Outra podridão da Lava Jato
Ex-deputado, o empresário Tony Garcia revela diz ter sido agente infiltrado de Sergio Moro e procuradores do Paraná. Ele operava grampeando pessoas e diz que atuou contra Dilma no impeachment
Mais uma podridão da Operação Lava Jato veio à tona na última semana. O empresário de Curitiba e ex-deputado estadual Tony Garcia confirmou que atuou como um agente do ex-juiz federal Sergio Moro ao longo de mais de uma década. Perseguido, ele disse que foi obrigado a gravar pessoas de forma ilegal a pedido de procuradores e do hoje senador federal (UB-PR) após firmar acordo de colaboração premiada em 2004.
“Eu fui um agente infiltrado deles”, disse. Ele ainda acusou Moro de interferir para afastar o juiz federal Eduardo Appio da operação. Ele assumiu o caso da Lava Jato, mas foi afastado por decisão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF4). Garcia declarou que a interferência aconteceu porque Appio levaria adiante as denúncias que ele fez à juíza Gabriela Hardt, que estava à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba.
O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) apresentou um requerimento à Câmara dos Deputados pela convocação do empresário à Comissão de Administração e Serviço Público para esclarecer as denúncias.Garcia disse ter revelado todas as supostas ilegalidades a Hardt em 2021. Em novembro de 2022, a magistrada rescindiu o antigo acordo de delação, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), feito ainda em 2018. Na terça-feira, 6, o ministro Dias Toffoli suspendeu todos os processos do ex-deputado estadual e solicitou cópias integrais de todas as ações.
Garcia afirma que, embora tenha apontado atuação ilegal das autoridades envolvidas em sua delação, a juíza não tomou providências. Ela é apontada como uma pupila direta de Sergio Moro, tendo atuado como seu braço direito, mesmo depois que ele assumiu a carreira política.
Segundo o empresário, a denúncia foi feita durante uma audiência em 2021 e o conteúdo foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) somente em abril deste ano, por decisão do juiz Eduardo Appio, afastado do cargo desde 22 de maio sob suspeita de infração disciplinar.
Garcia diz que prestou depoimento à juíza para detalhar sua atuação como colaborador. Ele imaginava que isso permitiria que ela “formasse juízo de valor antes de sentenciar uma barbaridade daquela”, isto é, o pedido de rescisão feito pelo MPF. “Surpreendi até os meus advogados, que não sabiam de nada, e coloquei tudo que eu fui obrigado a fazer. Fui agente infiltrado [de Moro e dos procuradores]”, disse, em referência aos anos seguintes ao acordo de delação, entre 2005 e 2006.
“Eles [procuradores] me obrigaram a andar com dois telefones deles com microfone aberto. Foi assim que eu gravei o [advogado] Roberto Bertholdo, um monte de gente, para eles. Quando eles pegavam conversas que interessavam, eles levavam ao Moro e ele esquentava as conversas. Fazia como se tivesse autorização judicial, com data retroativa”, disse. Garcia afirma que possui provas para corroborar as declarações e que pretende mostrá-las ao STF.
Em entrevista ao portal Brasil247, o empresário revelou detalhes sobre o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Ele confessou ter atuado junto com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB), para removê-la do poder. Tony Garcia afirmou que trabalhou com Cunha para construir um acordo com lideranças dos PSDB, incluindo Aécio Neves e Carlos Sampaio, para que o pedido de impeachment fosse aceito, o que ocorreu em dezembro de 2015. “Eu tive participação direta nos bastidores e devo desculpas à presidente Dilma”, disse.
Em nota, Sergio Moro disse em nota que o empresário faz um “relato mentiroso e dissociado de qualquer amparo na realidade ou em qualquer prova”. A juíza Gabriela Hardt disse que não vai se manifestar sobre o assunto. Na última segunda-feira, 5, Hardt informou que entrou com uma representação criminal contra Tony Garcia por crime contra a honra. E é por isso que ela decidiu se declarar suspeita para julgar todos os processos nos quais o empresário figura como parte. Ela agora está suspeita de prevaricação.
Tony Garcia ainda confessou que passava frequentemente números de telefones para agentes da Polícia Federal de Brasília hospedados em Curitiba. “Um agente tinha um Guardião, [sistema] que grava vários telefones ao mesmo tempo. Quase todo dia, a gente se encontrava às 6 horas da tarde em frente ao shopping Mueller. Eu pegava ele, ele entrava no meu carro, e eu passava números de telefone para ele grampear”, relatou.
Segundo o empresário, Moro e os procuradores tinham interesse especial no advogado Roberto Bertholdo, por causa da suposta influência dele com desembargadores do TRF4. Bertholdo é um lobista conhecido e já foi acusado de suposto tráfico de influência e interceptação telefônica ilegal (inclusive de conversas de Moro). Ele também foi suplente de Garcia em uma disputa ao Senado.
Garcia cita o nome de Carlos Fernando dos Santos Lima e de Januário Paludo entre os procuradores que supostamente o obrigavam a gravar pessoas de forma ilegal. Ambos ganharam projeção na Lava Jato, anos depois. Carlos Fernando, hoje aposentado, chamou de “palhaçada” as falas do delator.
O nome de Garcia despontou na política paranaense na década de 1990, quando resolveu disputar o Senado com o apoio do então candidato a presidente da República Fernando Collor, de quem se dizia amigo. A candidatura foi malsucedida.
Em 1992, fracassou em outra eleição, dessa vez para a Prefeitura de Curitiba. Conseguiu se eleger deputado estadual em 1998, mas exerceu apenas um mandato e abandonou a política.
Em 2004, Garcia foi preso pela PF, acusado de gestão fraudulenta do Consórcio Nacional Garibaldi. Ele concordou em fazer uma colaboração premiada, no fim daquele ano, com procuradores da força-tarefa do caso Banestado junto à 2ª Vara Federal de Curitiba (atual 13ª Vara).
No acordo, homologado por Moro, que era titular do caso, Garcia narrou 30 situações ilegais, envolvendo políticos, advogados, empresários e autoridades do Judiciário. No documento constava que ele era “obrigado a providenciar a prova material” de seus relatos.
Garcia afirma que o pedido do MPF para rescindir seu acordo tem ligação com um episódio de 2018, quando forneceu gravações ao Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço criminal do Ministério Público Estadual do Paraná.
Os áudios abasteceram denúncias contra o ex-governador Beto Richa (PSDB), hoje deputado federal. Segundo o empresário, os procuradores insistiam em obter acesso integral a gravações que estavam guardadas com Garcia, com o objetivo de acrescentar elementos a uma investigação contra Richa, mas no âmbito da Justiça Federal.
“Não é que eu não queria dar. Mas eu estava exigindo que, para entregar o pendrive [com as gravações], eles anuíssem o meu acordo com o Gaeco, para eu ficar protegido. Foi aí que eles começaram com retaliação”, denuncia. De acordo com Garcia, o então procurador Deltan Dallagnol, deputado federal cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), começou a fazer “um monte de arbitrariedade para que eu entregasse [o pen drive] na marra”. Segundo o empresário, “Deltan mandou buscar toda a filmagem no andar onde fica meu escritório, no Curitiba Trade Center, para saber quem tinha frequentado lá. Eles tinham uma Guantánamo”.
Em julho de 2018, Garcia entregou o pendrive e celebrou o acordo com o Gaeco, com o MPF como anuente. O MPF sustenta que a rescisão do acordo foi pedida à Justiça porque Garcia mentiu, escondendo a propriedade da empresa Eldorado Corretora de Mercadorias Ltda., que vendia veículos importados. Para a procuradores, houve omissão de tributos decorrentes do comércio. •