Depoimento originalmente publicado no Jornal da Tarde, S.P., de 16/08/1992, pág.2. Disponibilizado no Portal FPA em homenagem aos 90 anos de Antonio Candido, em 2008.

Por Maria Victoria de Mesquita Benevides*

“Um privilégio que não tive: ser discípulo
de Antonio Candido”.
Carlos Drummond de Andrade

Nosso querido mestre faz 80 anos e ganha o Prêmio Camões de Litera­tura em língua portuguesa. Avesso a homenagens e festanças – no estilo da mais sincera modéstia, virtude raríssima em intelectuais, naturalmen­te vaidosos -, Antonio Candido tem sido, malgré lui, o centro de atenções nas universidades, nas editoras, nos “cadernos” da imprensa e no Partido dos Trabalhadores, do qual é mem­bro desde sua fundação.

Nesta última sexta-feira encerrou-se o encontro Antonio Candido: Pen­samento e Militância, organizado por seus muitos admiradores das universidades (USP, Unicamp e Unesp) e da Fundação Perseu Abramo. As intervenções, que se inicia­ram com o amigo de mocidade Décio de Almeida Prado e se encerra­ram com o discípulo José Miguel Wisnik, serão certamente transfor­madas em livro. Hoje, em respeito ao seu constrangimento com os elo­gios – que estariam saltando aos bor­botões do coração para o teclado -, contento-me em lembrar algumas de­clarações do professor e companhei­ro de ideais e lutas, talvez ainda pou­co conhecidas, uma vez que não inte­gram seus livros, já muito citados. Espero que minha pequena sele­ção revele a atualidade de seu pensa­mento, assim como a coerência de suas posições – coerência que não se confunde com inércia mental ou sec­tarismo (como muitos apregoam, até mesmo para justificar suas próprias “viradas de casaca”), mas decorre do vigor de sua atitude intelectual que, em momento algum, descuida dos as­pectos éticos de seu compromisso com a verdade, mas também com a justiça.

“Só os tecnocratas obcecados pelo mito da eficiência total ainda pensam que a produção capitalista salvaguar­dada pela força permite, em países co­mo o Brasil, a famosa divisão do bo­lo. Aqui, o bolo é, na verdade, uma empadinha, que as estatísticas mani­puladas, escondendo a iniqüidade da distribuição, fazem parecer grande” (Revista IstoÉ, 1977).

“A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. É um processo humanizador, que confirma no homem aqueles traços que reputamos essen­ciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de pene­trar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexi­dade do mundo e dos seres, o cultivo do humor” (Direitos Humanos e Li­teratura, 1989).

“No setor das ciências humanas e da filosofia, onde me formei, é preci­so registrar que a presença dos profes­sores franceses foi, senão um magis­tério explícito, uma sugestão de radicalidade cultural e, até certo ponto, política. Alguns deles eram, mesmo, conservadores, enquanto outros se aproximavam mais ou menos das ideologias da Frente Popular, o Front Populaire, que nos primeiros anos de vida da Faculdade predomi­nava na França e tinha grande impac­to entre nós, somando-se à simpatia pelos republicanos espanhóis em lu­ta contra o fascismo. Mas, tanto os conservadores quanto os radicais nos iniciaram na atitude básica do in­telectual, o inconformismo, que vai desde a desconfiança com o saber estabelecido, até as afirmações de rebel­dia política; que vai desde o desprezo pelo argumento de autoridade, o cul­to da citação ornamental, o uso da in­teligência como exibicionismo, até a critica da organização social, a procu­ra dos aspectos escamoteados da rea­lidade, o desejo de trabalhar pela sua transformação. Os nossos mestres franceses nos ajudaram a ver o Brasil real, porque isto era conseqüência da atitude crítica que nos ensinaram” (O Saber e o Ato, 1984).

“Com os estímulos de velhos companheiros e a minha própria con­vicção interior, de que o PT era o pri­meiro partido brasileiro de esquerda nascido da iniciativa de operários e destinado a trazer afinal uma fórmu­la independente para a luta do socia­lismo, eu me decidi. Fui do grupo fundador e estava presente nas pri­meiras reuniões, no Colégio Sion. Entrei e não pretendo sair” (1988, Rememória).

“O capitalismo não evoluiu no sen­tido humano, mas no sentido técni­co. No sentido humano, o que fez o capitalismo melhorar foi a pressão do socialismo. Portanto, o êxito do capitalismo e a relativa possibilidade que ele tem de funcionar do ponto de vista social, não se devem às suas vir­tudes internas, mas às concessões que foi obrigado a fazer aos que o combatiam.”(…)”Eu sou socialista e continuarei socialista, muito confian­te em que o socialismo é o caminho normal para a humanidade” (Jornal da USP, 1999).

Que beleza, querido mestre. Viva Antonio Candido.

* Maria Victoria de Mesquita Benevides é professora da Faculdade de Educação da USP.

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