Lincoln Ramos Viana
Depoimento coletado pelo Laboratório De Pesquisa Histórica do Instituto De Ciências Humanas e Sociais/Universidade Federal de Ouro Preto.
Depoimento coletado pelo Laboratório De Pesquisa Histórica do Instituto De Ciências Humanas e Sociais/Universidade Federal de Ouro Preto.
DEPOIMENTO DE LINCOLN RAMOS VIANA* – projeto “ A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto – o desenvolvimento e o radicalismo entre 1956 e 1969”.
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO/DEPOENTE: LINCOLN RAMOS VIANA/LOCAL: JUIZ DE FORA-MG/ DATA: 26 DE JULHO DE 2002
Ficha técnica
Entrevistado: LINCOLN RAMOS VIANA
Tipo de entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Levantamento de dados e roteiro: Otávio Luiz Machado
Conferência, leitura final e notas de rodapé: Otávio Luiz Machado
Elaboração de temas: Otávio Luiz Machado
Local: Juiz de Fora-MG
Data: 28 de Julho de 2002
Duração: 1 hora
Fitas cassete: 1 (uma)
Proibida a publicação no todo sem autorização. Permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte. Permitida a reprodução.
Norma para citação
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto “ A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto – o desenvolvimento e o radicalismo entre 1956 e 1969”, 2003.
Otávio Luiz Machado: Gostaria que falasse um pouco do Diretório Acadêmico da Escola de Minas do seu tempo, como o perfil do movimento estudantis e suas bandeiras principais.
Lincoln Ramos Viana: o Diretório Acadêmico de quando nós entramos na Escola de Minas, que era uma escola muito fechada e muito apegada às tradições, também acompanhava ou era levado a ter uma atuação quase que padronizada com essa tradição da Escola de Ouro Preto. E quando nós entramos conseguimos quebrar esse clima pesado que existia na Escola. Fizemos uma propaganda bem avançada pra época com cartazes em toda a Escola e com um interrompimento das aulas para propaganda. E passamos a ter um trabalho junto aos estudantes que entravam nos primeiros anos, mostrando o que era a Escola e a realidade brasileira. E depois de uma eleição muito concorrida e apertada onde se votou 98% dos estudantes, com uma diferença de apenas 08 votos nossa Diretoria foi eleita. E o trabalho do Diretório em resumo tinha duas facetas ou duas faces: uma é o trabalho dentro da própria Universidade, trabalho esse que consistia em resolver aqueles problemas mais imediatos para os alunos, que consistia no na busca de soluções de problemas grave das moradias e do problema dos professores catedráticos, que eram na verdade donos das cadeiras. Aí cabe abrir um parêntese: esses professores vinham de longa data mantendo aquela tradição e aquele nome da Escola de Minas como o de uma escola apertada e de bom ensino. Ao passo que o governo militar após 64 havia ampliado e massificado a entrada das universidades, obrigando que todas as Universidades Federais preenchessem todas as vagas. Ou seja, deixou de se ter o critério de rendimento determinado no vestibular para o preenchimento total das vagas independente dos conhecimentos que aqueles alunos que estavam ingressando tivessem. Isto por um lado. Por outro esses professores não foram orientados a mostrar a eles essa nova realidade. Estava-se se baixando o nível de entrada na universidade, e se mantivesse aquele mesmo nível de cobrança nos primeiros anos evidente que a reprovação seria muito grande. Então, determinados professores começaram a reprovar turmas inteiras, reprovava cem alunos, e isso conduziu para que o Diretório começasse a fazer movimentos para afastamento de determinados professores. Essa era uma questão interna juntamente do problema de moradia, porque até aquele ano entrava em torno de 20 alunos, e depois passaram a entrar mais de 100. Então, Ouro Preto é uma cidade turística de difícil liberação para construções, e as construções têm que manter determinado