A idéia de criar um prêmio para a denúncia da repressão e atribuir-lhe o nome de Vladimir Herzog, como símbolo das vítimas da ditadura, nasceu no Comitê Brasileiro de Anistia (CBA) de Minas Gerais, em 1977.

Por que Prêmio Herzog?

Por Perseu Abramo
outubro-novembro de 1988

A idéia de criar um prêmio para a denúncia da repressão e atribuir-lhe o nome de Vladimir Herzog, como símbolo das vítimas da ditadura, nasceu no Comitê Brasileiro de Anistia (CBA) de Minas Gerais, em 1977.

Por que Prêmio Herzog?

Por Perseu Abramo
outubro-novembro de 1988


(Nota: Um dos homenageados no X Prêmio Herzog conta como a idéia vingou. Conta do esforço e das dificuldades com que se consolidou um prêmio jornalístico antifascista no Brasil. Em baixo, num breve agradecimento, com que agradeceu a homenagem, ele termina devolvendo o prêmio, como exemplo primeiro da luta que o simboliza, a um outro jornalista: Vladimir Herzog)


A idéia de criar um prêmio para a denúncia da repressão e atribuir-lhe o nome de Vladimir Herzog, como símbolo das vítimas da ditadura, nasceu no Comitê Brasileiro de Anistia (CBA) de Minas Gerais, em 1977, na época presidido por D. Helena Grecco, hoje vereadora pelo PT em Belo Horizonte. De Minas, a proposta foi levada ao Congresso Nacional pela Anistia, realizado em São Paulo, e aí aprovada. A mim, como representante do Sindicato dos Jornalistas no CBA de São Paulo, membro da direção do CBA e delegado ao Congresso, coube a tarefa de servir de ponte entre as entidades e articular, juntamente com muitos outros companheiros, a implementação da idéias e sua primeira aplicação, ocorrida em 1978.

Mas muitas pessoas foram imprescindíveis para que a proposta se tornasse realidade e tivesse continuidade. Entre essas, e mesmo correndo o risco de injustiça de omissão involuntária, não é possível deixar de citar alguns nomes. Em primeiro lugar, evidentemente, Clarice Herzog, com sua obstinada e dolorida coragem permanente. Também os advogados que, desde o começo, mais se destacaram na condução do processo Herzog: Marco Antônio Barbosa, Samuel Mac Dowell e Sérgio Bermudes. Ainda, Luiz Eduardo Greenhalgh, na época presidente do CBA de São Paulo e também da comissão nacional dos Movimentos de Anistia.

No campo dos jornalistas, uma lista imensa, que, merecidamente, deve ser iniciada com Fernando Pacheco Jordão. Movido simultaneamente pela vocação profissional, pela sede de justiça e pela amizade ao Vlado, Fernando foi o verdadeiro inaugurador da investigação jornalística destemida e profunda na apuração da responsabilidade da ditadura militar pela prisão, tortura e assassinato de Herzog e de tantos outros. Também não podem deixar de ser citados Gabriel Romeiro, Raimundo Rodrigues Pereira, Paulo Markun, Sérgio Gomes, Anthony de Cristo, Rodolfo Konder, Duque Estrada. Ainda, Audálio Dantas, presidente do Sindicato em 75, quando Vlado foi preso, torturado e assassinado, e David de Moraes, que presidia o Sindicato em 78 e que não poupou esforços e coragem política para encampar e dar vigência concreta ao primeiro prêmio jornalístico brasileiro explicitamente antifacista, e isso ainda em plena ditadura.

E tantos outros? Como símbolo das centenas de jornalistas que, nos bastidores, tanto se esforçaram para realizar o primeiro e inédito Prêmio Herzog, Elizabeth Lorenzotti, Lia Ribeiro Dias, Selma Severo Lins, Alípio Vianna Freire, entre muitos. E o pessoal do CBA de São Paulo, também trabalhando nas sombras, mas sem cujo esforço o Prêmio não teria existido: Maria Auxiliadora Arantes (Dodora), Leda Coraza, Fernanda Coelho, Judith Klotzel e Vânya Santana.

E, naturalmente, os anônimos 30.000 estudantes da USP que, em outubro de 1975, fizeram greve contra a repressão, enquanto no interior da Catedral, na Praça da Sé, o arcebispo católico D. Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo evangélico Jayme Wright dirigiam o culto ecumênico por Vlado, corajoso e pungente ato contra a ditadura.

O Prêmio Herzog é de todos eles, e de muitos outros.


AGRADECIMENTO

“Há várias formas de viver e de morrer”

“Tomei a liberdade de redigir este pequeno discurso de agradecimento, porque, recém-saído de uma convalescença, temi não ter fôlego suficiente para dizê-lo de improviso. Acho desnecessário falar do profundo reconhecimento e da emoção com que recebo as presentes manifestações de apreço. Mas devo confessar uma certa surpresa – e porque não dizer, um pequeno susto – ao me perceber de repente na idade dos que recebem homenagens, eu, que me supunha na faixa etária dos que ajudam a organizar homenagens para os outros. Também por essa razão – a de me advertir que o tempo passa – meu agradecimento aos generosos amigos.

Receber uma homenagem desta natureza, organizada por amigos e colegas dessa qualidade, é também uma forma de compromisso. Na verdade, um compromisso recíproco entre organizadores e homenageados. E duplo compromisso, também: de checagem do que foi a vida que passou e de promessa de continuidade para o que resta viver.

Há várias formas de viver. As circunstâncias fizeram com que minha vida se conduzisse por caminhos diversos que, no generoso ver dos colegas e amigos, merece uma homenagem. Pois bem. Entendo que os aqui estão hoje sendo homenageados são todos os que, de uma forma ou de outra, lutaram e lutam pela vigência dos direitos humanos, da liberdade, da democracia, e da legítima busca de um mundo sem exploração nem opressão.

O Brasil está longe disso. Terminado o ciclo do regime militar, promulgada uma nova Constituição, re-inaugurado o ciclo de eleições diretas em vários níveis, o Brasil, ao que parece, se aproxima do fim da transição. Algumas liberdades políticas, que não existiam há dez anos atrás, agora existem. Vários direitos individuais e coletivos, impensáveis há algumas décadas, hoje fazem parte da nova Constituição. No entanto, vivemos ainda num País em que há fome, miséria, mortalidade infantil por subnutrição e doenças, desemprego, analfabetismo, capangagem, corrupção, violência ilegal institucionalizada, tocaia, emboscada e juramentos de morte no campo, criminalidade à solta nas cidades. Ou seja, um País em que a imensa maioria da população não tem como gozar dos elementares direitos de trabalhar, comer, morar, educar-se, preservar sua saúde, viver, enfim. É por isso que todos nós temos de adotar o compromisso de continuar lutando por um mundo sem exploração nem opressão, um mundo igualitário, justo e fraterno, um mundo que, na minha opinião só poderá ser o mundo do socialismo.

Há também várias formas de morrer. Nestes dez anos de Prêmio Herzog, todos nós tivemos a oportunidade de prestarmos a nossa homenagem a tantos e tantos que morreram em nome das liberdades e dos direitos humanos. Não importa a forma da morte. Importa sua natureza, sua qualidade, importa morrer com dignidade. Como símbolo de todos os que assim morreram, quero aqui, mais uma vez, também prestar a minha homenagem a Vladimir Herzog, companheiro e amigo, e cujo nome dá o título a este Prêmio e a esta solenidade.


* Publicado no Jornal Unidade nº 103 outubro-novembro de 1988