A ameaça da fome global

ONU alerta que a Guerra na Ucrânia aprofunda o quadro crônico de falta de comida a imensas populações. Desde 2016, o total de pessoas passando fome subiu 500%, segundo a ONU

 

A guerra no leste europeu, com os ataques da Rússia à Ucrânia que completa três meses esta semana, vai agravar a fome no mundo. Na última quinta-feira, 19, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Antonio Guterrez, alertou que o conflito agravará a fome em países que já têm situação extrema. A situação já vinha preocupando a ONU, por conta das mudanças climáticas e da pandemia da covid. Atualmente, mais de meio milhão de pessoas no mundo vivem em condições de fome, uma elevação superior a 500% desde 2016.  Guterrez alertou que “a crise da fome pode vir a durar vários anos”.  

A invasão da Ucrânia pela Rússia significa uma enorme queda nas exportações de alimentos e já provocou o aumento de preços de até 30% para alimentos básicos, ameaçando pessoas em países da África e do Oriente Médio. Existem quatro ações que os países podem adotar para quebrar “a dinâmica mortal do conflito e da fome”, começando com o investimento em soluções políticas para acabar com os conflitos, prevenir novos e construir uma paz sustentável.

“Quando há guerra, as pessoas passam fome”, disse António Guterres ao Conselho de Segurança da ONU. Ucrânia e Rússia produzem quase um terço do trigo e da cevada mundial e são responsáveis por metade da produção global de óleo de girassol, além de produzirem fertilizantes. Ele prevê que se os preços dos fertilizantes continuarem em alta, a crise atual de grãos e de óleo de cozinha poderá afetar muitos outros alimentos, incluindo o arroz, impactando bilhões de pessoas na Ásia e Américas. 

Guterrez disse que acabar com a fome está ao alcance de todos, uma vez que existe “comida suficiente no mundo para todos, se houver ação em conjunto”. Ele destacou que cerca de 60% das pessoas desnutridas do mundo vivem em áreas afetadas por conflitos. No último ano, a maioria das 140 milhões de pessoas que sofrem de fome aguda em todo o mundo estava concentrada em 10 países: Afeganistão, República Democrática do Congo, Etiópia, Haiti, Nigéria, Paquistão, Sudão do Sul, Sudão, Síria e Iêmen.

No Chifre da África, a situação é delicada porque a região está sofrendo sua maior seca em quatro décadas. A falta de chuvas já afeta mais de 18 milhões de pessoas, enquanto conflitos contínuos e insegurança fazem parte constante da realidade dos povos da Etiópia e da Somália. Em todo o mundo, 44 milhões de pessoas em 38 países estão em níveis de emergência, conhecidos como IPC 4 ou a um passo da fome. E mais de meio milhão de pessoas na Etiópia, Sudão do Sul, Iêmen e Madagascar já estão no nível 5 do IPC: condições catastróficas ou de fome.

Diretor-geral da FAO, QU Dongyu afirmou que com menos segurança alimentar, a desigualdade vai se tornar ainda maior. Ele alertou para um “pico de fome aguda global”, com a possibilidade de um agravamento da situação no contexto atual. A FAO diz que é imprescindível proteger as pessoas, o sistema agroalimentar e a economia contra futuros choques.

Ainda na semana passada, a Organização Mundial do Comércio alertou que um número crescente de países estão impondo restrições à exportação de alimentos, como resposta à escalada nos preços, aumentando a inquietação sobre uma potencial “crise global de fome”. Os EUA pretendem anunciar nesta semana, durante reunião do G7, um plano internacional contra a fome e a insegurança alimentar.

Já somam 23 o número de países que restringem as exportações de alimentos. A Índia é o mais recente, na esteira de uma onda de calor recorde que destruiu boa parte de sua safra. O país, que antes queria exportar parte de seu estoque, agora tornou-se um complicador adicional. Os estoques de trigo estão sendo retidos pela Índia.

“Claramente a guerra da Rússia contra a Ucrânia intensificou em todo o mundo o problema da insegurança alimentar”, disse a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, durante visita a um centro de refugiados ucranianos em Varsóvia, na Polônia. “A guerra está tendo um impacto além da Ucrânia e é algo que nos preocupa muito”.

O presidente do Banco da Inglaterra (BoE), Andrew Bailey, chegou a alertar que os preços dos alimentos ganharão níveis “apocalípticos”, causados pela invasão da Rússia, e podem ter um impacto desastroso sobre os pobres do mundo.

Em documento apresentado na OMC, o governo dos EUA diz que o aumento recente dos preços de alimentos e a maior escassez desses produtos e de insumos ameaçam agravar a fome e a desnutrição, desestabilizar sociedades fragilizadas, favorecer migrações e causar graves perturbações econômicas.

Para Washington, as restrições à exportação de produtos agrícolas contribuíram fortemente para a crise alimentar mundial de 2008-2010, e conclamou os países a evitarem restrições injustificadas, como limites à exportação, constituição de estoques excessivos de produtos agrícolas e outras medidas que possam ampliar a atual insegurança alimentar.  •