Wladimir Pomar teve uma rica trajetória pessoal e política. As diversas atividades que desempenhou por certo contribuíram para fortalecer sua busca por justiça e seu magnífico pensamento e análises políticas. Segundo ele mesmo, em depoimento à Fundação Perseu Abramo, foi posseiro, criador de porcos, criador de galinhas, artesão de cerâmica marajoara, pintou camisetas e “tudo que era possível no sentido de ajudar a sobrevivência”. Foi também “repórter, redator, diretor editorial, tradutor, consultor e professor, um revolucionário profissional e não um político profissional”, nas palavras de Valter Pomar.

Militante desde a juventude no movimento estudantil, participou também no movimento sindical e atuou na reorganização do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no início da década de 1960. Preso duas vezes pela ditadura militar imposta em 1964, foi preso neste ano por resistir ao golpe. Solto, viveu na clandestinidade até 1976, preso novamente após a violência sofrida no chamado Massacre da Lapa, quando perdeu seu pai, Pedro Pomar, vítima dos militares. Foi condenado a cinco anos de prisão, permanecendo três anos no cárcere.

No Partido dos Trabalhadores participou desde o momento de organização e fundação do partido, integrou a Executiva Nacional do PT entre 1984-1990, e foi coordenador da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva para deputado constituinte, momento crucial da construção da democracia em nosso país, e que elegeu Lula ao mandato. Foi também coordenador da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva em 1989. Sobre este momento, Pomar deixou o registro no livro “Quase lá: Lula, o susto das elites” onde narra a experiência política dos trabalhadores na disputa e luta pela democracia, relatando como Lula representou o “susto das elites”.

Em nome dessa rica e importante trajetória na esquerda e luta pela democracia brasileira, o Centro Sérgio Buarque de Holanda – Documentação e Memória Política da Fundação Perseu Abramo tem a satisfação de tornar disponível ao público esta homenagem em memória de Wladimir Pomar. Em 14 de julho de 2023, apenas um mês e cinco dias após seu falecimento, com o apoio do Instituto Vladimir Herzog e o Núcleo de Preservação da Memória, celebramos em sua memória por meio de um Ato no Sindicato dos Jornalistas, a vida e trajetória militante de Pomar, que contribuiu de forma fundamental para a esquerda brasileira. Seu legado e suas obras são referências para aqueles que desejam e lutam pela democracia no país, por uma sociedade justa e igualitária.

Neste ano de 2024 temos a alegria de publicar a 5ª edição do livro Quase lá: Lula, o susto das elites, como parte e resultado das homenagens iniciadas em 2023 em sua homenagem. O livro ficará disponível gratuitamente na Estante da Fundação Perseu Abramo. Também trouxemos nesta atualização um conjunto de textos escritos por Wladimir que foram publicados na Revista Teoria e Debate, pesquisados e sistematizados pela equipe do CSBH. O vídeo do Ato em homenagem a Pomar também está disponível na íntegra.

Fizemos uma seleção de fotografias por meio de nosso acervo e recebidas do acervo pessoal da família. As fotos registram momentos militantes e pessoais marcantes de Pomar. São retratos de suas viagens à China, momentos de lazer entre a família e militância política. Wladimir esteve na primeira coligação do Partido dos Trabalhadores em visita à China ao lado de Rachel Pomar, Jacó Bittar e Luiz Gushiken. Nas imagens vemos esses e outros momentos que deixam marcados sua importância para o PT e para os estudos sobre o desenvolvimento chinês, uma de suas áreas de interesse e análise.

O CSBH também fez uma pesquisa nos jornais de circulação nacional do PT que estão disponíveis em nosso acervo: Jornal dos Trabalhadores, Boletim Nacional, Brasil Agora e PT Notícias. Os jornais, em conjunto, compreendem um período entre 1982 até 2000. Buscamos em cada edição as notícias escritas por Pomar e publicadas nos periódicos. O resultado é um rico conteúdo que está disponível abaixo, onde Wladimir reflete sobre a atuação do PT, campanhas, eleições, entre outros. Os textos dão conta de seu importante posicionamento e contribuição para o fortalecimento da esquerda e suas ações. 

