O TREZE DE MAIO E OS NEGROS – 1982

Lélia Gonzales

Socióloga e antropóloga. Faz parte do Diretório do Rio e do Diretório Nacional do PT.

De uns anos para cá, têm-se multiplicado as comemorações relacionadas ao treze de maio: seminários, conferências, exposições de obras de arte, “semanas do negro”, festas e mais festas. Só que esse barato todo não tem nada a ver com o povo; ele provém das instituições oficiais que, pra variar, estão aí, preocupadas em nos convencer que o 13 de maio é a nossa “data magna”. Na verdade, essas comemorações oficiais não deixam de significar uma tentativa de cooptação da população negra e de reafirmação do mito da democracia racial. De repente, nós somos “homenageados” simplesmente porque, num belo dia, as classes dominantes resolveram nos “libertar” da escravidão. Só que, pra negrada esperta, esse papo todo não está com nada. Afinal, quem é que não sabe que o movimento abolicionista foi um movimento branco e urbano? Que ele representou muito mais os interesses das novas classes dominantes que os dos escravos?

INCAPAZES E DESCARTÁVEIS

Por aí se vê que falar do treze de maio sem articulá-lo com o primeiro de maio é reproduzir as mistificações que escamoteiam a real situação do trabalhador negro de hoje, descendente do trabalhador escravo de ontem. E algumas perguntas se colocam. Por exemplo: por que será que, ontem, nós éramos a força de trabalho por excelência e, hoje, estamos na periferia do sistema produtivo, marginalizados e concentrados na grande massa dos desempregados, da mão-de-obra desqualificada e sujeita às piores condições de vida, à violência policial etc.? Por que será que, ontem, éramos considerados capazes e preciosos e, hoje, somos vistos como incapazes, descartáveis e sujeitos aos piores salários? Afinal, que é que diferencia o trabalhador negro de hoje, do escravo de ontem?

A primeira resposta está no fato de que o genocídio das populações negro-africanas, o tráfico negreiro e sua resultante, a exploração da mão-de-obra escrava, nada mais foram do que um modo historicamente novo de escravidão (baseado numa suposta inferioridade racial). Novo também, e todo mundo sabe, porque funcionou como acumulação primitiva de capital que possibilitou o deslanchar do sistema capitalista que aí está. Por isso mesmo, não é de estranhar a situação de inferiorização, de desigualdade e desvalorização em que se encontra o trabalhador negro de hoje (a trabalhadora negra mais ainda).

DENÚNCIA DO RACISMO

E, por isso mesmo, a negadinha esperta transformou o treze de maio no Dia Nacional de Denúncia do Racismo, reservando para o vinte de novembro todas as comemorações que nos dizem respeito. Afinal, nossa verdadeira história, como a de qualquer povo oprimido, ainda está para ser contada, resgatada. Justamente por isso, o trabalhador negro de hoje não pode misturar Zumbi de Palmares (20/11) com Princesa Isabel (13/5): O primeiro tem a ver com aquilo por que estamos lutando, uma sociedade justa e igualitária, ao passo que a segunda só tem a ver com aquilo contra o que lutamos. Não é por acaso que o vinte de novembro tenha sido assumido, por nós, como o Dia Nacional da Consciência Negra. Treze de maio, na verdade, é festa de “branco”.

Fonte: Jornal dos Trabalhadores, ano I, nº 03, maio de 1982, p. 05. Acervo: CSBH/FPA.

Para visualizar o documento original, clique aqui.

`