Por Hamilton Pereira*

Depoimento originalmente publicado no livro Antonio Candido – Pensamento e Militância. O trecho que segue foi disponibilizado online em 23 de julho de 2008 em homenagem aos 90 anos de Antonio Candido no site da Fundação Perseu Abramo.

Falo aqui em nome da Fundação Perseu Abramo, de cuja diretoria faço parte e que é co-participante deste seminário. Gostaria de dizer da honra que significa para a Fundação Perseu Abramo estar somando esforços com a Universidade de São Paulo e com os demais organizadores para que tenhamos a possibilidade de refletir um pouco sobre este país neste século.

Um certo mineiro, nascido em Itabira, mal saído da guerra, prefigurava num poema o homem futuro com estas palavras:

“(…)
Nalgum lugar faz-se esse homem…
Contra a vontade dos pais ele nasce,
contra a astúcia da medicina ele cresce,
e ama, contra a amargura da política.
Não lhe convém o débil nome de filho,
pois só a nós mesmos podemos gerar,
e esse nega, sorrindo, a escura fonte.
Irmão lhe chamaria, mas irmão
por quê, se a vida nova
se nutre de outros sais, que não sabemos?
Ele é seu próprio irmão, no dia vasto,
na vasta integração das formas puras,
sublime arrolamento de contrários
enlaçados por fim.
(…)”**

Esse itabirano assim prefigurava o homem do futuro. Um homem que ele desejava brotasse da história de seu país, da sua capacidade de retirar a energia criadora de sua própria cultura e, ao mesmo tempo, de trazer para si, pela exata dimensão humana, a universalidade. Penso que nós, ao refletir sobre o país que temos, e o país que desejamos, temos de enfrentar o desafio de construir esse homem. A Fundação Perseu Abramo busca contribuir com uma pequena parcela das suas possibilidades na construção desse perfil que não é de natureza estritamente política, no sentido pobre do termo, mas no sentido de trazer consigo a indispensá vel dimensão política que esse perfil tem de conter.

A juventude deste país está colocada hoje diante de um desafio que nenhuma das gerações anteriores deste século viveu. Está inserida na perspectiva da exclusão e na de ser vista exclusivamente como consumidora, e não como partícipe do processo produtivo criador da sociedade. Temos a obrigação de recolocar a dimensão da utopia, que não será desta vez uma ação exclusiva das gerações anteriores, mas que, sem dúvida nenhuma, terá algo da experiência passada. Terminaria estas palavras lembrando que a trajetória do professor Antonio Candido nos recoloca a necessidade de recolher na sombra aquela estrela que entre as dobras das sombras se revela, para que possamos acender a metade humana que combate e, combatendo, recria apaixonadamente a utopia.

* Hamilton Pereira (Pedro Tierra) é poeta e ex-presidente da Fundação Perseu Abramo.

** ANDRADE, Carlos Drummond de. “Contemplação no banco”. In: Claro Enigma.

 

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