padrão. E havia uma escassez muito grande de moradias. As repúblicas estavam lotadas, os alunos que provinham do interior de Minas e de cidades pequenas com pais de baixo poder aquisitivo não tinham condições evidentemente de formar novas repúblicas ou pagar hotéis ou pensões. Isso nos levou a forçar a Escola a olhar o problema de compra ou abertura de novas repúblicas. Com isso conseguimos mobilizar os alunos e foi feito um acampamento pela primeira vez na história de Ouro Preto. Foi feito um acampamento na Praça Tiradentes com barracas, faixas e cartazes, onde pernoitamos por aproximadamente uns quinze dias. Até que a Universidade formou uma comissão e liberou verba para a compra de moradias. Outro trabalho do Diretório também na parte interna era a questão da alimentação, o REMOP, sempre buscando melhorar a qualidade da alimentação. Tinha os problemas como pouca verba e o preço, e formamos uma pequena loja junto ao REMOP para a venda de material escolar para os alunos com preço abaixo de custo. Em resumo, na parte interna era esse o trabalho do Diretório. Já na parte política nós passamos a ter um vínculo muito forte com todas essas organizações a nível estadual e a nível nacional. Assim, participávamos de todas as reuniões em Belo Horizonte, e também dos Congressos a nível nacional, como foi o caso do Congresso de Ibiúna.
Quais eram os membros do seu Diretório?
O Diretório era eu como Presidente, o Vice-Presidente, Athaualpa Valença Padilha, o 1o Secretário, Serafim Carvalho Melo, o 2o Secretário, Benedito França Barreto, o 3o Secretário, Douglas Senju Morishita e o Tesoureiro, Cesar Epitácio Maia.
E o acampamento que vocês promoveram em plena Praça Tiradentes reivindicando repúblicas? Qual o principal resultado deste acampamento?
O principal resultado deste acampamento foi que a Escola destinou uma verba específica para resolver o problema da moradia. Foram compradas algumas casas antigas que foram transformadas em “repúblicas”. Houve também alguns problemas que a gente enfrentou, porque a comissão nomeada pela Escola para aplicação desta verba para a compra de casas era formada por uma maioria de professores e somente um membro do Diretório Acadêmico. E os professores da própria Escola começaram a ofertar as suas casas com preços muito acima do mercado. E o Diretório em duas oportunidades foram derrotados, e estas casas foram compradas por preços acima do mercado.
De que maneira estava ligado o movimento de Ouro Preto com o de Belo Horizonte? Havia a nível de Diretórios e a nível de partidos políticos?Eram quase assim duas coisas distintas, mas com alguma separação. Tanto em Ouro Preto como também a nível regional e a nível nacional os órgãos dirigentes e as pessoas que participavam de órgãos dirigentes sempre estavam vinculados a alguma associação ou a algum partido político que eram geralmente de esquerda, porque os Diretórios eram de esquerda. Geralmente podia ser o Partido Comunista Brasileiro ou algumas dissidências como Corrente Revolucionária de Minas Gerais, POLOP (Organização Política Marxista – “Política Operária”). Então, quando havia os congressos abertos participavam não só pessoas que mantinham ligação com essas organizações como os estudantes e seus representantes. Mas geralmente as lideranças sempre estavam ligadas a uma destas entidades.
Na Corrente qual era o tipo de atuação de vocês?O tipo de atuação era fazer um trabalho sempre procurando esclarecer os estudantes e a população de Ouro Preto sobre o momento político, sobre o governo militar da época e da sua falta de abertura, bem como as suas medidas de arrocho. Então, consistia em panfletagem, em pixações etc.
E ações armadas?Em Ouro Preto não se teve nenhuma atuação deste tipo. Tivemos informações que em Belo Horizonte foram feitas ações como assaltos.Pessoas daquele Diretório Acadêmico e daquela época ninguém participou, não.
