A estrela imperfeita
Não deixa de ser impressionante que esta poesia, épica e discursiva, na linha de um Neruda ou de um Walt Whitman tenha sido capaz de pronunciar estes versos: “certas vozes/ só são ouvidas quando se calam”. Ou ainda, “Então, eu quero viver” (…) “Ainda que a vida me falte”. Este sinal a menos, este que fala em meio a vertigens e tumultos da “casa de subúrbio para onde regresso/ nessa hora tardia”, este que vaga “por um vasto pântano de interrogações” é o poeta de uma geração e de uma experiência de transformar o mundo.
Já Drummond, com seu jeito de estar sempre no mundo mas desconfiando da última verdade, de ser uma falta que ama, de estar disposto à plenitude desde que ela não ameaçasse sua humanidade com certezas demasiadas, nos ha-via proposto que a nossa esperança é aquela viesada pela dúvida. Isto é, como diz Pedro Tierra nestes versos terríveis e luminosos, “ainda que sejam os olhos vazados de esperança?”.
Os sinais da esperança estão por todos os lados nesta poesia, que já foi torturada e agora é doída como quem grita um “verso quebrado, disforme/ pela garganta de Mano Brown”. Estão lá em Adão Pretto, Chico Mendes, Gushiken, Apoema, Tomás Balduíno e Celso Pereira, na “bandeira vermelha/ – sinal de terra livre – no portal dos assentamentos”, nas “cerejas ancestrais” do samurai ou “na proteção/ bar-roca e suave/ dos casarões às três da tarde” de quem procura pelos desaparecidos. Ou nesta mulher, para nosso destino comum de país sobrevivida, que “é ilha da liberdade e da coragem”. “E sentamos à mesa dos palácios:/ e perdemos a inocência”, nos propõe outro verso terribilíssimo. “Partiu-se o vaso/ concebido para a perfeição”, a estrela é imperfeita. Mas “não tínhamos “um pé na senzala”,/ éramos a própria senzala”. Contra a sentença do esquartejamento proferida desde sempre pelos senhores, agora moral e midiaticamente disseminada, “nós, os primitivos,/ voltamos/ e somos milhões”. A poesia de Pedro Tierra tem mais de 500 anos. Mas pulsa como a revelia e o vermelho que tomou as ruas do país em junho passado e agora em outubro de 2014.
Juarez Guimarães
Cientista político, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante do Conselho de Redação da Teoria e Debate