Depoimento de Perseu Abramo sobre as ocorrências na Universidade de Brasília
Dizia-se que a Universidade poderia ser invadida e depredada…Por Perseu Abramo*
Outubro de 1964
I. Ação dos professores
Dizia-se que a Universidade poderia ser invadida e depredada…Por Perseu Abramo*
Outubro de 1964
I. Ação dos professores
No dia 1º de abril de 1964, professores, alunos e funcionários da Universidade de Brasília reuniram-se, pela manhã, no pátio de um dos edifícios (FE-5), a fim de tomar conhecimento dos fatos que vinham ocorrendo desde a manhã do dia anterior (sublevação das guarnições militares de Minas Gerais) e dos boatos que, a partir da tarde do dia 31 de março, circulavam pela cidade. Dizia-se que a Universidade poderia ser invadida e depredada, ou que a cidade poderia ficar sitiada durante dias, na eventualidade de uma conflagração militar. Realmente, desde o dia anterior, os postos de gasolina não a distribuíam mais; na manhã do dia 1o o aeroporto estava interditado e sabia-se que havia barreiras nas estradas; parte do comércio estava fechado. Brasília é uma cidade em que a vida cotidiana de seus habitantes depende da vinda de gêneros e combustíveis de outras cidades. Muitos professores tinham suas residências, com esposas e filhos, no próprio campus universitário. Diante dessa situação, decidiram os professores, estudantes e funcionários compor uma comissão encarregada de obter mais informação sobre o andamento dos fatos militares e políticos, e de, principalmente, organizar a vida do campus, no que se referia ao abastecimento de gasolina, de gêneros alimentícios, e à vigilância do patrimônio universitário (residência de professores e funcionários, livros, material escolar, aparelhos e instrumentos). Fizeram parte dessa comissão os seguintes professores: Perseu Abramo e José Albertino Rodrigues, do Setor de Sociologia; Lincoln Ribeiro, do Setor de Política; Carlos Alberto Callou, de Economia, todos do Departamento de Ciências Humanas; Nelson Rossi e Heron de Alencar, do Departamento de Letras; Edgar Graeff, Eustáquio Toledo Machado Filho, José Caldas Zanini, do Curso de Arquitetura e Artes; Antônio Cordeiro, do Departamento de Genética.
Em Brasília, durante todo o dia 1o, circularam os mais desencontrados boatos, Enquanto as rádios locais apresentavam a situação como estando dominada pelo Governo local, as estações de rádio dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, aí captadas, apresentavam-na como constituindo vitória das forças militares que se haviam sublevado. A Capital Federal estava praticamente isolada do resto do País e não havia como conferir as informações. A Comissão que se formara – e que contava com representantes dos funcionários e dos estudantes, além dos professores citados – passou a exercer as funções para as quais havia sido designada: obter mais e mais precisos dados sobre a situação político-militar, requisitar veículos e gasolina dos professores, estudantes e funcionários, adquirir mantimentos e preparar refeições ligeiras para os que se encontravam no campus. Com o objetivo de coletar informações, a Comissão organizou um serviço de escuta em aparelhos de rádio, visitou as sucursais locais dos jornais de São Paulo e Rio e entrou em contato com associações profissionais de Brasília, em suas sedes ou no Teatro Nacional, onde estava concentrada boa parte da população da cidade.
Somente na manhã seguinte é que a Comissão, bem como o restante da população universitária e dos habitantes da cidade tomaram conhecimento de que, durante a noite, o Governo havia sido deposto e assumira o poder o Sr. Ranieri Mazzili [presidente da Câmara dos Deputados].
II – Boatos de intervenção na UnB
Os dias seguintes foram de confusão e apreensão. No dia 2, populares que se encontravam concentrados na Estação Rodoviária iniciaram, espontânea e desorganizadamente, uma passeata pela W-3 [uma das principais avenidas de Brasília], tendo sido barrados na altura do Restaurante GTB por tropas da Polícia do Exército, que fizeram disparos de metralhadoras para o alto.
No dia 3, à noite, correu pela Universidade a informação de que havia mandados de prisão contra os professores, funcionários e estudantes que haviam constituído a Comissão do dia 1o (na manhã desse dia agentes da Polícia Política tentaram prender um dos professores da Comissão; conseguiu-se, porém, que esse professor fosse à Chefia da Polícia, dirigida pelo tenente-coronel Paula Serra, acompanhado do reitor da Universidade, professor Anísio Teixeira, e demais membros da direção da Universidade; algumas horas após voltaram todos para o campus, inclusive o professor que havia sido procurado; nessa ocasião os dirigentes da Polícia prometeram que fariam por intermédio da Reitoria qualquer outra solicitação de presença de professores nas dependências policiais). Apesar do boato de mandado de prisão coletiva que correu nessa noite, não houve, contudo, prisões. Nos dias posteriores, os professores voltaram ao campus a fim de retomarem os trabalhos e as aulas.
Passavam-se os dias e a todo momento corriam rumores sobre a possível intervenção na Universidade; ora dizia-se que o interventor seria o professor Alberto Deodato, da Universidade de Minas Gerais; ora dizia-se que seria interventor algum oficial do Exército; dizia-se, ainda, que seria interventor o deputado Abel Rafael, que nos dois anos anteriores havia feito cerrada campanha contra o que denominava de “subversão no ensino superior de Brasília”. E se dizia, também, que não haveria intervenção, ou que haveria prepostos do Governo em algumas seções da Universidade, como Contabilidade, Tesouraria etc. Por esses dias também se soube que, quando da posse do Sr. Gama e Silva, reitor da Universidade de São Paulo, no Ministério da Educação e da Justiça, no dia 4 de abril, o professor Anísio Teixeira, reitor da UnB, com ele tivera uma palestra a respeito do destino da escola; embora não se conheça o conteúdo dessa conversa, sabe-se que o reitor da UnB saiu dela inteiramente desanimado. No dia 8 de abril realizou-se uma reunião de professores com o reitor Anísio Teixeira e este comunicou que se dirigiria no dia seguinte ao Rio, atendendo a uma convocação do Conselho Federal de Educação, do qual era membro, e onde pretendia levantar o problema da Universidade de Brasília, a fim de que ela fosse preservada, diante da onda de invasões e prisões que havia tomado conta do País desde o dia 1o de abril. Na ausência do professor Anísio Teixeira, assumiria a Reitoria o professor Almir de Castro, vice-reitor, que deveria chegar no dia seguinte do Rio, e enquanto não chegasse o vice-reitor, responderia pela Reitoria o professor Antônio Cordeiro, de Genética.
III – Cerco, invasão, ocupação e prisão
O dia 9 de abril era uma data especialmente significativa para os professores que, compartilhando os sacrifícios com suas famílias, desde o primeiro momento haviam dado o melhor de sua contribuição para a construção de uma Universidade nova na Capital nova: dois anos antes, exatamente nessa mesma data, em dependências do Ministério da Saúde improvisadas em salas, haviam sido dadas as duas primeiras aulas da Universidade de Brasília: a de Direito Constitucional, pelo professor Vitor Nunes Leal, e a de Introdução às Ciências Sociais, pelo professor José Albertino Rodrigues.
