Depoimento originalmente publicado em homenagem aos 90 anos de Antonio Candido no site da Fundação Perseu Abramo.

Por Zilah Wendel Abramo*

É com imensa satisfação que a Fundação Perseu Abramo vem juntar a sua às homenagens que vêm sendo prestadas a Antonio Candido pela data do dia 24 de julho, quando o nosso querido amigo e colaborador completará 90 anos de idade. À satisfação acrescenta-se um sentimento de profunda gratidão pelo apoio irrestrito que ele sempre dedicou à nossa Fundação, desde os primeiros dias da sua existência. Antonio Candido nunca se furtou a discutir conosco os problemas que se colocavam no nosso caminho e estava sempre disposto a colaborar nos nossos projetos, quando era solicitado. Foi assim que, para nossa alegria e grande orgulho, ele aceitou ser o primeiro presidente do Conselho Editorial da nossa Editora, função que ele exerceu plenamente, com todo o entusiasmo e dedicação.

Nas reuniões do Conselho, era assíduo e pontual, e tinha sempre sugestões valiosas a fazer para o desenvolvimento da nossa Editora. Devemos a ele a idéia da organização dos nossos livros em algumas coleções. Duas dessas coleções foram propostas suas; a do Pensamento Radical, tinha o propósito de resgatar o pensamento de autores brasileiros que escreveram sobre o Brasil do ponto de vista da transformação econômica e política do nosso país. Com esse objetivo foi realizada uma série de seminários que iriam produzir os textos para comporem os livros dessa coleção. O primeiro desses seminários, sobre Sérgio Buarque de Holanda, teve a coordenação e a participação – como conferencista – de Antonio Candido. Mais uma vez como conferencista, ele participou do seminário sobre Mário Pedrosa. A outra coleção sugerida por Antonio Candido foi a dos Clássicos do Pensamento Radical. Ele justificou essa proposta dizendo: “devemos procurá-las nas obras de pensamento socialista, devemos procurá-las também nas obras de autores que não são rotulados como socialistas.” E foi assim, aceitando esse conselho. que resolvemos editar as obras que revelam a posição anti-capitalista e anti-imperialista de John Stuart Mill, William Morris, Mark Twain e Jack London.

Ao relembrar as reuniões do Conselho Editorial, é impossível não assinalar como elas se tornavam um evento agradável quando Antonio Candido começava a contar suas histórias tão saborosas, em que ele revelava, além de uma memória prodigiosa (ao falar de cada uma das cidades onde tinha vivido, ele sabia de cor os nomes do prefeito, do delegado, da senhora que morava no casarão da praça etc), uma habilidade incrível para imitar todos os sotaques, os cacoetes dos personagens das suas histórias. Ele nos fazia rir e amenizava a seriedade das nossas discussões.

Vão aqui dois exemplos dessa característica de Antonio Candido;

Numa certa reunião, começou uma discussão entre dois membros do Conselho sobre a maneira correta de se pronunciar o sobrenome de Raymundo Faoro: Fáoro, como dizem os cariocas, ou Faôro, como dizem os paulistas? Antonio Candido ficou observando a discussão e, de repente, começou a esboçar um sorriso meio maroto. Interrogado sobre a razão desse riso, ele explicou que estava se lembrando de uma historinha que tinha a ver com o assunto.

E contou:

“Durante a guerra contra os holandeses. em Pernambuco, um navio holandês foi afundado pelos brasileiros. O almirante, vendo o navio totalmente perdido, atirou-se no mar, gritando : “O oceano é o único túmulo digno de um almirante batavo”. Mas, logo em seguida, ele voltou à tona e acrescentou: “Ou bátavo, como dizem alguns.” E afundou de novo.

Numa outra ocasião, Candido perguntou, aparentando seriedade: “Vocês sabem porque Minas Gerais não vai para a frente?” E ele mesmo respondeu: “É porque o Mar é de Espanha, o Juiz é de Fora, o Ouro é Preto e o governador é do Piauí”(Francelino Pereira, piauiense, foi governador de Minas de 1977 a 1983).

Por todas essas razões, foi com grande tristeza que fomos obrigados a aceitar os argumentos que ele alegou para o seu afastamento do Conselho Editorial. Foi preciso reconhecer que a dificuldade de locomoção e os problemas de saúde impediam que Antonio Candido mantivesse a participação ativa em nossos trabalhos, tal como nós gostaríamos que fosse. Mas o que nos serviu de consolação, naquela ocasião, e perdura até hoje, é a certeza de que ele continua seguindo nossa trajetória com o carinho e a confiança que ele nunca deixou de nos dedicar durante estes mais de 12 anos de vida da nossa Fundação. E isso nos enobrece e nos dá forças para continuarmos fiéis aos princípios e aos caminhos que começamos a trilhar na sua companhia.

Obrigado por tudo, Antonio Candido.

* No contexto, presidenta do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo

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