Agora, na morte de Perseu Abramo , relembrando as lutas comuns, pensei a mesma coisa: o Perseu estava em todas!
Por Fernando Pacheco Jordão

Agora, na morte de Perseu Abramo , relembrando as lutas comuns, pensei a mesma coisa: o Perseu estava em todas!
Por Fernando Pacheco Jordão

Sem perder a ternura jamais

Por Fernando Pacheco Jordão*
Março de 1966
Recentemente, numa homenagem a dom Paulo Evaristo Arns, um vídeo mostrava as principais ações do cardeal nos anos da ditadura militar. Acompanhei tudo aquilo, também participei, e mesmo assim me surpreendi: dom Paulo estava em todas! Agora, na morte de Perseu Abramo , relembrando as lutas comuns, pensei a mesma coisa: o Perseu estava em todas! – em todas as causas que tivessem a ver com a luta contra a opressão e a injustiça neste país.

Na ocasião do assassinato do Vlado Herzog, em 1975 (Vlado e eu fomos seus “focas” no Estadão), nos encontrávamos quase diariamente no Sindicato, em sua casa ou na minha, em geral noite e madrugada, para esmiuçar aqueles calhamaços do infame inquérito Policial Militar que o II Exército montou para provar que o nosso amigo se suicidara, preparar argumentos para os advogados de Clarice Herzog ou simplesmente estudar formas de apoio a ela e aos filhos, passar pelas redações o manifesto dos jornalistas de repúdio às conclusões do IPM – enfim o cotidiano de chumbo daqueles tempos.

Também estivemos muito próximos na ocasião da greve dos jornalistas em 1979, atuando juntos no comando que se reunia todo dia para avaliar o movimento e preparar as assembléias. No mesmo ano, Perseu batalhava incansavelmente no Comitê Brasileiro pela Anistia. E foi sob os auspícios do CBA que ele me apadrinhou numa manhã de autógrafos de meu livro, “Dossiê Herzog – Prisão, Tortura e Morte no Brasil”. No meio da rua, em frente à Libraria Brasiliense, na Barão de Itapetininga, montou-se um debate sobre a tortura no regime militar, o Perseu de microfone em punho me entrevistando e estimulando perguntas do público (“perguntas arranjadas” e “pessoas escolhidas a dedo”, segundo um cretino do DEOPS que foi lá bisbilhotar e cujo relatório li recentemente no Arquivo do Estado).

Guardo o cartazete do evento, que ele autografou, escrevendo: “Uma batalha vencida, falta ganhar a guerra”. Típico do Perseu, próprio de sua firmeza política, seu inconformismo, sua generosidade, sua solidariedade. Acho que nunca consideraria sua tarefa encerrada, mesmo que ganhasse a guerra. Tudo isso com aquele jeito de paizão que ele tinha. Duro sempre, intransigentemente racional, disciplinado, meticuloso, aplicado, porém mais do que ninguém em sintonia com o que recomendava aquele poster de Che Guevara: “Sem perder a ternura jamais”.


* Fernando Pacheco Jordão foi diretor do Sindicato dos Jornalistas, de 1975 a 1979.

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