Perseu Abramo não se contentou em ser um excelente jornalista, com presença marcante na grande imprensa e na imprensa alternativa e partidária.
Por Hamilton Octavio de Souza

Perseu Abramo não se contentou em ser um excelente jornalista, com presença marcante na grande imprensa e na imprensa alternativa e partidária.
Por Hamilton Octavio de Souza

O Formador de Jornalistas

Por Hamilton Octavio de Souza*
Março de1966

Perseu Abramo não se contentou em ser um excelente jornalista, com presença marcante na grande imprensa e na imprensa alternativa e partidária. Não se contentou em ser um militante sindical e político e das causas democráticas e sociais. Ele dedicou grande parte de sua vida – sempre intensa – à formação de cidadãos e jornalistas, nas redações, nos debates e seminários e nas escolas. Passou pela Cásper Líbero, Universidade de Brasília, Federal da Bahia, FAAP e PUC-SP.

Foi meu professor no curso de Jornalismo da FAAP, em 1970/71. Na época conquistou a confiança e o respeito da meninada pela seriedade de seu trabalho. Iniciou um amplo e rico processo de revisão do curso através das Câmaras Curriculares, que mobilizou a todos, professores e alunos. A “revolução” faapiana custou sua cabeça. Foi demitido pela direção reacionária da faculdade, mas deixou em todos nós aquela sementinha que teimamos em carregar pelo resto de nossas vidas.

Foi na PUC-SP, no entanto, que o professor Perseu Abramo escreveu sua mais ampla e profunda matéria. Lá, milhares de jornalistas que estão hoje no mercado tiveram a oportunidade de bebericar suas lições de jornalismo. Mais do que isso, tiveram a chance de conviver com a figura exemplar do mestre e companheiro. Seu empenho em socializar o conhecimento, em indicar os ideais do jornalismo, em reverenciar o que existe de mais nobre na profissão, certamente, estão presentes no trabalho cotidiano de muitos profissionais.

Em suas aulas, nas várias disciplinas que ministrou durante 15 anos, deixava sempre a marca irretocável do profissional digno, honesto, competente, perspicaz, comprometido com as causas e as lutas populares. Perseu insistia na formação técnica e intelectual do jornalista, na ética, no ambiente livre e democrático – “malhava”, enfim, em todos os elementos essenciais para a boa prática e o bom desempenho do jornalismo. Era rígido e exigente nessas questões, e não fazia concessões. Mantinha, no ensino do jornalismo, a mesma coerência que o acompanhou no exercício da profissão e da política.

O Departamento de Jornalismo da PUC deve muito ao professor Perseu Abramo . Não só pela sua participação efetiva na construção do curso ou pela sua enorme contribuição no enfrentamento dos vários momentos críticos da Faculdade de Comunicação e Filosofia. Mas, especialmente, pelo seu papel na articulação do Departamento e na inspiração política e ética do corpo docente. Nos 15 anos em que convivi com ele na PUC, nunca se preocupou com o poder formal, com disputa pessoal de cargos ou com mesquinharias que cercam a vida acadêmica. Sua força estava no respeito que tínhamos por ele: todos, no Departamento e na Faculdade, sabíamos que ele era a pessoa mais importante e mais influente no jornalismo, e sempre tivemos muito orgulho disso.

Sua influência no meio jornalístico ultrapassou de longe os limites da escola ou do local de trabalho. Inúmeros jornalistas tiveram em Perseu Abramo a base e o eixo de seus trabalhos de pesquisa, de mestrado e de doutorado. Basta verificar a produção acadêmica sobre comunicação e jornalismo, nas mais diferentes instituições de ensino, para encontrar lá a presença do professor. Sua disposição para trocar idéias, analisar, orientar, debater, ajudar a pensar e a compreender o jornalismo brasileiro era algo incomum. Não media esforços no seu compromisso político com a formação e, muito menos, na prática abrangente da solidariedade.

O jornalismo brasileiro não perdeu apenas um ótimo jornalista. Perdeu, na verdade, um grande formador de jornalistas. Perdeu, também, aquele raro companheiro cujo convívio nos faz refletir sobre o trabalho que fazemos e o compromisso maior da profissão.


*Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC