MANDELA NO BRASIL – 1991

Hamilton Cardoso

Após o enfraquecimento das leis do apartheid, os conflitos entre diferentes organizações políticas de nativos e anti- racistas sul-africanos viraram o tema central da imprensa mundial. Nelson Mandela- fundador e atual presidente do Congresso Nacional Africano, negro e advogado, duplamente confinado após fazer a própria defesa e denunciar o apartheid, desde abril de 1964, e livrar-se da pena de morte, quando foi condenado a prisão perpétua – visitou o Brasil entre primeiro e seis de agosto de 1991.

Libertado na justiça de apartheid em fevereiro de 1990, por pressões populares, diplomáticas e armadas, realizadas pelos movimentos de libertação nacional, a visita dele à América Latina tinha objetivos basicamente diplomáticos. No Brasil, praticamente restrita aos meios oficiais, ela foi vitoriosa.

As solidariedades anti-racistas, limitadas a iniciativas verbais e cenas dramáticas de indignação ganharam consistência no país símbolo da democracia racial que, segundo a revista inglesa News African revelou em 1980, vinha sendo estudada por estrategistas sul-africanos para promover a abertura racial democrática daquele país. Um dos pontos altos da perestróica sul-africana foi a libertação de praias e praças proibidas para não brancos, além da autorização para casamentos multirraciais.

Ao chegar, Mandela desembarcou no Rio de Janeiro, foi recebido pelo governador Leonel Brizola, do PDT, e disse que o Brasil “está mais adiantado na conquista de uma sociedade multirracial”. Ele elogiou a democracia racial brasileira. No último dia ouviu de Sidney Sanches, juiz e presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, que “os negros são preteridos e os brancos preferidos”, quando da admissão nos empregos. Antes da partida, Nelson Mandela disse, ainda, que viu “amargura nos olhos dos negros”.

Na África do Sul os nativos africanos e imigrantes de origem não européia, negros, sempre estiveram cultural e geograficamente confinados. Foram excluídos da economia e da política. Brizola, primeiro governador de estado que encontrou, disse que existe racismo no Brasil e ofereceu-lhe um show, reunindo os principais negros artistas do estado e do país, na Praça da Apoteose.

A denúncia foi reiterada em São Paulo, pelo governador Luiz Antonio Fleury, do PMDB e da prefeita Luiza Erundina, do PT. Na prefeitura ele se reuniu com líderes dos movimentos negros e anti-racistas, que fizeram reflexões mais profundas e explicitaram a natureza do racismo brasileiro. Na Assembléia Legislativa, o deputado estadual Léo Oliveira, do PRN, fez uma denúncia radical do racismo econômico e da violência policial. A deputada Célia Leão, deficiente física, do PSDB, o nomeou líder mundial dos excluídos.

Donos do Mundo

Antes que chegasse ao Brasil, Mandela ouviu o presidente dos EUA, George Bush, defender, um dia depois do Comitê Olímpico Internacional decidir pela reinclusão da África do Sul, o fim do boicote internacional àquele país. A proposta foi levada ao grupo dos Sete, que, semana antes, a Folha de S. Paulo definiu como “os donos do mundo”. No mês anterior, Pik Botha, líder branco e ex-dirigente sul-africano, em entrevista àquele jornal brasileiro criticara o Brasil. Disse que o Brasil e os países do Cone Sul estão atrasados no reconhecimento do esforço dos brancos sul-africanos para suprimir o regime do apartheid.

O ponto alto da visita de Mandela ao Brasil ocorreu na Bahia, onde milhares de pessoas e os integrantes dos blocos-afro-baianos, o receberam como um rei. Ele também se reuniu, reservadamente, com líderes dos movimentos negros. Mas um dos momentos de maior intimidade com as autoridades brasileiras foi no Espírito Santo, onde hospedou-se na residência oficial do governador do Estado, o negro Albuíno Azeredo, PDT.

Em Brasília, centro da diplomacia, o presidente Collor de Mello disse que condicionará a reaproximação e o avanço das relações Brasil-África do Sul à evolução das lutas anti-racistas, pelo fim da exclusão racial na política e, conseqüentemente na economia daquele país. O boicote será mantido, posição manifestada também pelo governador de São Paulo, principal centro econômico do país.

A imprensa não noticiou e os governos não informaram os apoios econômicos ou materiais recebidos pelo ANC. Sabe-se extra- oficialmente que aproximadamente 10 milhões de dólares foram concedidos indireta e extra- oficialmente, por vários governadores. Atividades não oficiais também foram promovidas pelos movimentos negros, que, num balanço realizado dias depois denunciaram a existência de políticas oficiais de exclusão de anti-racistas e movimentos negros na recepção de Nelson Mandela. Concluíram também que um novo espírito crítico, mais radical e em busca de ampliação das conexões entre núcleos negros e movimentos sindicais e populares começou emergir nos movimentos negros.

Hamilton Cardoso, membro da Secretaria de Relações Internacionais.

Fonte: Boletim Nacional do PT, nº 57-58, agosto/setembro de 1991, p. 10. Acervo: CSBH/FPA.

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