O  Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores para disputa das eleições presidenciais de 1989 trouxe diversas discussões, propostas e metas contra a discriminação e pela garantia da qualidade de vida da mulher. Abaixo os recortes dos Cadernos “Plano Alternativo de Governo”, “Questão agrária” e “Sociedade”. Confira o conteúdo na íntegra em nossa base de dados.

 

CADERNO PLANO ALTERNATIVO DE GOVERNO

MULHERES

CONTRA AS DISCRIMINAÇÕES 

Por um Brasil de homens e mulheres livres e iguais 

As discriminações que sofrem as mulheres na sociedade brasileira, se reproduzem numa rígida divisão do trabalho e de papéis que se expressam nas esferas econômicas, políticas, sociais e ideológicas.  Os objetivos deste programa, refletindo as experiências dos movimentos de mulheres nestes últimos anos, são dois: 

– a igualdade econômica e social de homens e mulheres; 

– a plena cidadania cultural e política de homens e mulheres. 

 METAS E DIRETRIZES PARA UM PROGRAMA DE IGUALDADE

Diante desta realidade: 

– Em 1984, morreram 70 mil mulheres de parto e aborto; 

– 44% das mulheres brasileiras são esterilizadas sem informação, sendo assim seu corpo colocado sob controle dos interesses capitalistas que visam a diminuição das populações do 312 mundo; 

– 58% das mulheres ganham entre O a 1 salário mínimo, enquanto 33,8% dos homens estão nessa faixa; 

– Apenas 7,2 das mulheres ganham mais de 5 salários mínimos, enquanto 16,5% dos homens recebem esse salário; 

– Na educação, a discriminação maior recai sobre as mulheres negras e mestiças, sendo que 48,6% das mulheres negras e 47,8% das mestiças tem menos de um ano de estudo; 

– Os direitos assegurados pela Constituição não são respeitados. As mulheres trabalhadoras sofrem exigências de controle da fertilidade no trabalho; 

– A mulher continua sendo considerada uma cidadã de 2ª categoria. É espancada, estuprada e desrespeitada nas ruas, casas e trabalho e seu corpo utilizado como mercadoria e objeto de propaganda consumista. 

Assim sendo, PROPOMOS: 

  1. a) Participação das mulheres em todas as instâncias administrativas e políticas da sociedade brasileira;
  2. b) Desenvolver e incentivar programas em todo o Brasil para criar creches, restaurantes, lavanderias .., para que o conjunto da sociedade assuma o trabalho doméstico;
  3. c) Punição de toda discriminação contra as mulheres da cidade e do campo;
  4. d) Promoção de políticas que assegurem o ingresso e igualdade das mulheres no mercado de trabalho;
  5. e) Implantação de uma política de saúde para a mulher que envolva todas as fases de sua vida;
  6. f) Direito das mulheres optarem pela maternidade e acesso a contracepção de métodos não nocivos à saúde;.
  7. g) Assistência obrigatória da rede pública de saúde para os casos de aborto previstos em lei;
  8. h) Incentivo a pesquisa científica de novos métodos contraceptivos femininos e masculinos;
  9. i) Criação e ampliação de delegacias de atendimento especializado e abrigos para mulheres vítimas da violência;
  10. j) Promoção de políticas visando eliminar o preconceito sexual e racial na educação;
  11. I) O governo do PT deverá criar um MINISTERIO ou SECRETARIA ESPECIAL que tenha poder e atribuições para formular, executar e coordenar com outras instâncias federais, as políticas que promovam a igualdade entre homens e mulheres da sociedade brasileira.

Acesse aqui o dossiê de documentos do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores de 1989 em nossa base de dados.

