pública de saúde.
O Governo Democrático e Popular deverá tomar as iniciativas necessárias para garantir a cidadania das mulheres. No combate à violência contra as mulheres. A violência contra a mulher é um problema específico na medida em que se diferencia das demais manifestações de violência, nas formas de expressão e enfrentamento. Mas é um processo generalizado que atravessa as mais diversas realidades do país: regionais, sociais, etárias, étnicas e culturais. A violência contra a mulher não se resume às agressões físicas e/ou sexuais, mas se traduz em uma série de atitudes cotidianas, que refletem e reproduzem a discriminação da mulher. O cenário inicial desta violência é a família, estendendo-se para escolas, locais de trabalho, campos e espaços urbanos.
Num programa nacional de combate à violência contra as mulheres, o governo deverá articular com os governos estaduais as seguintes ações:
1. reconhecer a dimensão criminológica do fenômeno da violência contra a mulher. Tal fato deve repercutir em ações governamentais que incidam sobre a formação do aparato policial nos currículos de formação profissional na área jurídica, iniciativas de alteração do Código Penal e outras leis, além da implementação de mecanismos que promovam a articulação entre as diversas políticas públicas setoriais no atendimento à mulher: saúde, segurança, educação e trabalho;
2. elaborar um Programa Nacional de Combate à Violência contra as Mulheres. O governo deverá articular com governos estaduais as seguintes ações:
– Manutenção, expansão e qualificação de delegacias policiais e núcleos especializados no atendimento à mulher; · capacitação contínua dos profissionais que trabalham especificamente com a temática da violência contra a mulher;
– Criação de abrigos temporários para mulheres que sofreram violência e não têm para onde ire casas de apoio imediato;
– Programas de incentivo ao emprego para mulheres vítimas de violência doméstica;
– Desenvolvimento de programas de pesquisa sobre o fenômeno da violência contra as mulheres.
Na coordenação da defesa da cidadania das mulheres no âmbito de uma reforma administrativa mais geral, criar uma secretaria especial da mulher, com status de ministério, orçamento próprio e vinculação direta à Presidência da República. Esta secretaria deverá formular e implementar medidas que garantam a igualdade de oportunidades às mulheres; realizar, estimular e apoiar pesquisas sobre a condição feminina no país;
Levantar a situação legislativa das mulheres e propor iniciativas de mudança das leis; articular-se com os ministérios para coordenar ações em todos os setores da administração; promover campanhas sobre os direitos das mulheres.
As ações desta secretaria serão articuladas com os movimentos de mulheres, dentro dos princípios da participação popular que norteiam a proposta do Governo Democrático e Popular.
Acesse aqui o dossiê de documentos do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores de 1994 em nossa base de dados.
CADERNO OS COMPROMISSOS DA FRENTE BRASIL POPULAR
6 – SAÚDE DA MULHER: POR UMA ATENÇÃO INTEGRAL
A) O PROBLEMA
O modelo de desatenção à saúde das mulheres brasileiras, coloca-as hoje numa situação de um alto índice de morbi-mortalidade que, em grande parte, poderiam ser evitadas. O coeficiente geral de mortalidade materna é de 156 por 100 mil nascidos vivos, sendo que na região norte este índice sobe para 450. O câncer de rolo do útero e de mama permanecem como a quarta causa de morte. Quanto a anticoncepção, a pílula e a laqueadura aparecem com os métodos mais utilizados. Entre as mulheres que adquirem a pílula cerca de 95% o fazem sem receita médica, sendo que 50% das usuárias nesta situação têm contra-indicações, correndo, portanto, riscos para a saúde e para a vida. Das mulheres em idade fértil que usam algum método, 44% já estão esterilizadas, a maioria delas feitas durante o parto cesariano. No Brasil o índice geral de cesáreas é abusivo, da ordem de 33%, o que aumenta muito os riscos de vida para as mulheres durante o parto e para as crianças recém-nascidas.
B) OBJETIVOS / METAS
Garantir o exercício dos direitos reprodutivos através de informações e acesso a métodos contraceptivos, ao pré-natal, ao parto assistido e assistência em todas as situações que envolvam risco de doença ou morte materna. Implementar, no âmbito das políticas públicas os programas de atenção à saúde da mulher.
C) AÇÕES/ESTRATÉGIAS
Organizar um programa em curto prazo de:
– Aumento do atendimento ao pré-natal, garantia do parto assistido, e atendimento ao pós-parto.
– Aumentar a oferta de consulta ginecológica e do exame de Papanicolau, para prevenção do câncer de colo do útero e de mamas.
– Promover ações educativas em relação à saúde reprodutiva e assegurar o acesso a métodos contraceptivos que não coloquem em risco a saúde da mulher, com acompanhamento médico.
– Implantar o atendimento ao aborto legal em hospitais da rede pública.
– Implantar a educação sexual e atendimento especial às adolescentes grávidas.
– Prover atendimento especial para as mulheres vítimas de violência.
– Garantir uma atenção sem discriminações seja qual for a condição da mulher.
– Promover o atendimento humanizado às mulheres, sem discriminação em todas as fases de sua vida.
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