DISCURSO DE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA DURANTE O I CONGRESSO DO PT  

COM OS NEGROS, AS MULHERES, OS ÍNDIOS 

Mudou muito o cenário político de nosso povo nestes últimos anos. Outrora se acreditava que só os partidos e os grupos políticos eram capazes de centralizar a organização do movimento popular. Hoje, porém, reconhecemos que os melhores frutos são aqueles que, como o nosso partido, têm suas raízes firmadas nas múltiplas formas de organização existentes no campo, nos bairros, nas periferias, nos centros de trabalho e de estudos, nos setores que têm interesse específico a defender, como as mulheres e os negros. Graças ao movimento popular, o movimento sindical teve maior expressão nos últimos anos. Enganam-se os que ainda pensam que só nas fábricas se apóia o sindicalismo brasileiro.  

No bairro da cidade ou no local de moradia da roça, os trabalhadores têm mais liberdade para se encontrar, para se reunir, para se organizar e levar adiante suas lutas sindicais, com a participação de suas esposas, de seus filhos e de seus vizinhos. Graças a essa extensa rede de movimentos populares é que o PT se afirma como expressão política que nasce de baixo para cima. Não admitimos que as creches, os clubes de mães, as associações de moradores, os movimentos de favelas, os grupos de luta pela terra, as entidades feministas, os núcleos artísticos e demais formas de o nosso povo se organizar na base sejam manipulados como currais eleitorais ou tratados à base do clientelismo político. Reconhecemos a autonomia do movimento popular frente ao Estado e aos partidos políticos. É fundamental para a libertação deste país que os moradores de um bairro ou os posseiros de uma região – independente de suas preferências partidárias – possam se encontrar na base, em torno de suas lutas específicas. Se temos, como militantes políticos, um papel junto aos movimentos populares é o de ajudá-los em sua educação política, sem, porém, induzi-los à nossa opção partidária.  

Fazer política não é só militar no Partido ou nos partidos. É também participar da luta pelo esgoto do bairro e pelo melhor preço da safra no campo. É modificando, em cada lugar deste país, as relações sociais e as relações de produção que o nosso povo chegará, um dia, a modificar em todo o País as relações de propriedade, suprimindo a contradição entre o capital e o trabalho. Por isso, não admitimos que o movimento popular seja reflexo ou extensão de nossa atividade partidária; não queremos tutelá-lo. Ao contrário, é o nosso partido que deve exprimir os anseios do movimento popular, consolidando-os politicamente.  

É importante dizer uma palavra sobre o movimento de mulheres, forma de organização específica que se multiplica por este país. Frente à cultura machista que respiramos, às estruturas de uma sociedade tida como exclusiva obra masculina, reconhecemos o direito e o dever de as mulheres lutarem por seus direitos, libertando-se da condição de objeto de cama e mesa, de serem destinadas unicamente a procriar, de escravas do lar, de trabalhadoras super exploradas.  

A luta das mulheres deve ajudar a nós, homens, a nos reeducarmos na direção da sociedade igualitária que queremos construir juntos. Entretanto, estamos convencidos de que essa luta não pode desligar-se da luta global de todos os brasileiros por sua libertação. A questão feminina não interessa só às mulheres e nem se reduz à conquista de liberdades pessoais que, por vezes, são meros paliativos burgueses. Homens e mulheres, juntos, devemos lutar incessantemente pela emancipação das companheiras que são escravizadas nas roças e nas fábricas, que enfrentam a maternidade com insegurança e medo, que prostituem seus corpos por não terem outro meio de vida, e que jamais tiveram como exprimir sua palavra. Há, em nosso País, uma discriminação racial genericamente velada. Um negro, porém, sabe o quanto essa discriminação, que para os brancos pode parecer velada, é real, agressiva, profunda. Ele a sente na pele. Por isso, devemos apoiar a organização dos negros por seus direitos em nossa sociedade, ainda que isso venha a descobrir, à luz do sol, o racismo que carregamos nas entranhas. Desde os escravos, os negros lutam, no Brasil, por sua libertação. Os quilombos foram conquistas mais decisivas para se acabar com a escravidão que o pretenso liberalismo da coroa portuguesa ou dos republicanos mancomunados com o capital inglês. Por isso, defendemos o direito de os negros manifestarem sua cultura, sua palavra, seus anseios. Somos pelo direito de as minorias se organizarem e defenderem o seu espaço em nossa sociedade. Não aceitaremos que, em nosso partido, o homossexualismo seja tratado como doença e muito menos como caso de polícia. Defenderemos o respeito que merecem essas pessoas, convocando-as ao empenho maior de construção de uma nova sociedade. 

 

Acesse aqui o dossiê de documentos do I Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores de 1981 em nossa base de dados.

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