Nessa manhã do dia 9 de abril de 1964, vários professores haviam ministrado suas Aulas Maiores, das 7 às 9 horas, enquanto outros se encontravam em suas salas de trabalho, preparando as aulas dos dias seguintes ou realizando pesquisas. Às 9:30 horas, os que estávamos no prédio da Reitoria, encaminhando-nos para as salas de aula ou de trabalho, avistamos carros com policiais e soldados que cercavam o campus. As viaturas circundaram a área construída da Universidade e desembarcaram os homens, que, de vários pontos, se aproximaram, alguns de rastros, todos armados, em direção ao prédio central da Reitoria. Em menos de dez minutos, os comandantes civil e militar da operação bélica se aproximaram da entrada da Reitoria, onde foram recebidos pelo advogado da escola, Dr. Sérgio Coelho. A Universidade foi cercada, invadida e ocupada por cerca de 900 homens: 750 da Polícia Militar de Minas e 150 da Polícia Política da Capital Federal. As tropas foram levadas à Universidade em 14 ônibus requisitados de empresas rodoviárias interestaduais, e mais quatro caminhões de transporte da Polícia Militar mineira. Acompanhavam as tropas quatro ambulâncias, diversos carros de radiopatrulha e carros-prisão, aparelhamento completo de rádio de campanha, com receptores e transmissores; a maior parte dos soldados estava armada de fuzis com baionetas caladas; havia numerosos armados com metralhadoras portáteis; havia, visíveis, algumas metralhadoras pesadas de tripé; os agentes da Polícia Política estavam visivelmente armados com revólveres, A operação bélica teve uma falha, que foi posteriormente apontada por um dos diretores ao comandante da Polícia Militar de Minas: ao cercarem o campus, as tropas esqueceram-se de circundar o prédio do Departamento de Matemática, que se acha construído em local um pouco afastado dos demais prédios.
Através de um contramestre de construção, empregado de uma das firmas construtoras empreitadas pela Universidade – e que foi preso na ocasião, ao deixar o serviço e dirigir-se para casa, tendo por isso de atravessar o campus – ficamos sabendo que as transmissões que os comandantes dos diversos grupos (que, de diversos pontos, convergiam, rastejando, para o prédio da Reitoria) faziam entre si era do seguinte teor: “Eles estão recuando!”. “Nós estamos avançando”. “Estamos conquistando terreno”.
Ao chegarem ao prédio da Reitoria os comandantes civil e militar da operação bélica, acompanhados de dezenas de soldados e investigadores armados, adiantou-se o delegado Ladeira, que fora da Polícia de Belo Horizonte, e entregou uma lista de nomes ao Reitor em exercício, professor Almir de Castro. Dessa lista constavam, entre outros, os nomes dos seguintes professores: Oscar Niemeyer, coordenador do CEPLAN (Centro de Estudos e Planejamento de Arquitetura e Urbanismo); Cláudio Santoro, coordenador do Departamento de Música; José Santiago Naud, do Centro de Estudos Portugueses; Heron de Alencar, secretário do Departamento de Letras; Edgar de Albuquerque Graeff, coordenador do Curso de Arquitetura e professor de Teoria da Arquitetura; Eustáquio de Toledo Machado Filho, professor de Tecnologia das Construções e encarregado de organizar o Instituto do mesmo nome; José Caldas Zanini, do Instituto de Artes e encarregado da organização de um museu desse Instituto; Ítalo Campofiorito, do CEPLAN e substituto do coordenador do Instituto Central de Artes; Nelson Rossi, responsável pelo Setor de Língua Portuguesa; José Guilherme Vilela, ex-instrutor do Setor de Direito; José Paulo Sepúlveda Pertence, auxiliar de curso do Setor de Direito e promotor público; Lincoln Ribeiro, secretário do Setor de Ciência Política, do Departamento de Ciências Humanas; Perseu Abramo, professor responsável pela disciplina Sociologia do Trabalho do Setor de Sociologia; José Albertino Rodrigues, professor responsável pela disciplina Sociologia Urbana e secretário do Setor de Sociologia; Hélio Pontes, secretário do Setor de Administração e vice-coordenador do Departamento de Ciências Humanas; Ramiro de Araújo Porto Alegre, professor de Física; Glênio Bianchetti, professor de Desenho e Gravura do Instituto de Artes. Além dos professores citados, a lista continha ainda, sem designação dos nomes, indicação dos diretores dos Diretórios Estudantis de Letras, Artes, Direito, Administração e Economia da Universidade.
O delegado Ladeira ordenou ao reitor em exercício que convocasse as pessoas constantes da lista, as quais deveriam ser conduzidas para prestar esclarecimentos. O reitor, através dos seus auxiliares, solicitou a presença dos professores, muitos dos quais já se encontravam na sala da Reitoria, e mandou buscar em suas salas de trabalho ou em suas residências, os demais, ao mesmo tempo em que comunicava que alguns – como os professores Heron de Alencar, Oscar Niemeyer e Cláudio Santoro – não se encontravam no momento em Brasília. O professor auxiliar José Paulo S. Pertence, alegando sua condição de promotor, declarou que não poderia obedecer à ordem do delegado Ladeira, pois tinha instruções específicas para apresentar-se, em situação como aquela, ao seu superior na magistratura. A ponderação não foi aceita e o professor Pertence foi conduzido preso com os demais professores que estavam no local e que eram os seguintes, além do citado promotor: Eustáquio de Toledo, Ítalo Campofiorito, Lincoln Ribeiro, Perseu Abramo, Ramiro de Araújo Porto Alegre, José Albertino Rodrigues, Glênio Bianchetti.
O diretor do Instituto de Teologia da Universidade de Brasília, frei Mateus Rocha, superior da Ordem dos Dominicanos, reivindicou o direito de acompanhar os professores, o que, depois de muitas oposições por parte do delegado e do comandante militar, foi aceito. Cerca de 10:30 horas, escoltados por soldados armados de baioneta e agentes da Polícia Política, os professores, acompanhados de frei Mateus Rocha e de alguns dirigentes dos Diretórios Estudantis, foram embarcados num ônibus e conduzidos ao Teatro Nacional, onde estavam aquarteladas as tropas da Polícia Militar de Minas Gerais, O embarque fez-se diante de centenas de estudantes, professores e funcionários calados, vigiados por soldados e investigadores. Durante o resto do dia, professores que não se encontravam na Universidade foram conduzidos por diretores, da Escola ao Teatro nacional, e às 17:30 horas, os estudantes, depois de ouvirem o sermão de um oficial, foram liberados. Assim foram presos no dia 9 os seguintes professores, em número de 13: Edgar Graeff, Eustáquio Toledo, José Caldas Zanini, Ítalo Campofiorito, Nelson Rossi, José Paulo Pertence, Lincoln Ribeiro, Perseu Abramo, José Albertino Rodrigues, Hélio Pontes, Ramiro de Porto Alegre, Glênio Bianchetti e o ex-professor José Guilherme Vilela.
No Teatro Nacional
O ônibus conduzindo os professores e estudantes chegou ao Teatro Nacional às 10:45 horas. A maior parte dos professores e alunos estava convencida de que – como fora declarado pelo delegado Ladeira – deveriam apenas prestar alguns esclarecimentos às autoridades e, em uma ou duas horas, estariam novamente livres. Em nenhum momento, na Universidade, no ônibus ou no Teatro Nacional, lhes fora dito que estavam ou seriam presos, ou lhes fora feita alguma acusação, genérica ou específica.
