COMPETÊNCIA NÃO SE APRENDE NA ESCOLA – 1982

Entrevista com o Professor Paulo Freire

A biografia do Lula nas rádios e televisões escandaliza: “Um brasileiro igualzinho a você…”. Um postulante ao governo do maior estado do país que é ex-ajudante de tintureiro e só tem curso primário!?!! Como?! Onde a passagem pelos melhores colégios, onde a prova do mais duro vestibular, do bacharelato elegante, da pós-graduação — de preferência realizada fora do Brasil, — dos Phds e outros títulos?

Onde, enfim, a competência para governar?

— A ideia de que só quem passou pela escola tem competência para governar é elitista — afirma Paulo Freire, educador, autor de “Educação como Prática da Liberdade”, “Peda- gogia do Oprimido”, entre outros.

— É elitista com relação à política, ao conhecimento e ao saber, porque dá a entender que só as classes dominantes sabem e são competentes para governar, enquanto as massas populares existem para ser mandadas, governadas, realizando as tarefas menos capazes, tendo que usar as mãos e o corpo.

A afirmação de que quem passou pela escola sabe e quem não passou não sabe também é combatida por Paulo Freire:

— Esta afirmação põe de lado completamente a prática como fonte de conhecimento, reconhecendo apenas a leitura que se faz em livro. Desconhece, assim, o conhecimento prático conseguido através da História, porque na medida em que se participa da luta, se está aprendendo a fazer a luta, e a luta está ensinando a gente a entender a luta. Isso significa que a gente está aprendendo, conhecendo, portanto, tornando-se mais competente.

— Para governar bem — continua Paulo Freire— é fundamental uma competência política. Prá ser governador você não precisa ser pediatra, matemático, físico ou biólogo, você precisa ser é político, ter uma visão geral da sociedade e de como ela funciona e ter uma opção clara que é política, e isso o Lula tem de sobra.

— A compreensão do ato de governar, para o PT, é muito mais ampla, do ponto de vista do PT, ninguém governa só. O Lula eleito não será ele só o governador. Ele tem afirmado constantemente que vai governar com os trabalhadores, com os grupos populares, e com aqueles que podem assessorá-lo, e, em matéria de assessores, o PT está muito bem servido.

Jogo de cintura

Pesam também sobre o PT e sobre o Lula acusações de que falta jogo de cintura para tratar com velhas raposas da política brasileira.

— O jogo de cintura que o Lula possa fazer tem que ver com os interesses das classes trabalhadoras — afirma Paulo Freire. E o jogo de cintura para transar com as classes trabalhadoras é a verdade. E exatamente essa capacidade de dizer as coisas com autenticidade. E isso fere os interesses da elite.

— No fundo — comenta Paulo Freire — o que está ocorrendo é que até pessoas que se pensam progressistas estão estranhando que, pela primeira vez na história do país, grandes grupos populares e operários começam a exigir a sua voz. E para essa gente, é muito estranho que um operário como o Lula tenha a petulância de falar as coisas verdadeiras que ele diz.

O professor Paulo Freire considera que uma das tarefas fundamentais do PT é combater incessantemente a visão elitista, presente até entre as massas populares, de que a política é privilégio das classes dominantes, e que devemos a todo momento, estar nas ruas discutindo com a população e mostrando que as massas populares têm a competência e o direito de participar da política.

— Só assim — conclui Paulo Freire, será possível construirmos uma sociedade onde as necessidades de todos sejam atendidas.

Fonte: Em campanha – PT, nº 4, outubro de 1982. Acervo: Centro de Referência Paulo Freire/Instituto Paulo Freire.

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