Comandante de bateria do 3o Grupo de Artilharia a Cavalo, cedo me tornei aos olhos dos superiores um oficial dedicado, mas minha mais estreita convivência dava-se com a massa de subalternos.

Aspirante a oficial, nos inícios de 34 deixo o Realengo rumo a Bagé – vou incorporar-me à tropa em solo de raízes minhas.

Cinco colegas de turma também optaram pelo rincão gaúcho e, soldo modesto, hotéis caros, decidem viver em república. Convidado, aceito efusivamente, e não apenas por motivos financeiros, acima de tudo, por mitigar a nostalgia do vasto coletivo cadete.

Era quase a mesma rotina dos seis. Às 5,30h., saíamos para nossas unidades. Ao meio-dia estávamos de volta, para duas horas de almoço e bate-papo regado a chimarrão. Às 14h, já nos aguardavam as obrigações profissionais, que se estendiam até as 16:30. Ao fim da jornada, todavia, e diversamente dos colegas da república, eu permanecia entre os muros – para ministrar aulas de português, história e matemática aos soldados, cabos e sargentos em busca de promoção.

Comandante de bateria do 3o Grupo de Artilharia a Cavalo, cedo me tornei aos olhos dos superiores um oficial dedicado, mas minha mais estreita convivência dava-se com a massa de subalternos. Respeitado pelos de cima e freqüente entre os de baixo, tive espaço, por exemplo, para criar no quartel o Cassino dos Soldados, um amplo salão de jogos, leitura e convívio.

Já em casa após duas horas diárias de atividade docente, preparava-me para a noite dos meus primeiros meses em Bagé – ou ler e ler, ou dançar e jogar, que assíduo também eu era nas casas noturnas da pequena cidade. Folganças à parte e graças a um início de liberdade editorial, ocupam-me autores estrangeiros até então ausentes do Brasil. Enlevam-me Os dez dias que abalaram o mundo, de John Reed, embala-me a bravura d’A mãe de Gorki, enrijece-me a vontade o Cimento de Fedor Gladkov; incendeiam-me o pendor libertário Bakhunin e Kropotkin, inoculam-me uma visão de futuro obras primeiras de Marx e Engels – uma nova biblioteca vai-se-me perfilando no quarto e na mente. E à vista de todos.

No seio das Forças Armadas havia relativa liberdade política, e os colegas de república, ainda que não comungassem de minhas opções de estudo, não as viam transpirar na caserna. Era-lhes o essencial. Não precisariam, aliás, deduzir nada pelos livros – já desde a gestão da Revista da Escola Militar, trago na testa o prematuro selo “De esquerda”. Ainda assim, a reforçar o que penso do clima por então reinante nos quartéis – vigilância remota, mas liberdade de ação extra muros – não apenas me incorporo normalmente à tropa mas também, durante coincidentes férias de oficiais superiores, estarei comandante geral do meu grupo de artilharia (…)(…)

Inaugura-me o interinado uma surpresa: à república, e a mim destinados, chegam cestas e mais cestas de bebidas, frutas e doces em lata, toda uma cornucópia de suspeitos regalos. Generosos, os fornecedores de alimentos querem assegurar – percebo – a larga clientela do quartel. Consulto a família republicana e decidimos: os acepipes vão dar novo colorido à mesa dos soldados.[…]

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