No Teatro Nacional os professores e alunos ficaram, acompanhados de frei Mateus, num estreito e curto corredor, ao rés do chão, onde havia algumas cadeiras, e que estava separado do pátio por uma parede de tábuas colocadas verticalmente a intervalos regulares. Num dos cantos do corredor havia um soldado com uma metralhadora portátil apontada para nós. No outro extremo, que separava o corredor de uma área interna onde diversos soldados descansavam ou conversavam, havia duas sentinelas armadas de fuzis com baionetas e, pouco mais atrás, uma metralhadora pesada, montada sobre um tripé, guardada por um artilheiro, apontava para o local onde estávamos sentados. Essa situação durou até cerca de 23 horas. Durante o dia ocorreram os seguintes fatos de relevância: 1) depois de ser chamado a um canto por um investigador, e ser inquirido por cerca de meia hora, o frei Mateus Rocha foi obrigado a retirar-se do Teatro Nacional; 2) um soldado ordenou que exibíssemos nossas carteiras de identificação e elaborou uma relação com nossos nomes, endereços, filiação, idade, número da carteira de identidade e cidade de procedência; 3) durante o dia chegaram acompanhados de funcionários da UnB os professores cujos nomes se encontravam na lista e que não estavam de manhã no campus; 4) quando necessitávamos usar as privadas, éramos conduzidos de um em um por sentinelas; 5) um alto oficial da Polícia do Exército do Distrito Federal dirigiu-se até o corredor e procurou entabular conversação com os presos, tentando dirigir a conversa no sentido de obter informações ou declarações contrárias ao que qualificou de “verdadeiros cabeças”, referindo-se aos professores Darcy Ribeiro e Waldir Pires; 6) posteriormente, o comandante da Polícia Militar de Minas procurou fazer o mesmo; 7) cerca das 16:30 horas, foi servida aos presos uma porção da refeição dos soldados; 8) às 17:30 horas. os estudantes, em número de quatro, foram chamados para fora do corredor, e, após terem ouvido alguns oficiais durante 10 minutos, foram conduzidos para fora do Teatro e foram liberados; 9) um grupo de pessoas à paisana aproximou-se do corredor e ficou vários minutos observando os presos; 10) pouco antes das 23 horas, um oficial da Polícia do Exército apareceu na porta de comunicação entre o corredor e o pátio externo além do sentinela e começou a chamar os professores, pelo nome, um por um.
Julgamos, então, que finalmente iríamos prestar as declarações e que em seguida iríamos ser liberados.
Transporte para o quartel
Cada um de nós, ao ouvir seu nome pronunciado pelo oficial da Polícia do Exército dirigia-se para a porta de comunicação com o pátio externo.
Ao sair da porta, vimo-nos diante de uma escolta de cerca de oito ou dez soldados armados de fuzis com baionetas, que nos cercavam e nos conduziam, um por um, em passo acelerado, até um ônibus que estava estacionado a cerca de 20 metros, atrás de uma construção. No caminho ia a escolta nos incitando a andar depressa por meio de empurrões e ou cotucando-nos as costas com a ponta da baioneta. Ao chegarmos próximos do ônibus, uma guarda de soldados com baionetas e metralhadoras portáteis nos apressava a entrada no veículo enquanto nos dirigia provocações e ameaças do seguinte jaez: “Esses são comunistas. Vão todos para o paredão”. “Vamos acabar com a raça deles”. “Vamos arrancar o bigode daquele ali”. “Estes não escapam” etc.
Ao entrar no ônibus, um por um, éramos obrigados, por um oficial com a metralhadora apontada para nós, que se encontrava dentro do veículo, a sentarmos aos pares nos bancos da ala direita. Em cada banco da ala esquerda, um soldado apontava seu fuzil com baioneta para nossos corpos. No fundo do ônibus um oficial apontava para nossas cabeças sua metralhadora. Num banco individual ao lado do motorista, que era militar, um indivíduo à paisana, de revólver na cintura. O oficial que estava perto do motorista nos apontava a metralhadora e nos dirigia ameaças. A um professor que teve um momento de riso nervoso, o oficial gritou: “Cale a boca! Aqui não se ri”. Quando todos os 13 professores estavam sentados no ônibus, foi chamado o tenente Ribamar, da Polícia do Exército, que entrou no veículo armado de metralhadora; um oficial disse-lhe para fechar as janelas do ônibus, “se não os professores poderiam tentar fugir”. O tenente Ribamar respondeu: “Melhor; deixa fugir, quem fugir vai morrer fugindo”.
O ônibus dirigiu-se ao quartel da Polícia Militar do DF, que fica situado no setor militar, no bairro do Cruzeiro.
Nós então não sabíamos, mas nessa noite estava sendo editado o Ato Institucional no 1, que define o Novo Regime Político vigente no País.
A primeira noite no quartel
Ao chegar ao quartel, cerca de meia-noite, fomos obrigados a descer e, acompanhados da escolta de soldados armados de fuzis e baionetas e fuzis metralhadoras, fomos levados à sala da guarda, que mede três por três metros e onde havia uma cama e alguns colchões no chão. Lá dentro ficamos com quatro sentinelas armados. Cerca de meia hora depois, foram conduzidos para dentro da sala, além dos quatro sentinelas e dos 13 professores, mais quatro pessoas que, inicialmente nos pareceram investigadores, mas que logo percebemos tratar-se de presos: um médico do Hospital Distrital, um funcionário da Justiça, um funcionário dos Correios e um funcionário público. Soubemos depois que eles haviam sido presos no dia anterior, na Polícia Política, e dois deles estavam sem comer havia mais de 20 horas.
Cerca de uma hora da madrugada, o tenente Amarcy, da Polícia do Exército, ordenou que uma escolta de soldados armados nos conduzisse um a um para o pátio externo, onde já se encontravam cabos, sargentos e numerosos soldados armados. Nesse pátio externo fomos obrigados a nos despir por completo, inclusive a tirar os sapatos, a fim de que revistassem nossas roupas; todos os nossos documentos e demais papéis, cartas ou carteiras, foram tomados. A maior parte de nós estava vestida apenas com uma calça e uma camisa, pois havíamos sido presos na manhã do dia 9. Um dos professores encontrou bastante dificuldade para despir-se, pois havia sofrido um desastre de automóvel alguns meses antes e estava com o pé e parte da perna engessados.
Por acaso, no momento em que se fazia essa revista, chegou ao pátio um automóvel conduzindo funcionários da Embaixada Inglesa, e tiveram de presenciar, a certa distância, o que se passava.
Depois da revista tornamos a nos vestir e fomos novamente conduzidos para a Sala da Guarda, com sentinelas. Meia hora depois foram retirados da sala os colchões que estavam no chão. Pouco depois alguns soldados vieram depositar na sala uma metralhadora pesada, montada sobre um tripé, apontada para as paredes em que nos encontrávamos encostados; alguns minutos depois dois soldados colocaram, ao lado da metralhadora, caixas de munições.
Depois das duas horas da madrugada uma escolta nos conduziu para fora da Sala da Guarda e nos obrigou a entrar numa das salas que compõem uma das alas do quartel: a Sala de Alarme. Esta sala mede dois metros por três, tem chão de cimento, duas paredes laterais de alvenaria e duas outras paredes, opostas entre si, de barras horizontais de metal colocadas de forma a ficarem ligeiramente distanciadas umas das outras. Na sala havia quatro colchões e duas lonas de tenda de campanha; éramos, então, 17 presos. Ao entrarmos na cela improvisada, a porta foi trancada do lado de fora, e, durante toda a noite, diante de cada uma das portas gradeadas, uma sentinela armada ainda montou guarda. Durante a noite um oficial retirou da cela o professor José Paulo Pertence e o conduziu para fora (soubemos, semanas depois, que ele fora liberado do quartel nesse momento e colocado sob custódia de uma autoridade judiciária). Pouco depois o mesmo aconteceu com o professor Hélio Pontes, que estava com o pé engessado, e que recebeu ordem de permanecer em sua residência. Durante a noite, ainda, foi colocado em nossa cela mais um preso, que depois soubemos ser um operário da construção que havia sido preso no campus da Universidade, por ser parecido com uma pessoa que estava sendo procurada pela Polícia. Um dos professores que estava resfriado, teve febre alta durante toda a noite, em virtude da falta de agasalho, da falta de colchão e do vento que circulava livremente através da parede de barras metálicas. Às vezes soldados aproximavam-se dessas grades, do lado de fora da cela, e nos dirigiam provocações e ameaças.
