"Muitos militantes do PS participaram [da luta armada], mas eu não apoiei. Eu sabia que não ia dar certo. A gente faz muita coisa que não dá certo. Não dá certo mas faz. Porque sabe que alguma coisa fica. Ficam pelo menos as cinzas que você pode aproveitar para o futuro".Com o golpe de 64 eu, o [Febus] Gikovate e outros companheiros que combatíamos a direção nacional [do Partido Socialista Brasileiro] estávamos perto de derrubá-la.

"Muitos militantes do PS participaram [da luta armada], mas eu não apoiei. Eu sabia que não ia dar certo. A gente faz muita coisa que não dá certo. Não dá certo mas faz. Porque sabe que alguma coisa fica. Ficam pelo menos as cinzas que você pode aproveitar para o futuro".Com o golpe de 64 eu, o [Febus] Gikovate e outros companheiros que combatíamos a direção nacional [do Partido Socialista Brasileiro] estávamos perto de derrubá-la. Ou melhor: nós já estávamos a ponto de assumir a direção, quando o advento do golpe e do regime militar terminou por fechar o partido. Mas o Adhemar [de Barros] me deu aquela entrevista que saiu publicada na Manchete e, paralelamente, me adiantou algumas coisas dos planos deles. […] Ele começou me dizendo assim: "Você tem um amigo no Rio de Janeiro…" E eu respondi: "Eu sei, o senhor sabe tudo. O senhor está falando de Bayard Boiteux…" E o Adhemar emendou: "E ele tem dois irmãos almirantes." De fato, Boiteux era meu companheiro no PS, trotskista, e que depois dirigiu a guerrilha de Caparaó. Os dois almirantes, irmãos dele, eram inimigos de 64 desde o primeiro minuto e Adhemar sabia disso também. Meses depois ele me chamou de novo, em 1966. Pediu que eu fosse sozinho. Eu me reuni com ele lá na avenida São Luís, na casa da amante dele. Ali ele me expôs os seus planos claramente. Disse que 64 tinha implantado uma ditadura que só acabaria quando a gente desse um outro golpe. Disse que era preciso organizar a derrubada do regime militar e me perguntou com que forças eu poderia contar. Eu respondi que não tinha forças, mas tinha possibilidade de contatar outras forças poderosas. "Posso contatar os comunistas e os socialistas com facilidade", eu acrescentei. Ele disse "eu sei, o senhor tem contatos. A minha polícia funcionava no meu tempo". Foi aí que eu contei que era eu que ele tinha tirado da cadeia em 1934 e ele se surpreendeu, pôs a mão na cabeça e se lembrou do caso, satisfeito. "Puxa vida, então era você!". […]

Ele marcou uma segunda reunião e pediu pra que eu levasse o Bayard. Eu o chamei e ele trouxe seus dois irmãos almirantes. Nós nos reunimos na outra casa do Adhemar, na própria avenida São Luís. Aí ele achou que nosso plano não combinava com o dele. Nós queríamos democracia, liberdade sindical, ele achou que era ir muito adiante e [tirou o time de campo]. A gente contribuiu para que o Adhemar desistisse de jogar o país numa nova aventura. "Mas o que vocês estão querendo é uma revolução social!", ele disse no fim da reunião. "Exatamente", nós confirmamos.

Muitos militantes do PS participaram [da luta armada], mas eu não apoiei. Eu sabia que não ia dar certo. A gente faz muita coisa que não dá certo. Não dá certo mas faz. Porque sabe que alguma coisa fica. Ficam pelo menos as cinzas que você pode aproveitar como adubo para o futuro. Mas daquilo não poderia ficar nada. Se tivesse sido maior a participação, teria sido muito maior o massacre. O povo tinha aceitado sem luta o golpe de 64, sem nenhuma luta! O povo estava completamente desarmado! Eu estava aqui, tinha contato com muitos deles, e discordava. Mas eu já era considerado carta fora do baralho. Depois de tudo isso, eu desacreditei completamente das organizações, inclusive das organizações trotskistas.


Trechos extraídos de entrevista a Eugênio Bucci na Revista Teoria e Debate nº 01 (4º trimestre de 1987). Clique para ler a entrevista na íntegra.