A integração com a militância, dedicação e gosto pela discussão marca o dia-a dia da minha presença no PT. Os núcleos de base foram desde o início círculos constantes de debates. Essa participação coletiva foi, por longo período, a marca registrada do partido.

  «[…] Em todo o final do meu exílio na França, enquanto acompanhava o crescimento das lutas populares e a crise do regime militar, preocupava-me o aparente vazio de militância política que a derrota da esquerda parecia ter deixado na vida política nacional. Pouco a pouco, apesar da precariedade e intermitência das informações que chegavam, uma primeira constatação começa a tomar forma. Após a dura derrota sofrida, as lutas e o movimento social, de forma extremamente original, pareciam nos abrir novos caminhos. Algumas das principais lideranças das lutas operárias e populares dos últimos anos, embora reconhecendo a contribuição do MDB à oposição democrática, sentiam a necessidade de um novo partido, que desse voz aos excluídos: o Partido dos Trabalhadores.

De volta ao Brasil vou conhecer de perto essa nova esquerda que desponta. O Partido dos Trabalhadores está às vésperas de legalizar-se. Meu contato com os sindicatos metalúrgicos e petroleiros faz-se rápido, em pequenas escalas: inauguração prévia da sede do PT em São Bernardo. Depois, em visitas guiadas por Sérgio Sister, ao sindicato dos metalúrgicos, em Diadema. Em debates com lideranças sindicais em São Paulo. Por fim, nas reuniões preparatórias, ao lado de Mário Pedrosa, no Colégio Sion. Minha adesão ao PT, em 10 de fevereiro de 1980, é apenas natural.

Para mim, velho comunista, o PT apresentava muitas novidades. Nascera já como um partido legal, amplo, de massas. Apoiado em largos contingentes de trabalhadores sindicalizados das grandes empresas industriais, que chegavam à cena política a partir de suas lutas por aumento de salários e pela livre organização sindical, era um partido amplamente aberto ao debate, cioso do papel criador de suas bases militantes, buscando constituir-se no mais democrático dos partidos brasileiros.

Recusava-se a copiar modelos externos, buscando o caminho para um socialismo de raízes nacionais. E buscava assegurar-se, desde o início, de um amplo espaço na vida política institucional.

Não é, pois, à toa que se torna um ponto de convergência de tantos militantes sinceros e combativos. É assim, esperançoso e entusiasmado, que também adiro ao PT.

Minha eleição, em maio de 1980, para a vice-presidência, mostrava que o partido se propunha ser também o continuador das batalhas de que tantos de nós tínhamos participado, neste século, por uma sociedade mais justa, sem exploradores e explorados, embora o fizesse de outras formas e compreensões.

Foram anos muito bonitos, em que vivi experiências extremamente gratificantes, e em que participei de suas grandes polêmicas internas.

Raramente antes, em minha militância, tinha me integrado durante tanto tempo a atividades legais, vinculadas aos sindicatos, aos movimentos de massa, e à política institucional, como as eleições e a gestão de prefeituras.

A integração com a militância, dedicação e gosto pela discussão marca o dia-a dia da minha presença no PT. Os núcleos de base foram desde o início círculos constantes de debates. Essa participação coletiva foi, por longo período, a marca registrada do partido. Participante dos encontros estaduais e municipais, vivi permanentemente o duelo de idéias e alternativas e o confronto dos interesses da organização em seu conjunto – e os das correntes políticas desejosas de afirmação e hegemonia. Para um velho militante comunista esse contato fácil com a classe operária era algo enriquecedor.

Convivi no PT com grandes figuras humanas. Como a de Lula, com sua sensibilidade de classe, a fidelidade às suas raízes, seu talento político incomum; a marca de ética e humanismo do Olívio Dutra; a dignidade e coragem cívica de Hélio Bicudo; a cultura e o sonho de socialismo de Florestan Fernandes; a longa e exemplar militância e a autodoação de Perseu Abramo. E tantos outros companheiros – operários e intelectuais – a quem me culpo da injustiça de não poder citá-los aqui – mas por quem nutro a mais profunda estima e admiração.

[…] Em 1987, não aceitei ser reconduzido à comissão executiva e ao diretório nacional do PT. Não me senti mais com o pique e as condições físicas para manter o dinamismo que esses cargos de direção exigem, sem o que, minha permanência na direção acabaria sendo em parte decorativa. Continuei, entretanto muito ligado à direção, opinando e buscando ajudar sempre que possível. O que procuro fazer até hoje.

O PT, é claro, despertou muito mais expectativas e esperanças que as que até agora pôde cumprir. E, depois de um período de rápido crescimento e muitas vitórias, depois de ser a força motriz de importantes mobilizações recentes de nossa sociedade, depois de estar a um passo, por duas vezes, de eleger o presidente do país e poder tentar uma experiência de governo que aliasse democracia, desenvolvimento e melhoria das condições de vida do nosso povo, está relativamente paralisado. Não encontrou ainda caminhos e perspectivas para o Brasil pós-Real e a dinâmica liberal dominante. E vê um certo desencanto associar-se à sua imagem.

Essa situação, em parte, deriva de erros cometidos pelo próprio partido, pelos seus dirigentes. Contra alguns deles me bati. Outros, não fui capaz de perceber. Vejo hoje, entretanto, mais claramente, que o processo de construção de um partido político é um percurso longo, cheio de altos e baixos e entremeados de crises. Apesar de suas dubiedades e omissões, o PT permanece sendo, na esquerda brasileira, minha fonte de confiança na força criativa do movimento social e em seu empenho permanente por liberdade e justiça social.

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