Confira também, abaixo, a entrevista de História Oral que fizemos com Wladimir Pomar na ocasião dos 40 anos do Partido dos Trabalhadores. No contexto, convidamos as lideranças do PT que fizeram parte da fundação do partido, e cujas experiências contribuem com elementos para pesquisas, fortalecimento da identidade partidária, análise e reflexão sobre a trajetória do PT e também de suas próprias. Pomar, neste sentido, fortaleceu este projeto enriquecendo-o com sua trajetória, conhecimento e experiência política. 

Deixamos aqui nossa pequena contribuição e homenagem com intuito de rememorar sua fundamental trajetória. 

WLADIMIR POMAR PRESENTE! AGORA E SEMPRE!

Quase lá: Lula, o susto das elites

Entrevista para o projeto História Oral: PT 40 Anos

Wladimir Pomar nas páginas dos jornais do Partido dos Trabalhadores

Wladimir Pomar na Revista Teoria e Debate

Ato em homenagem a Wladimir Pomar

Breves notas sobre Wladimir Pomar*

Pedro Estevam da Rocha Pomar

Quando adolescente morei por algum tempo com meu avô, Pedro Pomar. Um dia ele me disse: “Teu pai foi soldado, operário e camponês”. Um raro elogio. Há um pouco de exagero nessa frase, mas também há muito de verdade.

Wladimir conheceu de perto o mundo do trabalho no campo e na cidade. Também se familiarizou com o trabalho militar, pois serviu numa unidade de artilharia do Exército. Essa experiência diversificada lhe permitiu compreender, talvez como poucos, a formação social brasileira e as dificuldades que um projeto revolucionário terá que superar.

Trabalhou como operário na Arno, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Ainda adolescente, foi linotipista do jornal Notícias de Hoje, do Partido Comunista. Depois atuou como repórter de publicações do PCB: Tribuna Popular etc. No início da década de 1960, já como engenheiro de motores, respondeu pela manutenção das locomotivas da Rede Ferroviária Federal na Bahia, emprego que o levou a residir com a família na pequena cidade de Iaçu, a 100 km de Salvador. 

Depois do golpe militar, nas fazendas que tocava em Goiás, vinculadas ao trabalho rural do PCdoB, de preparação da guerrilha, foi um excelente produtor de suínos e aves. No terreno da casa em que moramos na periferia de Fortaleza, plantou macaxeira e tomate.

Seu trabalho mais importante entre camponeses certamente foi o que executou no Ceará, em São Gonçalo e adjacências, na Serra da Ibiapaba, em um projeto desenvolvido a pedido de dom Fragoso, o célebre bispo de Crateús. Uma formidável experiência de luta pela terra e organização sindical, que foi relatada originalmente num caderno rústico, intitulado “São Loganso”, e depois reproduzida na sua autobiografia O Nome da Vida.

Voltando no tempo: aos 19 anos, em 1955, Wladimir prestou serviço militar como recruta no Grupamento de Artilharia da Costa sediado na Fortaleza da Urca, no Rio de Janeiro. Promovido a cabo, uma de suas atribuições era fazer os cálculos de balística necessários ao disparo dos canhões da fortaleza.

Nesse mesmo ano ocorreu a tentativa de golpe liderada pela UDN, pelo presidente interino Carlos Luz e por parte das Forças Armadas contra a posse de Juscelino Kubitschek na Presidência da República. A tentativa foi debelada pelo general Henrique Lott, que organizou um contragolpe, depôs Carlos Luz e empossou Nereu Ramos.

O presidente interino tentou resistir a bordo do cruzador Tamandaré, que só não foi a pique porque os oficiais da artilharia de costa descumpriram as ordens de atirar. No seu posto na Fortaleza da Urca, Wladimir fez os devidos cálculos para o disparo dos canhões, em vão.

Normalmente se menciona o fato de que Wladimir se tornou um especialista no “Enigma Chinês”. É verdade. Mas é bom lembrar que um dos seus principais objetos de interesse e estudo foram a reforma agrária e os problemas do campo em geral, e a situação muito peculiar dos camponeses.

Nesse sentido, um trabalho notável de Wladimir, quase um ensaio, foi o prefácio que ele fez à edição brasileira da obra de Lênin Capitalismo e Agricultura nos Estados Unidos, publicada pela editora Brasil Debates. De algum modo, sua obra pioneira Araguaia, o Partido e a Guerrilha se insere também nessa problemática.

Encerro esse rápido comentário fazendo referência a uma pequena brochura hoje esquecida, intitulada A Crise Atual do Marxismo, que ele publicou em fevereiro de 1982. Já lá se vão quarenta anos. Trata-se de um típico texto de combate, no qual ele afirma sua convicção de que a crise de então do marxismo “não é senão o prelúdio de novo e maior desenvolvimento da teoria proletária”.

Vou ler rapidamente alguns trechos ilustrativos.

Ele diz na abertura: “Ninguém pode negar que a burguesia e seus ideólogos lançam toda sorte de ataques contra o materialismo dialético e o materialismo histórico, procurando demonstrar sua falência. Toda uma literatura, em particular na Europa, veio à luz para mostrar como Marx e suas teorias foram ‘sepultados’ pela evolução do capitalismo e pelo ‘fracasso’ do socialismo. Num evidente esforço de não deixar pedra sobre pedra, procuram até mesmo descobrir defeitos de caráter na vida dos fundadores do socialismo científico para tentar desmoralizá-los”.

“Os ataques da burguesia concentram-se sobretudo nas experiências de construção do socialismo, no ‘fracasso’ das ‘promessas de libertação do homem defendidas em outubro de 1917’. Tal ‘fracasso’ seria a prova mais concludente de que as ‘previsões científicas’ do marxismo não se concretizaram: o progresso real, científico portanto, jogara a favor do capitalismo e não da ciência de Marx” (p. 7).

Mais adiante, ele chama atenção para algo que considero uma de suas contribuições mais importantes, sempre o vi batendo nesta tecla, de que o marxismo é uma teoria do conhecimento, é uma ferramenta; não é um dogma, não é uma doutrina. É uma teoria do conhecimento, e neste sentido deve suscitar permanente formulação.

E ele vai dizer: “Nas últimas décadas, os marxistas em geral perderam de vista um dos aspectos mais importantes da teoria de Marx. Simplesmente esqueceram-se de que essa teoria não é um conjunto acabado de verdades absolutas, mas sim um sistema vivo de ideias que deve desenvolver-se à medida que a sociedade e as ciências se desenvolvem” (p. 12).

“Ao deixar de lado esse aspecto fundamental, os próprios marxistas abriram os flancos para os ataques dos ideólogos burgueses, das correntes antimarxistas, disfarçadas ou não. Transformaram o marxismo numa doutrina morta, incapaz de responder aos novos problemas colocados pela vida em constante mutação.”

“Ao mesmo tempo, romperam mecanicamente a ligação íntima existente entre o materialismo histórico e os problemas conjunturais decorrentes das mudanças ocorridas na situação política e social. Deixando de considerar tais mudanças como resultado de mudanças outras que ocorriam na base da própria sociedade, deixaram de dar resposta correta e adequada a tais problemas, e, em geral, perderam-se em análises e conclusões idealistas” (p. 13). 

Haveria muito mais a dizer sobre este livrinho, que continua muito interessante e deve ser uma fonte de inspiração na permanente luta contra o capitalismo e pela revolução.

“Wladimir Pomar presente, agora e sempre!”


*Texto lido na homenagem póstuma a Wladimir Pomar realizada em 14/7/2023 no Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Esta versão foi revista, corrigida e ampliada pelo autor.

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