Cerca de 9 horas da manhã do dia seguinte, quando a maior parte de nós estava há 24 horas com apenas uma refeição (a do Teatro Nacional, de tarde) e outros há mais de 32 horas sem nada comer, uma escolta nos conduziu para o rancho dos soldados, onde nos foi servida uma caneca de café com leite e um pedaço de pão.
Quinze dias de prisão
Através das frestas das duas paredes metálicas observávamos o movimento do quartel. Verificamos que havia centenas de presos amontoados no galpão que servia de garagem ao quartel. Esse galpão era constituído de um telhado consideravelmente alto e, à guisa de uma parede, tinha portas levadiças que mal se ajustavam ao chão; no outro lado não havia qualquer parede. Nesse galpão aberto, centenas de moradores das cidades satélites ficaram presos durante pelo menos dois meses: eram na maior parte trabalhadores desempregados e alguns dirigentes sindicais; dormiam no chão sobre velhos colchões ou esteiras ou sobre folhas de jornal.
Observamos também o aparecimento de membros da diretoria da Universidade, que procuravam saber de nosso paradeiro e demais informações. Utilizamo-nos de um recurso: um de nós pediu ao sentinela que o levasse à privada, localizada numa ala do quartel situada no outro extremo do pátio; como só podíamos abandonar a cela escoltados por um sentinela de baioneta em punho, um diretor da Universidade conseguiu, assim, ver com os próprios olhos que nos encontrávamos presos no quartel. Mais tarde, nesse mesmo dia, 10 de abril, as esposas de muitos de nós também foram ao quartel e conseguiram nos enviar agasalhos e um pouco de chocolate e biscoitos. Mas continuávamos inteiramente incomunicáveis, também em relação aos demais presos.
Dois dias depois fomos novamente identificados, fornecendo a um oficial, nome, documentos de identificação (que nos haviam sido devolvidos), endereço, procedência e filiação. No sábado pela manhã, dia 11, fomos transferidos para uma sala maior, em outra ala, com um vitrô alto por onde entrava ar a e luz, e uma única porta de comunicação, de madeira. A essa altura éramos 17 presos, pois na noite de sexta-feira para sábado havia sido colocado na Sala de Alarme um comerciante da Cidade Livre. A partir da semana seguinte foram regulamentadas as visitas das esposas e de amigos dos presos, às segundas e quintas-feiras, durante cinco minutos. As visitas, contudo, só começaram no dia 16, uma semana depois da nossa prisão, quando já então havíamos sido ouvidos em depoimento. Comíamos no rancho dos sargentos, pouco após a refeição para o pessoal militar. Verificamos que havia no quartel três Companhias de presos: a 1a que era na garagem, com o pessoal das Cidades Satélites; a 2ª, que era a nossa; e a 3ª com o pessoal ligado à Casa Civil do presidente Goulart. Ficávamos o dia inteiro na cela, fechados; saíamos coletivamente três vezes por dia, de manhã para o café, para o almoço e para o jantar. Às vezes, dependendo da boa vontade do oficial do dia, ficávamos de 5 a 10 minutos no pátio depois do café, para tomar um pouco de sol; para irmos à privada íamos individualmente, acompanhados de sentinelas armados; no dia 17, oito dias depois da nossa prisão fomos autorizados a tomar um banho de chuveiro; depois dessa data tomávamos banho a cada três ou quatro dias. Na semana seguinte à nossa prisão, recebemos alguns jornais, depois livros e depois um transístor. Às vezes, no pátio ou no refeitório, podíamos conversar com alguns presos de outras companhias. Nossas esposas enviavam regularmente alimentos e roupa e às vezes enviávamos um pouco de biscoitos e doces, bem como cigarros, aos candangos presos na primeira companhia. Às vezes éramos impedidos de dirigir a palavra aos presos das demais celas ou a um ou outro preso especial, como foi o caso do juiz Joffily, que ficou muitos dias inteiramente incomunicável. Os nossos horários eram regulados de modo a que não tivéssemos qualquer contato com as três ou quatro mulheres que também ficaram presas nesse período no quartel da Polícia Militar. A composição dos presos da 2ª Companhia mudou durante os 17 dias em que os professores estiveram presos; alguns foram transferidos de salas ou de companhias; outros foram liberados. Dos 13 professores presos, foi liberado antes dos 17 dias apenas um, que, no depoimento, mostrou ter sido preso por mero acaso, em virtude de uma confusão de nomes: tratava-se do ex-instrutor José Guilherme Vilela, que, mesmo assim, permaneceu na prisão quase 15 dias.
Durante todo esse período fomos interrogados uma única vez: no dia 13, logo depois do jantar, fomos chamados, individualmente ou aos pares, a uma sala do quartel, onde agentes da Polícia Política de Brasília tomaram nossos depoimentos. O interrogatório dos agentes do DOPS era freqüentemente interrompido por perguntas e observações de oficiais do Exército. Ficamos sabendo, então, que estávamos sendo ouvidos em Inquérito presidido pelo delegado João Perfeito. O tempo de depoimento variou de uma a duas ou três horas para cada professor: não nos foi feita formalmente nenhuma acusação nem nos foi explicado porque estávamos presos, embora insistíssemos nessa pergunta. Os depoimentos foram datilografados e foram assinados por nós; depois de respondido o interrogatório fomos identificados e fichados em formulário do Serviço Nacional de Identificação, em que deixamos impressão digital, fotografia, dados pessoais. Ficamos, então sabendo que estávamos sendo qualificados como “agentes subversivos”, acusados de “crime continuado contra a Segurança do Estado”, e, finalmente, que estávamos incursos como infratores da Lei 1.802 de 5 de janeiro de 1953 (Lei de Segurança Nacional). Em nenhum momento nos foi dada qualquer explicação formal de acusações capazes de justificar essa qualificação.
Com pequenas variações as perguntas feitas no interrogatório giraram sobre os seguinte itens: 1) existência de armas na UnB (Universidade de Brasília); existência de material subversivo, livros marxistas, folhetos, fotografias e filmes sobre Cuba e outros países estrangeiros; 2) forma de recrutamento dos professores pelo ex-reitor Darcy Ribeiro, ligações pessoais dos professores com o professor Darcy Ribeiro, antes e depois da admissão na Universidade de Brasília; 3) matérias lecionadas pelos professores, assuntos tratados; recebimento, por parte dos professores, de diretivas expressas do reitor Darcy Ribeiro sobre orientação ideológica a dar nas aulas; reuniões políticas entre o reitor Darcy Ribeiro e os professores; 4) existência de grupos políticos na Universidade; identificação dos professores comunistas ou subversivos, ou marxistas, na Universidade; existência de movimentos reivindicatórios e de líderes dentre os professores e estudantes; 5) comportamento moral do professor Darcy Ribeiro; atitudes pessoais do professor Darcy Ribeiro antes e depois de ter assumido a Chefia da Casa Civil da Presidência; roubo, pelo professor Darcy Ribeiro, de 300 milhões de cruzeiros no dia em que fora deposto o presidente Goulart; 6) assinatura, pelos professores, de manifestos políticos nos dois anos anteriores; vida pregressa, profissional e política dos professores, viagens, participação em congressos, trabalhos publicados pelos professores; recebimento, por parte dos professores, de publicações estrangeiras, existência de folhetos de Cuba e Pequim na Biblioteca da Universidade; 7) opiniões pessoais dos professores sobre assuntos políticos, ideológicos e filosóficos, bem como sobre declarações de antigos governantes.