 

CADERNO – QUESTÃO AGRÁRIA

TRABALHAR E VIVER

As condições de trabalho dos boias-frias podem ser avaliadas a partir das reivindicações que fazem em suas greves e demais movimentos. Em Campos (RJ), além de aumento salarial, a pauta apresentada pelos canavieiros dizia: “os veículos de transporte devem obedecer às normas do Código Nacional de Trânsito; equipamentos perigosos e pessoas precisam ser conduzidos em separado; queremos comprovantes dos pagamentos efetuados; as carteiras de trabalho têm que ser assinadas pelas usinas; os empregados que ganham por produção passarão a controlar a pesagem”. Nos canaviais do Nordeste a situação se repete, e um dos principais motivos de revolta é o roubo descarado no tamanho dos instrumentos usados para medir o trabalho feito (“varas”), no uso desses instrumentos (o conhecido “salto da vara”) e na pesagem da cana (figura 7). Além disso, também ali o tamanho exagerado da tarefa sacrifica fortemente os trabalhadores. Na região de Ribeirão Preto (SP), onde entre maio e novembro se concentram 110 mil assalariados para o corte da cana, algumas usinas e destilarias melhoraram as condições dos alojamentos, mas em compensação elevaram para NCz$ 140,00 por mês (em setembro de 1989) o custo do “aluguel” para os trabalhadores que vêm de fora. A alimentação continua cara, precária e reduzida, e os delegados sindicais não podem fiscalizar as medições da produção, realizadas pelos capatazes. Embora pareça incrível, diversas usinas têm exigido com relativo êxito – a esterilização prévia de mulheres que procuram emprego, muitas das quais bastante jovens. Sindicância recentemente realizada pelo movimento sindical e por entidades religiosas constatou que também no Mato Grosso do Sul a legislação trabalhista não é cumprida, inexiste controle idôneo da produção diária de cada trabalhador, os alojamentos não têm água, luz e instalações de higiene, a alimentação é deficiente e cara. Além disso, “gatos” e agentes de segurança praticam toda sorte de agressões e intimidações. Não é muito diferente a situação dos assalariados na região do cacau (sul da Bahia). Ali, a modernização da produção pôs fim às lavouras onde os trabalhadores plantavam para sua própria subsistência. O “contrato de empreitada” passou a ser frequente e, mais uma vez, o superdimensionamento das tarefas obrigou à ampliação da jornada de trabalho e à incorporação informal de toda a família. Os principais artifícios usados para burlar a legislação são os contratos de trabalho com duração inferior a seis meses (impedindo o recebimento de indenizações), a retenção da carteira de trabalho (para falsificação do tempo real de serviço), a inexistência de comprovantes de pagamento e o não-reconhecimento de horas extras, 13º salário e repouso remunerado. Somados, esses expedientes têm agravado a situação de vida dos assalariados do cacau, que também não podem fiscalizar o resultado final do seu trabalho. Ainda no sul da Bahia, empresas de reflorestamento têm aumentado sistematicamente as exigências de produção sem contrapartida de aumento salarial. Em 1986, um trabalhador era responsável por uma tarefa de 450 árvores. Hoje, pelo mesmo nível salarial e sem pagamento de hora extra, ele responde por 1.350 árvores. Mantém-se, além disso, a exigência de que as compras sejam feitas em armazéns das próprias empresas contratantes, o que permite abusos nos preços. A situação não é diferente nas outras áreas de grandes projetos de reflorestamento, mesmo naqueles localizados nas regiões mais desenvolvidas do país e sob responsabilidade de empresários “modernos” e “inovadores”. Os assalariados do sisal são um dramático exemplo de falta de segurança no trabalho. Produzido principalmente na Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, o sisal é um dos principais produtos de exportação do Nordeste. Os operadores dos motores de desfibramento ganham por produção e, como a remuneração é baixa, cumprem comumente jornadas de dez a 14 horas por dia. O uso de máquinas inadequadas e ultrapassadas, combinado com a exaustão física, já causou a decepação de dedos, mãos e antebraços em cerca de dois mil dos cinquenta mil trabalhadores baianos do setor. Desde 1983 os acidentados tentam obter aposentadoria por invalidez. Por incrível que pareça, esse direito vinha sendo questionado. Há os que entendem que pessoas com um só braço podem continuar a trabalhar no próprio sisal. Depois de intensa mobilização os trabalhadores mutilados conseguiram obter apenas 50% do salário-mínimo.

