A QUESTÃO RACIAL GANHA AS RUAS – 1988

Com o centenário da Abolição, a luta anti-racista no Brasil adquiriu este ano um novo impulso

As comemorações e protestos que marcaram os cem anos da Lei Áurea desmantelaram, de uma vez por todas, o mito da “democracia racial” brasileira, que por décadas dominou os discursos oficiais. A questão negra deu um salto à frente em termos institucionais e organizativos, colocando novas tarefas aos movimentos anti-racistas de todo o país.

Esta foi, em síntese, a avaliação feita pelo 2° Encontro Nacional “O PT e a Questão Racial”, realizado em Vitória (ES) nos dias 26, 27 e 28 de agosto passados. O Encontro contou com a presença de 70 delegados provenientes de 12 estados, e constituiu a Subsecretária Nacional dos Negros do PT, ligada à Secretaria de Movimentos Populares.

O Encontro também elegeu um Colegiado Executivo, composto de 7 membros, tendo como coordenador Flávio Jorge Rodrigues da Silva, que falou ao BN sobre as idéias da Subsecretária.

Flávio lembrou, em primeiro lugar, os acontecimentos mais importantes deste ano relativos à questão racial: 1) No plano institucional, destaca-se a criminalização do racismo aprovada pela Constituinte (ver o quadro), representando um avanço sobre a legislação anterior; a atuação oficial voltada para a problemática racial se intensificou com a criação, pelo Ministério da Cultura, do Programa Nacional do Centenário, que se reproduziu nos governos dos estados; a Campanha da Fraternidade deste ano alterou positivamente o discurso da Igreja Católica sobre a questão, marcando uma vitória dos grupos negros católicos; multiplicou-se a realização de congressos e seminários sobre a Abolição nas Universidades. 2) No campo dos movimentos negros autônomos, foram significativas as manifestações de protesto – unificadas nacionalmente – no último 13 de maio, paralelas às comemorações oficiais; em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, milhares de pessoas foram às ruas (no Rio houve até repressão policial); cresceu a organização dos negros nos partidos políticos progressistas e nas entidades populares (o “Catálogo de Entidades do Movimento Negro no Brasil” mostra a existência de quase 600 associações desse tipo em 20 estados brasileiros).

Além da denúncia

“Estes acontecimentos”, afirma Flávio, “revelam que as instituições oficiais assimilaram parcialmente, pelo menos no discurso, tradicionais bandeiras do movimento negro. Isso impõe a tarefa de dar um novo conteúdo às nossas bandeiras: por exemplo, superando o caráter exclusivamente de denúncia das atividades e passando a elaborar propostas de solução concreta dos problemas específicos dos negros, no sentido de ocupar os espaços conquistados”.

Por outro lado, continua Flávio, os movimentos de negros devem diversificar sua atuação multiplicando o relacionamento com os sindicatos, centros estudantis e outras associações civis. “Isso é essencial para rompermos com um certo vício ‘internista’, ainda presente no movimento, que resiste a uma integração maior com as demais entidades populares e a uma participação política mais geral”.

Além disso, as ações de massa verificadas no 13 de maio mostram, segundo Flávio, a capacidade do movimento de estabelecer um diálogo com a população, canalizando sua revolta contra o racismo.

Eleições

O coordenador da Subsecretaria dos Negros destaca também a importância da participação do setor nas próximas eleições. Flávio não soube dizer precisamente quantos candidatos negros a vereador o PT está lançando este ano; mas garantiu que são “muitos”. O número de candidatos negros a prefeito, porém, ainda é considerado pequeno: de memória, lembrou apenas de um, que é candidato pelo PT em São Mateus, no interior do Espírito Santo.

Ainda sobre eleições, o 2° Encontro Nacional aprovou a participação dos negros petistas no próximo Programa Nacional do PT na televisão e lançou a deputada federal Benedita da Silva como candidata a candidata à Vice-Presidência da República na chapa do Lula.

Quanto às lutas de massa, o Encontro discutiu a participação do PT no Dia Nacional da Consciência Negra, marcado para 20 de novembro próximo. “A idéia é organizar, paralelamente às atividades oficiais, manifestações de rua e atividades culturais. Aqui em São Paulo nós estamos preparando, junto com a Igreja, um grande ato na praça da Sé”, conclui.

Fonte: Boletim Nacional do PT, nº 39, outubro de 1988, p. 13. Acervo: CSBH/FPA.

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