AMPLIAR A CONSCIÊNCIA NEGRA! – 1997

Flávio Jorge Rodrigues da Silva

Mais uma vez, no mês de novembro, o movimento negro, envolvendo também partidos, governos, centrais sindicais, estudantes e os mais diversos setores, por todo o país, incentiva e festeja a Consciência Negra.

Entretanto, esse novembro traz novidades na luta que desenvolvemos há anos: a consciência negra está em disputa!

Ainda na dianteira, organizativa e política, está o movimento negro constatando que, felizmente, é maior o número de pessoas e organizações que por todo o país garantem uma maior visibilidade racial aos graves problemas sociais do país.

Porém, outros atores entram em cena.

O discurso oficial de governos municipais, estaduais e federal reconhece a existência do racismo em nosso território e que nada faz diante disso ou, ao contrário, até implementa políticas de cunho racista em suas ações.

Entretanto, com raras exceções, a ênfase desse discurso tem sido a possibilidade de viabilizarmos aqui o “racismo cordial”, a decantada convivência pacífica entre todos por meio de frases do tipo “de um jeito ou de outro, acabamos unidos pelas nossas diferenças”, ou “quanto mais o Brasil se mistura, mais ele se torna original”, veiculadas no manifesto que convocou o 8º Encontro da Cultura Brasileira, realizado em São Paulo, em novembro, patrocinado pelo Ministério da Cultura e um conjunto de órgãos de governos. Como se fosse possível amenizar o racismo e ao mesmo tempo implementar a cartilha neoliberal, cujo legado é a exclusão de parcela significativa da população brasileira, em sua maioria negra.

Todo cuidado é pouco, pois da democracia racial o Estado passa a edificar outra armadilha que pode ser mais perigosa: a da hipocrisia racial, assentada no binômio diversidade ê integração, como um dos esteios do racismo que em nosso país se tenta camuflar.

De outro lado, a mídia e o mercado, a seu modo, começam a tornar públicas a compreensão e a leitura racial que têm sobre a sociedade e a estabelecer estratégias para conquistar esse filão populacional que também consome e que até possui uma razoável classe média negra. Em paralelo, continuam escondendo o grande contingente populacional que não usufrui desses privilégios.

Na TV, no rádio, nos jornais, as peças publicitárias, atendendo a antigos apelos do movimento negro, algo de novo: a presença negra. Novelas em horário nobre enfocam a temática racial como parte da rotina de vida de seus protagonistas. O que seria positivo se não fosse acompanhado do discurso oficial que anuncia a convivência harmoniosa e o possível final feliz entre brancos e não-brancos não só na telinha mas também na vida real.

São iniciativas que são impulsionadas e baseiam-se na lógica competitiva do mercado, onde a busca coletiva de uma sociedade feliz e igualitária é considerada uma utopia de sonhadores e aventureiros.

Novos problemas e maiores exigências para o combate ao racismo estão colocados, como avaliamos e analisamos em nosso 5º Encontro Nacional de Negros e Negras do PT, realizado em agosto deste ano.

Ao movimento negro, felizmente ainda hegemonizado pelo setor combativo do qual os militantes anti-racistas do PT são parte, cabe tomar para si o fato de ter conseguido tornar relevante o debate sobre a diversidade e o enfrentamento das desigualdades e, ao mesmo tempo, radicalizar suas ações. É necessário ampliar a consciência de que o combate ao racismo continua sendo uma tarefa difícil, mas necessária para diminuirmos as desigualdades entre os indivíduos pertencentes a diferentes etnias que compõem o nosso país.

O que está em disputa é a consciência negra sobre qual tipo de democracia estamos vivendo e sobre qual é a sociedade que queremos e estamos construindo, sem hipocrisia, sem opressão e livre dos valores que dão sustentação ao racismo. Não tenhamos ilusão – nada ocorrerá de maneira suave ou cordial, mas sim por meio de grandes e estruturais transformações da sociedade brasileira.

Fonte: PT Notícias, nº 55, novembro/dezembro de 1997, p. 02. Acervo: CSBH/FPA.

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