Acesse aqui o dossiê de documentos do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores de 1989 em nossa base de dados.

 

CADERNO SOCIEDADE

MAIORIA OPRIMIDA

As mulheres são discriminadas na sociedade brasileira. Somam, hoje, 73 milhões, um pouco mais que a metade da população do país. Não são minoria, portanto, embora sejam tratadas assim em certos discursos favoráveis à valorização do “sexo frágil.” Além da exploração de classe, que se abate sobre a maioria dos brasileiros, as mulheres estão submetidas a uma opressão de sexo, que impõe uma rígida divisão de trabalho e de papéis sociais. Isso produz reflexos na esfera econômica, social, política e ideológica. Para mudar essa situação, não basta conscientizar a sociedade a respeito da real situação da mulher, embora seja esse um passo necessário. É preciso aplicar um verdadeiro programa de políticas públicas que combatam diretamente as formas de discriminação e de opressão. Para formular essas políticas, é preciso partir de um diagnóstico preciso da realidade. Em primeiro lugar, tem aumentado significativamente o número de mulheres que trabalham fora de casa. De cada 100 com mais de 10 anos, 18 tinham emprego em 1970. Em 1987, esse número já tinha subido para 37. Foram as casadas, com filhos, que mais aumentaram sua participação no mercado de trabalho. De cada 100 mães de filhos maiores de 7 anos, 41 passaram a ter atividades econômicas na década de 80, quando menos de 25 o faziam em 1970. Constata-se, pois, que a tendência histórica é de crescimento da incorporação da mulher ao processo produtivo. Lógico que o trabalho feminino é desejável, mas desde que não signifique dupla jornada, que haja creche suficiente e que a remuneração seja igual para trabalhos iguais feitos por pessoas dos dois sexos infelizmente, não é este o caso brasileiro. Os salários recebidos por trabalhadores e trabalhadoras são bastante desiguais. Na faixa que recebe até um salário-mínimo, estão 34% da mão-de-obra masculina e 58% da feminina. Apenas 7,2% das mulheres ganham mais que cinco salários-mínimos, enquanto 16,5% dos homens estão nessa faixa. O desnível entre as oportunidades de contratação e ascensão profissional oferecidas aos homens e às mulheres está por trás das desigualdades salariais. É seguro que todos estes números ainda estão abaixo do que realmente ocorre. As estatísticas oficiais não registram uma boa parte do trabalho das mulheres, como as atividades descontínuas do mercado informal, a pequena produção e a produção domiciliar. Não revelam, também, a dupla jornada, representada pela realização simultânea de atividades domésticas e de trabalho remunerado. A inexistência de infraestrutura de apoio, como creches para todas as famílias (e não apenas para quando se trabalha fora), reserva às mulheres o papel de responsáveis únicas pelo bem-estar do grupo familiar. Em 1984, 76% das crianças com idade até 6 anos não estavam na pré-escola e 69% das pessoas menores de 18 anos moravam com suas mães. O índice de mortalidade materna no Brasil é um dos mais altos do mundo. Tal índice é medido pelo número de mulheres que morrem por causa de complicações na gravidez, parto e pós-parto, incluindo o aborto, dividido por 100 mil crianças nascidas vivas no mesmo período. No Brasil, esse índice é de 170, enquanto em Cuba é apenas 26. Em 1984, 70 mil mulheres morreram de complicações de parto ou aborto, por falta de atenção médica.
É crescente a percentagem de mulheres brasileiras esterilizadas, em grande parte como fruto de programas orientados pelos interesses estratégicos de grandes metrópoles capitalistas, preocupadas em reduzir a população dos países dependentes, como medida de segurança contra explosões sociais. Todos esses números equivalem a uma nítida radiografia da atual situação de desigualdade. Mas, fora dos números, há ainda muito que registrar nesse diagnóstico. Direitos constitucionais e trabalhistas são mais descumpridos no caso da mulher, e cresce assustadoramente o número de denúncias sobre perseguições no trabalho e exigência de controle da fertilidade. A tudo isso é preciso acrescentar, ainda, a prática generalizada de violências: abuso sexual de meninas, espancamentos em casa pelo marido, desrespeito nas ruas, estupro. Até mesmo na atual campanha presidencial, espetáculos de machismo explícito têm sido apresentados: um candidato da extrema-direita notabilizou-se por uma frase escandalosa admitindo o estupro, ao condenar o assassinato, enquanto outro respondeu de maneira indesculpável a uma jornalista que o entrevistava.
Reconhecendo a opressão existente hoje e identificada com as lutas do movimento de mulheres, a Frente Brasil Popular aceita o desafio de buscar, através de medidas concretas de governo, os mecanismos que permitam às mulheres plena igualdade nas oportunidades do mercado de trabalho, na educação e em todos os aspectos da vida social. Com isso, estaremos contribuindo para eliminar, mesmo nas convicções mais arraigadas das pessoas, todas as formas de desigualdade entre homens e mulheres, hoje presentes em nossa sociedade.