As insinuações implícitas nas perguntas feitas aos professores formavam um quadro completamente fora da realidade vigente da Universidade de Brasília nos seus dois anos de existência.
Depois de prestarmos depoimento e sermos fichados e identificados, tivemos, ainda, de preencher uma Ficha Adicional, chamada Ficha de Vida Pregressa, onde fomos obrigados a responder perguntas sobre nossa religião, nossa ideologia, nossa formação profissional, empregos anteriores, participação ou filiação a partidos políticos etc.
Durante a nossa prisão recebemos por duas vezes a visita de autoridades: a primeira vez, alguns dia após a prisão, a visita de altos oficiais do quartel, que abriram a porta por alguns momentos e nos dirigiram a palavra incitando-nos a “apontar os verdadeiros responsáveis, que a essa hora estavam em luxuosíssimos hotéis no Exterior, enquanto nós estávamos ali na cela”. A segunda vez, poucos dias antes da nossa libertação, recebemos a visita do tenente-coronel Paula Serra, chefe da Polícia do Distrito Federal, que nos deu a entender que seríamos em breve libertados pois não havia nada de muito grave contra nós.
No dia 23 de abril, as autoridades liberaram cerca de 15 presos do quartel, entre os quais quatro professores; nos três dias seguintes foram liberados, com outros presos, os restantes professores.
Ao sermos liberados, fomos obrigados a assinar um compromisso com o presidente do inquérito, mediante o qual ficamos impedidos de nos ausentar da Capital Federal ou de alterarmos a nossa residência “sem prévia e expressa autorização”. Além desse compromisso escrito, um alto oficial nos declarou que não poderíamos participar de reuniões e nem entrar em contato com pessoas que estavam ou haviam estado presas e com as demais pessoas suspeitas.
IV – A intervenção na Universidade
Enquanto nós estávamos presos, passaram-se na Universidade, os seguinte fatos: no mesmo dia 9, após algumas horas, retiraram-se do campus as tropas militares e policiais; permaneceram, todavia, diversos soldados armados que interditaram diversos prédios, notadamente o barracão onde funcionava o Serviço de Mecanografia e onde estavam os esquemas de aula e os textos de leitura, e o prédio SG-12, onde funcionavam a Biblioteca Central e as salas de trabalho dos professores de Ciências Humanas. Essas dependências universitárias ficaram interditadas cerca de 15 dias; os professores, embora continuassem a dar precariamente algumas aulas, não podiam utilizar-se das suas salas de trabalho nem de seus livros ou de material de estudo. Os livros da Biblioteca e os papéis e livros das salas de trabalho foram totalmente revistados: foram também revistados numerosos outros setores da Universidade. Dessa busca resultou a apreensão de uma bandeira do Japão (utilizada no ano anterior durante uma exposição de gravuras de artistas japoneses) e que foi anunciada como sendo da China Comunista; um facão de mato do professor de lingüística, utilizado nas suas pesquisas de campo com populações indígenas; um revólver do século passado, encontrado por um professor de Arte numa antiquíssima cidade de Goiás; folhetos e revistas; dos livros separados como subversivos na Biblioteca constavam: “Le Rouge et le Noir”, de Stendhal; “O Círculo Vermelho”, de Conan Doyle; “A Revolução Francesa”, de Carlyle, e um álbum do arquiteto Le Corbusier, confundido com Roland Corbisier, e que, ao ser folheado, provocava as seguintes exclamações dos oficiais: “Olha como se tratam esses comunistas! Olha as casas que eles têm. “A busca efetuada no dia 13 na casa de um dos professores que estavam presos no quartel produziu o seguinte material: dois cartões postais de Cuba; o livro de Bertrand Russell “Porque não sou cristão”; um texto mimeografado que fora utilizado num seminário promovido pelo Setor de Sociologia, intitulado “Sobre Artesania Intelectual”, de Wrigth Mills; um livro de urbanismo, de autores norte-americanos, intitulado “Comunitas”. Durante o período de ocupação da Universidade, que se prolongou por duas semanas, os corredores e pátios do campus eram percorridos por policiais e militares à paisana. Durante esse período, também, as mulheres dos professores presos procuraram várias autoridades policiais e militares, bem como o ministro da Justiça, a fim de obter informações sobre a libertação dos presos, ou sobre a sua transferência para os navios-prisão, que se anunciava insistentemente na Universidade.
No dia 13 de abril, quatro dias depois da invasão e ocupação da Universidade e da prisão dos professores, o presidente Mazzili decretou a extinção do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília, bem como a destituição do reitor, professor Anísio Teixeira, e do vice-reitor, professor Almir de Castro. No mesmo dia o ministro da Justiça e da Educação, professor Gama e Silva, pela portaria ministerial nº 224, publicada no Diário Oficial do Executivo Federal de 13/4/64, decretou ad referendum do Conselho Federal de Educação a intervenção na Universidade de Brasília e designou interventor o professor Zeferino Vaz, sob a designação de “reitor pro tempore”. No dia 27 de abril, o Conselho Federal de Educação apreciou e aprovou parecer do conselheiro Clóvis Salgado nos seguintes termos: “Recomposição imediata dos órgãos diretores da Fundação e da Universidade, de acordo com a Lei 3.998 de 15/12/61 (essa lei instituiu a Universidade de Brasília). Os membros e suplentes do Conselho Diretor serão nomeados livremente pelo presidente da República, na forma do § 1º do art. 8º como se fora o primeiro Conselho Diretor. O novo Conselho Diretor elegerá o reitor e o vice-reitor (§. 1º do art.7º e art. 12). Os futuros dirigentes, nomeados pelo novo Governo, estariam em condições de apurar as irregularidades porventura existentes e de normalizar a vida na Universidade”. Além desse parecer, o relator Clóvis Salgado reconheceu, como fatos consumados oriundos do Ato Institucional, a intervenção na Universidade e a extinção do mandato dos conselheiros.
A primeira parte das recomendações do parecer do Conselho Federal de Educação – nomeação do novo Conselho Diretor da Fundação e eleição de novo reitor – somente foi feita no mês de junho. Antes dessa providência e antes da execução das recomendações finais (os futuros dirigentes… estariam em condições de apurar as irregularidades porventura existentes…), o interventor Zeferino Vaz demitiu 13 professores e numerosos funcionários. As de missões ocorreram entre os dias 9 e 15 de maio de 1964.
V – A demissão dos professores
O Sr. Zeferino Vaz assumiu a interventoria da Universidade de Brasília uma semana antes da liberação dos professores presos. Nesse período, deu várias declarações à Imprensa e fez vários pronunciamentos dentro da Universidade a professores e alunos. Esses pronunciamentos e essas declarações giraram em torno dos seguintes pontos: 1) que pretendia continuar a obra do professor Darcy Ribeiro; 2) que conhecia e admirava o plano da Universidade de Brasília, tendo dele participado, e tendo sido mesmo convidado a dirigir a futura Escola de Medicina da Universidade; 3) que, embora não admitisse doutrinação por parte de professores, compreendia que numa Universidade houvesse exposição e debates ideológicos e que, portanto, não faria qualquer expurgo ideológico na Universidade de Brasília; 4) que, por três vezes, havia recusado a Reitoria da Universidade de São Paulo porque preferia o trabalho intelectual e de pesquisa às tarefas administrativas escolares; 5) que sabia contar a UnB com grandes nomes no campo da ciência e da cultura.
Essas declarações foram bem recebidas pelos professores e alunos, bem como pelos professores que estavam presos e que delas tomavam conhecimento através da leitura dos jornais ou de informações de amigos.
Todavia, no dia 28 de abril, os professores que haviam sido presos procuraram o Sr. Zeferino Vaz, em sua sala, a fim de lhe pedir que a Universidade constituísse um advogado para a eventual defesa dos professores em juízo, uma vez que eles se achavam incursos em inquérito policial-militar. Na ocasião, o interventor repetiu, em linhas gerais, as declarações que estão citadas acima, com três modificações: 1) fez várias críticas à obra do ex-reitor Darcy Ribeiro; 2) declarou que havia consultado os currículos dos professores da UnB e verificado a existência de muitos professores medíocres; 3) que não iria permitir qualquer espécie de doutrinação ideológica na Universidade. Além disso, o interventor recusou-se a prometer que iria constituir um advogado para defesa dos professres em juízo.
Alguns dias depois, o Sr. Zeferino Vaz partiu para São Paulo, onde fez declarações aos jornais (Folha) afirmando que na Universidade de Brasília havia numerosos professores incompetentes e muitos agitadores. Nesse meio tempo, em Brasília, o deputado federal Abel Rafael fez um discurso na Câmara exigindo o expurgo ideológico na Universidade de Brasília. O discurso do deputado Abel Rafael, publicado nos jornais na ocasião, afirmava, entre outras coisas, o seguinte: 1) ele possuía as fichas de todos os professores da Universidade de Brasília e poderia exibi-las ao interventor, se este não as tivesse; 2) estranhava as declarações do interventor de que admirava a obra de Darcy Ribeiro e insinuava que o próprio Sr. Zeferino Vaz seria um homem suspeito aos olhos dos novos dirigentes; 3) que, dentro de 30 dias, o interventor deveria fazer o expurgo ideológico da Universidade de Brasília porque “se ele, Zeferino Vaz, não desejava o cargo de reitor, havia outros que o desejavam”.
De volta a Brasília o interventor procurou o deputado Abel Rafael e com ele conversou demoradamente, na enfermaria do Congresso, onde o parlamentar havia sido internado em virtude de uma crise hepática.
A questão da incompetência
Alguns dia depois realizou-se na Universidade uma reunião entre o interventor e coordenadores e secretários de curso, com exceção dos professores que haviam sido presos. Nessa reunião alguns coordenadores estranharam as declarações feitas pelo interventor, em São Paulo, a respeito da existência de incompetência. Argumentaram que o problema da competência universitária só pode ser resolvido com a aplicação objetiva de critérios válidos de avaliação de títulos e da “performance” profissional dos professores; que os Estatutos e Regulamentos da Universidade de Brasília exigiam a prestação periódica de provas (dissertações de Mestrado e Teses de Doutoramento para professores assistentes e associados) e a exibição de títulos; que havia organismos compostos de professores da Universidade incumbidos de elaborar os regimentos de apresentação das teses, uma vez que elas deveriam – como fora estabelecido por ocasião da instalação da escola – ser apresentadas no decorrer de 1964 e 1965; que os prazos para apresentação das Dissertações de Mestrado deveriam ocorrer em junho e julho, os de Teses de Doutoramento para professores associados no fim de 1964 e os de Teses de Doutoramento para professores assistentes em meados de 1965; e que, portanto, qualquer apreciação sobre a incompetência ou competência dos professores antes desses prazos era extemporânea. Terminaram alguns coordenadores por solicitar que o interventor desmentisse publicamente as declarações feitas aos jornais e aguardasse esses prazos para então dispensar os professores ou instrutores que se revelassem incompetentes. O interventor não desmentiu as informações e anunciou que dispensaria vários professores, sem nomeá-los, por incompetência e agitação subversiva. Alguns coordenadores pediram então que, pelo menos, essas dispensas se distanciassem no tempo, uma vez que julgavam preferirem os dispensados “não serem confundidos, uns, com os incompetentes, outros, com os subversivos”. O interventor prometeu que faria a dispensa em dois momentos. Essa reunião se realizou numa sexta-feira à tarde, dia 8 de maio.
No sábado, dia 9 de maio, na parte da manhã, o Sr. Zeferino Vaz avistou-se, no Hotel Nacional – onde estava hospedado – com representantes de várias empresas jornalísticas de São Paulo e lhes exibiu uma lista com 36 nomes de professores, funcionários e estudantes que, disse, “pretendia demitir da Universidade”.
No sábado à tarde, depois de encerrado o expediente da Universidade, o interventor assinou e enviou ao Gabinete do ministro da Educação um ato demitindo nove professores; em seguida enviou um ofício ao Diretor Executivo da Fundação Universidade de Brasília comunicando “que decidi dispensar por conveniência da administração”, os professores Francisco Heron de Alencar, José Albertino Rodrigues, Eustáquio de Toledo Filho, Lincoln Ribeiro, Perseu Abramo, José Zanini Caldas, Edgar de Albuquerque Graeff, Ruy Mauro de Araújo Marini e Jairo Simões. O ofício determina, ainda, “aos órgãos competentes que efetivem as dispensas comunicadas pelo presente, promovendo a devida notificação aos interessados, aos quais concedo o prazo de 30 dias para desocuparem as unidades residenciais de propriedade desta Fundação ou que lhes foram alugadas através da mesma e autorizo o pagamento das indenizações que couberem, na forma da legislação trabalhista”.
Em seguida, o Sr. Zeferino Vaz dirigiu-se ao aeroporto de Brasília e embarcou num avião que o levou a São Paulo.
Os professores foram oficialmente notificados da demissão na segunda-feira seguinte, 11 de maio, quando receberam do Serviço de Pessoal da Universidade um Recibo de Quitação Geral, assinado pelos professores, pelo diretor administrativo e pelo chefe do Serviço de Pessoal. Com esse documento foi homologada a demissão na Divisão de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Previdência Social no dia 13 de maio às 17 horas.
Na mesma semana foram, da mesma forma e por ofícios semelhantes, dispensados mais os seguinte professores: Álvaro Fortes Santiago, José Cesar Aprilanti Gnaccarini, Theotônio dos Santos Júnior e Alfredo Rondon de Castro. Na semana seguinte foram demitidos vários funcionários.
Reações de professores e alunos
Ao saberem da demissão dos colegas, os professores procuraram encontrar uma forma universitária de objeção, principalmente porque: 1) não encontraram qualquer critério lógico de coerência interna na lista dos demitidos; 2) as declarações dadas pelo interventor ao assumir a intervenção não faziam prever esse desfecho; 3) as acusações genéricas de incompetência e agitação subversiva e doutrinação em aula, feitas pelo interventor, não haviam sido desmentidas, e o ônus das suspeitas contidas na acusação era agora carregado sobre os professores demitidos. Todavia, não se encontrou qualquer forma de reação dentro dos quadros universitários, porque, embora a estrutura da Universidade de Brasília fosse baseada sobre a existência de Departamentos e das deliberações desses órgãos e de outros órgãos colegiados, as providências tomadas pelo interventor não foram dadas nem à discussão nem ao conhecimento desses órgãos. Vale notar que, no que se refere aos professores que tinham sido presos, após a liberação, haviam voltado a dar aulas e realizar trabalhos na Universidade até o dia da demissão.
Muitos professores então preferiram demitir-se espontaneamente da Universidade, por não concordarem com a quebra flagrante da autonomia departamental e universitária; dezenas de alunos também manifestaram o propósito de abandonar a escola. Imediatamente correu o rumor de que os professores que se demitissem ou os estudantes que trancassem matrícula seriam indiciados em inquérito e presos; o interventor ordenou à Secretaria dos Cursos que elaborasse uma lista dos alunos que, a essa altura, já haviam entregue seus pedidos de cancelamento ou suspensão de matrículas. Um dos professores demitidos, que não havia sido preso no dia 9, foi então detido e levado à Secretaria de Segurança Pública, onde permaneceu várias horas e onde foi qualificado como incurso da Lei de Segurança Nacional. Um professor decidiu suspender as suas aulas e fez ler, em classe, um documento em que afirmava ter sido quebrada a autonomia universitária. Fi imediatamente convocado pelo interventor; alguns dias depois foi preso pela Polícia do Exército onde ficou 15 dias.
Mesmo assim, quatro ou cinco professores demitiram-se, enquanto vários outros, que se encontravam fora de Brasília, decidiram não voltar por não encontrarem ali condições de trabalho.
Duas semanas após a demissão dos professores, foi instaurado na Universidade de Brasília um Inquérito Policial-Militar, presidido pelo tenente-coronel Caraciolo Azevedo de Oliveira, designado pelo general de brigada Estêvão Taurino de Rezende Neto, para “apurar os fatos criminosos contra o Estado e a Ordem Política e Social verificados na UnB”. Os oficiais que trabalharam no inquérito começaram por tomar, durante vários dias, o depoimento do Sr. Zeferino Vaz, e a seguir, chamaram para depor numerosos professores, funcionários e estudantes da Universidade de Brasília.
Até a instalação desse inquérito, todavia, sabe-se que alguns poucos alunos e alguns funcionários haviam sido chamados à Polícia Política de Brasília, a fim de prestar informações sobre os professores; comentava-se na ocasião, também, que um ou dois elementos da Universidade haviam se dirigido espontaneamente à sede do DOPS para prestar informação e depoimento.
Depoimentos no IPM
Na sua maioria, tanto os professores que haviam sido presos quanto os que haviam sido demitidos, foram chamados para depor no Quartel da Polícia do Exército pelo encarregado do IPM. Os depoimentos variaram de uma ou duas horas a dez ou 12 horas, As perguntas feitas eram semelhantes às que já haviam sido anteriormente feitas aos professores presos, quando ainda na prisão, mas se acrescentaram novas questões a respeito da ideologia de colegas e alunos. Aos interrogados era apresentada uma lista contendo dezenas de nomes de professores e alunos e se perguntava quais eram as doutrinas, posições ideológicas e opiniões políticas dessas pessoas. Os oficiais do IPM, contudo, não fizeram – ao que se saiba – coações verbais e aceitaram a recusa dos que se negaram a falar sobre a ideologia de terceiros. Outra pergunta que se fazia insistentemente aos interrogados referia-se a uma cartilha de alfabetização, feita por um aluno da UnB e falsamente atribuída à responsabilidade da Reitoria da UnB ao tempo do professor Darcy Ribeiro. Havia perguntas, também, sobre as atividades da Comissão de Professores, Alunos e Funcionários que se instalara no dia 1o de abril, e sobre a participação de professores em atividades políticas ou sindicais. Perguntava-se, também, sobre redação ou aposição de assinaturas em manifesto que havia sido lançado em 1962 por professores da UnB, quando as crises parlamentaristas faziam prever a decretação do Estado de Sítio. Finalmente perguntava-se sobre a natureza dos cursos ministrados, bibliografia adotada, temas debatidos, existência de textos e apostilas, preferência por autores nas indicações de aula, bem como sobre a opinião pessoal dos interrogados a respeito de temas como reforma agrária, voto ao analfabeto, elegibilidade dos sargentos, reforma universitária, UNE [União Nacional dos Estudantes] e participação dos estudantes nos debates políticos, declarações e atitudes dos Srs. Goulart, Brizola, Darcy Ribeiro etc.
Por mais de uma vez, durante os depoimentos, os encarregados do Inquérito deram a entender que não haviam coligido provas capazes de incriminar os professores demitidos. Igualmente comentava-se em Brasília – sem que essa informação fosse confirmada ou não – que a primeira parte do inquérito relativo à prisão dos 13 professores, presidida pelo delegado João Perfeito, teria concluído pelo arquivamento ou pela não culpabilidade dos presos. Igualmente, em fins de julho, corria em Brasília a notícia de que o tenente-coronel Caraciolo Azevedo de Oliveira já teria encerrado o inquérito e enviado o relatório à CGI [Comissão Geral de Investigação] onde ele teria sido arquivado; não se tinha todavia confirmação dessa notícia, mas em 9 de outubro foi encerrado o prazo estabelecido no artigo 7o para punições, e nada veio a público sobre a Universidade de Brasília.
Entrementes, a professores que o procuravam para saber das razões das demissões, o Sr. Zeferino Vaz, variando a resposta com a identidade do interlocutor, dava a entender que: 1) os professores haviam sido demitidos por incompetência; 2) havia provas concretas, provindas das Polícias Estaduais, quanto à atividade pregressa subversiva dos professores; 3) a Interventoria havia recebido pressão das autoridades militares; 4) a Interventoria havia recebido pressão do Ministério da Educação; 5) ele, interventor, sabia que certos professores eram comunistas, porque sabia que seus parentes eram comunistas; 6) com a experiência que tinha, “conhecia pela cara” os incompetentes (essa declaração foi feita ao professor Sérgio Buarque de Holanda); 7) alguns professores poderiam receber como tarefa, por ordem do Partido Comunista, o encargo de permanecer 15 anos “metido” num laboratório, sem demonstrar atividade política, a fim de, no momento azado, pregarem a subversão” (essa declaração foi feita ao professor Aryon Dal’Igna Rodrigues).
Soube-se que, no mês de junho, o Ministério da Guerra enviou ao Sr. Zeferino Vaz um ofício transcrevendo trechos do depoimento do interventor em que este declarava que “as demissões foram baseadas em informações de pessoas dignas de sua confiança”; no ofício, o Ministério da Guerra solicitava que o Sr. Zeferino Vaz indicasse os nomes de, pelo menos três dessas pessoas; o ofício permaneceu duas semanas sem resposta e esta, se foi dada, não passou pelos serviços normais de expediente e protocolo da Universidade. Soube-se de outro ofício em que as autoridades militares solicitavam a designação, prometida, da Comissão de Professores Universitários de Alto Nível, que se encarregaria de examinar os materiais escolares, textos, apostilas, livros e programas de cursos, a fim de indicar as provas de utilização do cargo para doutrinação política; não se conhece a resposta do interventor e nada se sabe da comissão.