Você e o Pedro (Carlos Garcia Costa) tiveram aquele problema de desligamento da Escola de Minas pelo Decreto-Lei 477?Quando o movimento estudantil a nível nacional adquiriu uma força muito grande com as passeatas do Rio de Janeiro, por exemplo, o governo militar para tentar diminuir esta força baixou um decreto e uma lei dizendo que todo aluno de uma universidade federal que fosse tido como “subversivo”, ou seja, que tivesse uma participação em atividades políticas poderiam ser enquadrados neste Decreto e ser impedidos de estudar na universidade federal durante três anos. Então, lá em Ouro Preto eu e o Pedro fomos enquadrados neste decreto. Foi simplesmente uma conversa de uma meia-hora com algumas perguntas. Fechou-se o processo e o Ministro da Educação da época assinou uma portaria nos enquadrando. E fomos expulsos praticamente da Escola de Minas de Ouro Preto.
Quem fazia esta expulsão era o Diretor da Escola? Ele quem finalizava o processo?Era o Diretor que finalizava. Houve casos de muitos diretores que conseguiram impedir e não enquadrar nenhum aluno. Não era o caso lá de Ouro Preto. O diretor era uma pessoa frágil em termos de posição política, e possivelmente deve ter tido alguma pressão dos organismos governamentais. E rapidamente cumpriu a determinação.
E quando vocês foram desligados qual a primeira providência que vocês tomaram? Vocês praticamente ficaram expostos?É, ficamos expostos. Houve muito apoio. O Diretório (Acadêmico) sob a Presidência do Serafim (Carvalho Melo) nos deu suporte. Os estudantes e alguns professores também nos deram suporte. Por exemplo, me foi oferecido um emprego em Belo Horizonte por um professor. Mas não houve uma reação maior contra a medida. Não houve. Ou do Diretório fazendo algum movimento. Nada disso aconteceu.
E porque vocês acharam melhor ir para o Chile?A minha opção de sair foi justamente porque eu não teria no período de três anos como concluir o meu curso. E a questão do Chile foi mais por questão de proximidade, a facilidade de se ir e de se ter outros brasileiros. E por isso foi escolhido Santiago do Chile.
E quais pessoas de Belo Horizonte ou Ouro Preto que conhecia que estavam lá?De Ouro Preto que eu me lembre quem estava lá era o Cesar (Maia), que já havia passado por Ouro Preto. De Belo Horizonte eu já não me lembro mais. Mas tinha muitos brasileiros.
Vocês também foram por questão de segurança porque vocês estavam expostos?Por questão de segurança e para concluir também os estudos.
Você continuou ou começou um novo curso?Lá eu consegui ingressar no 3º ano. E ainda tivemos de fazer os exames de aprovação naquelas cadeiras principais do 1º, 2º e 3º ano.
Como foi a ida para o Chile?No meu caso eu tinha o endereço do Cesar. E quando cheguei o procurei, e fiquei na sua casa alguns dias. Depois eu mudei para uma pensão.
E num IPM (Inquérito Policial Militar) o Pedro Garcia e você foram enquadrados por questões da Corrente?Fui enquadrado, não me apresentei e tive um julgamento a revelia com condenação de seis meses.
Mas antes de ir para o Chile você esteve na polícia?Sim. Antes de ir eu me apresentei. Foram feitos os depoimentos sobre as pessoas que se conheciam e quem participava do movimento. Foi feito o depoimento e assinado um termo de responsabilidade pelo meu pai. Mas independente disto eu parti. Fui embora.
O inquérito foi antes de sua ida?A abertura, sim.
Antes do desligamento?Não, posterior. Foi depois do desligamento. Primeiro o desligamento, depois o inquérito. No meu caso já estava instaurado o inquérito. Mas foi posterior. Eu cheguei no Chile no início de 1970. Ou no final de 1969. Foi em 72 que saiu a condenação.
Como era formação dos líderes da Corrente? Como era o trabalho de leituras, cursos….… O trabalho consistia nisso. Era sempre reuniões para se discutir a realidade brasileira, o momento, o dia-a-dia. Eram grupos de leitura, que selecionava livros. Lia-se e depois se faziam discussões. Era trabalho deste tipo.
Como se fazia para ser membro da Corrente? Havia assim algum recrutamento de pessoas que no meio estudantil poderiam participar?A gente via aqueles alunos que se mostravam assim um maior interesse sobre os problemas da própria escola, sobre a vida no dia-a-dia da república, aqueles que procuravam mais o Diretório e procuravam ter conhecimento do que estava se passando. Essas pessoas a gente convidava para participar de uma reunião com o grupo de leitura etc. E depois explicava que a gente tinha a Corrente, que era para lutar contra o governo militar em termos de liberdade. E assim era um novo membro que aparecia.
E as precauções? Quais tipos de precauções cada militante tinham?As precauções são uma coisa muito difícil de você ter. No meu caso eu estava na Presidência do Diretório Acadêmico e as precauções que a gente tomava em termo de segurança eram mínimas. Na época de acontecimentos como 21 de abril vinham autoridades e eles sempre mandavam a Polícia antes para fazer uma limpeza do terreno. E a gente saía da república e ia dormir em outro local.
Na (República) Canaan teve blitze?Na (República) Canaan teve policiais. Foram lá me procurar umas duas vezes, e eu não estava. Teve um caso interessante: teve um xará meu que morava numa república perto da igreja de São Francisco, que eu não me lembro o nome completo, e na hora que eles entraram – o pessoal do DOPS – ele estava no banheiro. E eles bateram na porta: “quem está aí?”. E ele falou: “é Lincoln”. Eles ficaram esperando. Quando ele saiu ele já levou umas porradas (risos). Aí para ele explicar, porque ele era gago.
E aí eles recolhiam livros, principalmente?Recolhiam livros, pegava martelo, facão, mochila e cantil de quem fazia geologia, porque sempre precisa disto. Eles recolhiam aquilo como se fosse material de guerrilha.
Quando você quando estava em Ouro Preto talvez não dava para perceber os riscos. Por exemplo, o CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) pediu informações sobre você, conforme aqueles documentos do DOPS. E o CENIMAR é considerado um dos grandes expurgadores da ditadura militar.Perfeito. Otávio, naquela época, quando a gente ingressava num movimento deste tipo, a gente tinha uma consciência do risco de poder se dar uma prisão ou uma outra coisa, mas ainda não estava naquela de imaginar, por exemplo, “desaparecimento”, que depois a gente viu que se tornou uma prática não só no Brasil, mas em toda a América do Sul. E a gente também não tinha uma idéia precisa de quem estava sendo mais ou menos visado. A gente tinha uma idéia de que estava se fazendo um trabalho de atividades junto a uma Universidade, aquele negócio todo, mas não tinha uma idéia de que pudesse ter outros órgãos ou outras pessoas vendo aquelas atividades ou mesmo aqueles movimentos contra a ditadura militar. Era um risco para eles para ter uma reação tão desproporcional. Não sei depois quando se ingressou na questão da luta armada, tudo bem. Mas no nosso caso e das principais pessoas que eram mais amigas de trabalho dentro da própria cidade não se imaginava. Chegando no Chile, realmente, a gente teve esta visão, e chegamos começar a perceber que o risco tinha sido muito maior. Mas já no meu caso em Santiago do Chile eu me afastei de qualquer atividade política e tive realmente uma vida de estudante em Santiago do Chile. Já não me liguei a nenhuma organização de esquerda.
E o professor na congregação que deu algumas dicas de cuidado com a atuação?Foi o professor (Walter Von) Krüger que uma vez me chamou e disse que a atuação junto ao Diretório Acadêmico para defender os interesses dos estudantes tinha que ser feito mesmo e com toda a vontade, mas que qualquer movimento junto aos funcionários e trabalhadores da empresa Saramenha (ALCAN) devia ser evitado para não se misturar as coisas. Eu acho que foi quase um conselho de amigo e de uma pessoa mais experiente na época, que estava percebendo o perigo que eu estava correndo. Ele tentou me dar um alerta.
*Parte do depoimento integral – e-mail de contato: [email protected]