NOSSAS METAS

1. Para garantir os direitos da mulher no trabalho

1.1 Fiscalização rigorosa dos direitos trabalhistas integrais da mulher trabalhadora, da gestante, da doméstica e da trabalhadora rural;  aplicação do princípio: trabalho igual, salário igual;

1.2 Promoção de políticas que visem a profissionalização da mulher e assegurem seu acesso ao mercado de trabalho, sem restrições;

1.3 Punição de toda discriminação por sexo ou estado civil.

2. Para proteger a saúde e os direitos reprodutivos da mulher

2.1 Implantação de uma política de saúde para a mulher, que envolva todas as fases de sua vida, integrando sexualidade, menstruação, prevenção do câncer, fertilidade, gestação ou interrupção da gravidez;

2.2 Garantia do direito de optar pela maternidade, com acesso à contracepção através de métodos não nocivos à saúde;

2.3 Regulamentação e fiscalização da esterilização, para evitar abusos provocados pela esterilização massiva e indiscriminada;

2.4 Implantação da assistência obrigatória, na rede pública de saúde, para os casos de aborto previstos em lei;

2.5 Incentivo ao debate sobre uma legislação que amplie o direito de interrupção de uma gravidez indesejada e reduza radicalmente a mortalidade materna causada pela deficiência de atendimento na gestação, no parto ou aborto.

3. Para defender a integridade e a dignidade da mulher

3.1 Promoção de medidas que garantam a defesa e a segurança da mulher contra a violência, através da criação e ampliação de serviços de atendimento jurídico e psicológico, delegacias especializadas e abrigos para as vítimas de violência;

3.2 Políticas preventivas junto à população, incluindo os meios de comunicação de massa, denunciando todas as formas de violência pública e privada contra as mulheres, conscientizando contra todas as formas de discriminação e opressão sexual.

4. Para incentivar a divisão do trabalho familiar entre homem e mulher

4.1 Programas para criação de lavanderias e refeitórios públicos nos bairros e nos locais de trabalho;
4.2 Programas para criação de creches e escolas para todas as crianças até seis anos de idade;

4.3 Programas para a criação urgente de vagas nas escolas para todas as crianças de 7 a 14 anos.

5. Para implantar uma educação favorável à igualdade

5.1 Promoção de políticas visando a eliminar os preconceitos e estereótipos sexuais na educação e nos manuais escolares.

6. Para formular, coordenar e executar tais políticas

6.1 Criação de um organismo de alto nível que tenha poder e atribuições para levar esse programa à prática.

Acesse aqui o dossiê de documentos do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores de 1989 em nossa base de dados.