À procura de emprego
Os professores demitidos, dos quais a maior parte havia sido presa, encontravam-se na seguinte situação: estavam sem emprego em Brasília, cidade de mercado de trabalho extremamente restrito e pouco diferenciado e onde há altíssimo índice de desemprego; estavam obrigados a entregar as casas onde residiam com suas famílias, em 30 dias , à Universidade; não podiam sair de Brasília, por estarem incursos em inquérito, sem prévia autorização, e, ao procurarem essa autorização, encontravam sempre a mesma resposta: “nada posso fazer sem ordens superiores”, sem que se soubesse exatamente de quem partiriam essas ordens superiores. Alguns professores procuraram empregar-se em Brasília, mas tiveram muito pouco êxito; as portas do ensino secundário revelaram estar fechadas para os professores demitidos da Universidade; um professor demitido conseguiu emprego no “Jornal Falado” da Rádio Educadora e o emprego durou 48 horas: foi avisado de que sua permanência no emprego não era considerada “conveniente” pelo Serviço de Segurança do Ministério da Educação, “em virtude do ato de demissão da Universidade”; outro professor, que tinha a condição de instrutor na Universidade e que deveria apresentar no mês seguinte sua Dissertação de Mestrado a fim de obter o título do primeiro grau da carreira acadêmica, conseguiu a muito custo um emprego de auxiliar de escritório, trabalhando das 8 às 18 horas pelo salário de 60 mil cruzeiros. Finalmente, no fim de junho, alguns professores conseguiram do encarregado do IPM uma liberação provisória para ausentar-se de Brasília a fim de procurar emprego em outras cidades. Em São Paulo, contudo, um ex-professor da Universidade de Brasília teve a indicação de seu nome para uma Faculdade de Araraquara vetada pelo presidente do Conselho Estadual de Educação sob a alegação de que se tratava de “professor comunista”. O presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e o ex-interventor, agora, reitor, da Universidade de Brasília são a mesma pessoa: o Sr. Zeferino Vaz. Outro professor, demitido, apresentou a uma entidade para-oficial um pedido de bolsa de pesquisa, e o professor Miguel Reale vetou o pedido, alegando (informal e extraoficialmente) que o professor, por ser demitido da Universidade de Brasília, deveria ser comunista. Muitos dos professores demitidos ou que se demitiram da Universidade de Brasília estão procurando sair do País: o professor Heron de Alencar encontra-se no México; o professor Oscar Niemeyer está em Paris; outros estão em entendimentos com organizações internacionais, inclusive Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] e OIT [Organização Internacional do Trabalho] para obter empregos e poderem continuar a carreira universitária em centros de pesquisa latino-americanos ou europeus. O Sr. Zeferino Vaz procurou contratar novos professores em São Paulo: não tem encontrado facilidade nesse empreendimento, contudo, porque muitos se recusam a participar do trabalho acadêmico numa Universidade em que se cometeram tantos e tão graves atentados à ética, à autonomia e ao estilo universitários. Estão ou estiveram em entendimentos, contudo, os seguintes nomes, para substituir os professores expulsos ou que se recusam a ir para lá: Gilberto Freyre, em Sociologia; Miguel Reale, em filosofia; Soares Amora, em língua portuguesa; Georges Bidault, em Direito. Ao que se comenta, o nome de Bidault só seria oficialmente levantado depois da visita do presidente De Gaulle. Falava-se em Brasília, também, das nomeações dos professores Mem de Sá, senador e membro do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília; deputado Abel Rafael; deputado Plínio Salgado (compareceu à cerimônia de encerramento do semestre letivo na Universidade de Brasília, ao lado dos Srs. Zeferino Vaz e Miguel Reale). Nos últimos dias de julho o Sr. Zeferino Vaz decidiu, em ato administrativo comunicado à Secretaria Geral dos Cursos, promover à condição de professores titulares (vitalícios e supercatedráticos), sem prévia consulta a Departamentos ou Comissões Especiais, os seguintes professores: Oscar Niemeyer, Cláudio Santoro, Antônio Luiz Machado Neto, Eduardo Galvão, Antônio Cordeiro, Ciro dos Anjos, Eudoro de Souza e outros. Muitos estudantes abandonaram a Universidade; vários conseguiram obter bolsas de estudo no Exterior, graças aos consulados estrangeiros, e outros simplesmente deixaram de estudar e de comparecer à Universidade. Vários cursos foram interrompidos com a expulsão dos professores e não tiveram prosseguimento no primeiro semestre nem no segundo, ou tiveram seus trabalhos prejudicados. Assim não foram mais dadas as disciplinas de Sociologia do Trabalho, Sociologia Urbana, Estrutura e Organização Social, Teoria Política, Introdução à Sociologia etc. Foram interrompidas as pesquisas dos professores que se preparavam para apresentar, neste e nos próximo anos, as suas teses de doutoramento, e que foram expulsos. Foram interrompidos também pelo menos dois cursos de pós-graduação (do professor Edgar Graeff e do professor Heron de Alencar) e ficaram prejudicadas as leituras dirigidas e os seminários de Sociologia e Política, Metodologia e Técnica da Pesquisa Científica, programadas para os dois semestres deste ano; ficou prejudicada a vinda do professor Lucien Goldmann no segundo semestre de 1964.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – Resumo em outubro de 1964
9/4/64 900 homens armados (750 da Polícia Militar de Minas e 150 da Polícia Política do DF) cercam, invadem e ocupam o campus da UnB. Fuzis com baionetas, fuzis metralhadoras, metralhadoras portáteis e metralhadoras pesadas. 14 ônibus, 4 carros de transporte, 4 ambulâncias e aparelhamento de rádio de campanha. 13 professores presos; 2 soltos no mesmo dia; 11 permanecem presos na P.E. durante 17 dias.
9 a 22/4 Biblioteca central, salas de trabalho, mecanografia e prédios ocupados e interditados por soldados; alguns cursos continuam
13/4 decreto presidencial destitui reitor e vice-reitor e extingue mandato dos membros do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília; portaria 224 (DO, 13/4/64) do Ministério da Educação decreta a i ntervenção na Universidade e nomeia interventor o Sr. Zeferino Vaz.
26/4 liberados os professores presos, que voltam a dar algumas aulas.
28/4 parecer do Conselho Federal de Educação: “recomposição dos órgãos dirigentes da Universidade para apurar irregularidades porventura existentes”.
20/4 a 8/5 interventor declara, primeiro, que não haverá expurgo ideológico, que plano de Darcy era ótimo e que a UnB tinha grandes nomes, mas depois diz que serão expulsos incompetentes e agitadores, que há numerosos incompetentes na UnB e que Darcy era ruim.
9/5 interventor Zeferino Vaz demite nove professores “por conveniência da administração” e exige devolução das casas.
9 a 20/5 demissão de mais quatro professores, depois de mais um, e de numerosos funcionários; demitidos ainda não presos são procurados pela polícia; alguns se demitem; alunos trancam matrícula; boato divulgado: quem se demitir vai preso e não se aceitam desculpas nem de doença nem de família; um professor protesta em aula é convocado pelo interventor e preso por 15 dias na P.E. depois de instala-se IPM na UnB; o Sr, Zeferino Vaz é designado reitor pelo novo 20/5 Conselho Diretor nomeado pelo marechal Castelo Branco; o Sr. Zeferino Vaz passa por cima dos Departamentos e convida professores de São Paulo, Rio e Brasília; em Brasília professores demitidos têm seus nomes barrados para novos empregos; Zeferino Vaz passa por cima de departamentos e comissões e promove administrativamente vários professores titulares (supercatedráticos vitalícios).
Balanço geral Não fazem mais parte da Universidade de Brasília, desde o dia 1o de abril, 30 professores (14 demitidos, 6 que se demitiram, 2 que tiveram direitos políticos cassados, 6 que, por serem do Conselho da Fundação tiveram mandatos cassados, 2 que não encontram segurança para voltar à UnB). Dezenas de alunos abandonaram ou interromperam os cursos. Vários professores procuram sair do País. Um professor estrangeiro não virá mais. Os setores de Sociologia e Política foram dissolvidos e os de Economia, Letras, Arquitetura e Física duramente atingidos. Pesquisas para teses de doutoramento foram interrompidas, atividades de pós-graduação foram suspensas ou prejudicadas. Disciplinas foram extintas. Vários professores convidados para substituírem os professores expulsos recusam-se a fazê-lo em virtude de falta de segurança quanto à ética, às normas e ao estilo vigentes atualmente em Brasília.
OBSERVAÇÃO: Desde o momento em que assumiu a Interventoria da Universidade de Brasília , o Sr. Zeferino Vaz faz-se acompanhar, em todas as suas atividades, nas suas viagens, nas solenidades, nos atos universitários, nos encontros particulares com os professores e nas reuniões formais da Universidade, por um agente ou ex-agente da Polícia Paulista, Sr. Arnaldo Pires de Camargo(ou Camargo Pires).