OS NEGROS NO PT: ORGANIZAR E TRANSFORMAR – 1988

Flávio Jorge Rodrigues da Silva

Chegou a hora de o movimento negro sair da fase “sentimental” e entrar para valer na política.

O ano de 1988 tem tido como principal marca o fato de ser um ano de lutas políticas. Para nós, do movimento negro não tem sido diferente. A postura tanto dos setores ligados aos governos municipais, estaduais e federal, como os ligados à Universidade, à Igreja, ao movimento sindical e popular, aos partidos, em relação ao Centenário da Abolição, tem exigido definições mais precisas quanto à luta em torno da questão racial no Brasil.

Isso tem um sentido positivo. A necessidade de avanços está fazendo com que o Movimento Negro seja obrigado a sair da sua fase de denúncias do racismo e da farsa da democracia racial em nosso país — fase que chamamos de sentimental — que tem sido a tônica de nossa intervenção desde a década de 70, para uma outra fase: a política. Aquela em que temos que ter respostas não só para a situação de explorados e discriminados mas também para o pensarmos juntos, negros e brancos, alternativas para a superação dessa situação. É dentro desse contexto que deve ser discutida também a nossa organização enquanto militantes negros, no interior do PT.

A nossa militância no PT, em vários Estados, existe desde a sua fundação. Ocorre pelo fato de entendermos ser este o Partido em que os negros devem participar em função de sua composição social e visão de transformação da sociedade brasileira.

Visão esta explicitada em seu programa ao colocar a luta contra o capitalismo e seu compromisso com os trabalhadores e oprimidos em geral, na direção de uma sociedade justa e igualitária, uma sociedade socialista. Nessa sociedade, certamente, a questão racial não será resolvida mas, nela, estarão colocadas as condições necessárias para a sua resolução.

Entretanto, embora estejamos hoje organizados em muitos Estados (como comissões, grupos, secretarias ou subsecretarias), em avaliações realizadas em encontros e reuniões, temos notado que nossa participação e organização ainda é precária.

Vários motivos podem ser apontados como elementos importantes para uma reflexão do por que dessa precariedade em nossa intervenção. Queremos destacar três motivos que julgamos importante para essa reflexão.

O primeiro deles é a incompreensão da importância da luta contra o racismo pelo conjunto do Partido, em particular pelas nossas direções.

Falsa herança

A história e a ideologia oficial têm “explicado” que a situação vivida pela comunidade negra é uma indicação de que as relações de dominação e inferioridade econômica e social da população negra seriam apenas uma decorrência direta dos tempos escravistas e coloniais — espécie de herança que desaparecerá com o tempo. Posto isso, afirmam que no Brasil não haveria racismo mas “simples” discriminações e preconceitos sociais. Ou seja, o negro é discriminado por ser pobre e não por ser negro.

Isto também tem implicações junto aos setores mais avançados e progressistas de nossa sociedade que, influenciados por essa visão oficial, negam a especificidade e importância da luta negra e automaticamente afirmam ser o socialismo a solução para essa questão. Uma visão simplista que faz com que a luta contra o racismo, assim como a luta contra o machismo e outras das chamadas “minorias”, seja colocada em segundo plano.

Dentro de nosso partido essa visão também prevalece. É comum ouvirmos de nossos dirigentes (as exceções existem) quando abordados sobre o assunto a defesa desse tipo de argumentação.

Outro motivo é a lacuna que ainda continua existindo entre a ação de nossos militantes nos movimentos sociais e a prática expressa pelas instâncias do Partido. Essa questão tem sido preocupação de encontros promovidos pelas Secretarias de Movimentos Populares e tem afetado nossa militância.

Como ocorre em outros movimentos, os militantes negros de nosso Partido têm preferido atuar junto a outros organismos como as entidades negras (escolas de samba, blocos afros etc.), no sindicato, na associação de bairro, pois estes organismos têm servido como referencial real de suas atividades, deixando sem finalidade a militância partidária.

Sem compromissos

O terceiro motivo, que tem relação com o anterior, é a falta de compromisso de nossa militância e a consequente desorganização das comissões, grupos ou secretarias em que atuamos. Isso, aliado à falta de um projeto político, a exemplo do que acontece com o Movimento Negro, tem dificultado a nossa intervenção.

Apesar de nossos esforços não conseguimos nos reunir de forma sistemática, aglutinar novos companheiros e os nossos trabalhos se devem mais ao voluntarismo de alguns militantes que sentem a importância e a necessidade da intervenção no Partido e fora dele.

Existe ainda de nossa parte uma incompreensão gerada pela confusão que estabelecemos na relação Movimento e Partido. Não temos ainda definido o entendimento da importância do papel do Partido na luta pela transformação da sociedade. Em nossa prática visualizamos o Partido enquanto uma frente de intervenção ou apenas como militantes do movimento negro, colocando o Partido enquanto um ser distante.

Apesar de todos esses problemas, a situação não é tão negativa como pode parecer a partir das posições aqui colocadas. O Partido dos Trabalhadores ao se colocar contrário a qualquer projeto de tom “comemorativo” ou que desvie a discussão dos resultados que a Abolição da Escravatura trouxe para a sociedade brasileira diferenciou-se dos outros partidos e deu um norte para a nossa relação com as atividades que estão sendo realizadas.

Essa definição se deve em parte à compreensão de alguns dirigentes e, fundamentalmente, à postura correta que nós militantes negros do PT temos tido ao questionarmos o Centenário da Abolição e nos organizarmos, negros e brancos, para fazermos frentes às iniciativas oficiais e de setores que tentam passar uma visão mais conservadora.

Encontro Nacional

Outro aspecto importante diz respeito à nossa organização. Em reunião nacional, recentemente realizada pela Secretaria Nacional de Movimentos Populares, com a presença de representantes dos principais Estados onde temos trabalho, foi formada uma Comissão Executiva Nacional que tem como objetivo organizar o II ENCONTRO NACIONAL — O PT E A QUESTÃO RACIAL, que será realizado em setembro em Vitória, no Espírito Santo. Ainda este semestre nos Estados serão realizados encontros para escolha dos delegados e discussão do temário do Encontro Nacional.

Serão momentos importantes nos quais deveremos aprofundar as discussões aqui levantadas, de forma a propiciar ao conjunto de nossos militantes a compreensão da importância da luta negra no avanço das lutas sociais e de transformação em nosso país.

Esta compreensão é fundamental num país onde a maioria da população é negra e se localiza entre aqueles que o PT pretende atingir com suas propostas: a maioria de nossa população trabalhadora, da cidade e do campo, que tem sido colocada à margem da vida cultural, econômica, social e política.

Flávio Jorge Rodrigues da Silva é membro da Coordenação Provisória da Comissão de Negros do PT-São Paulo.

Fonte: Boletim Nacional do PT, nº 35, maio de 1988, p. 11. Acervo: CSBH/FPA.

Para visualizar o documento original, clique aqui.

`