Ainda não chegou ao fim o longo e tortuoso caminho para os municípios e estados receberem a justa e necessária ajuda da União para enfrentar a crise econômica e fiscal decorrente da pandemia de Covid 19, uma vez que esses entes não podem emitir dinheiro ou títulos da dívida, que são prerrogativas da União.

Os municípios brasileiros têm, em geral, cumprido sua parte, tanto na incessante busca pelo controle do contágio, e pelo tratamento da doença, investindo na estrutura de saúde, quanto na segurança alimentar e no apoio a micro e pequenas empresas.

O governo enviou ao Congresso em 2019 o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 149, que estabelecia o Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal e o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal, que ficou conhecido como plano Mansueto. A iniciativa previa ajuda da União aos estados, exigindo como contrapartidas uma extensa lista de ações sonhadas por Guedes:

Privatizazão generalizada para quitação de dívidas

Redução de 10% de incentivos ou benefícios

Retirada de benefícios e vantagens do funcionalismo

Estabelecimento de Teto de Gastos

Desvinculação do Orçamento, mantendo só o que está na Constituição

Privatização do saneamento

Enfim, previa impor a estados um modelo ultraliberal, no estilo FMI nos anos 1980.

Com a pandemia e a necessidade de respostas rápidas dos diferentes níveis de governo, a Câmara Federal encaminhou a proposta, mudando-a substancialmente, de forma a transformá-la no Plano de Auxílio a Estados, Distrito Federal e Municípios para mitigar os efeitos da Covid 19.

Assim, o documento finalizado pela Câmara previa a compensação pela União a estados, DF e municípios das perdas com ICMS e ISS, por meio do repasse, por seis meses, de maio a outubro, da diferença entre a arrecadação desses impostos em 2020 em relação a 2019. Com isso, estados e municípios teriam como recompor o orçamento no mínimo nos valores de 2019.

No Senado, a mesa diretora decidiu pela tramitação conjunta do projeto oriundo da Câmara com o PLP 39, de autoria do Senador Anastasia. O presidente Davi Alcolumbre tomou para si a relatoria do projeto, apresentando, na quinta feira, dia 30 de abril, um relatório que alterava drasticamente a proposta que veio da Câmara, que passa a ser o Programa Federativo de Combate ao Coronavírus.

Na decisão do Senado, a ajuda a estados, DF e municípios passa a ser de quatro meses, com valores totais fixos e a parcela de cada ente definida a partir dos índices populacionais e, uma pequena parte, de acordo com a taxa de incidência do coronavírus no estado. Assim, estados, DF e municípios receberiam quatro parcelas de um rateio de 60 bilhões de reais, dos quais 7 bilhões seriam divididos entre estados e DF, para as áreas da saúde e assistência social – com 60% pela população e 40% pela taxa de incidência do coronavírus – e mais 30 bilhões sem destinação pré-fixada, distribuídos conforme a população. Para os municípios, restariam 4 bilhões de reais, que devem ser investidos em saúde e educação, e 20 bilhões sem destinação pré-fixada, distribuídos de acordo com a população.

No relatório inicial, os valores eram de 25 bilhões de reais para estados e DF e 25 bilhões de reais para os municípios. Como contrapartida, o governo exigiu, e o Senado aceitou, o congelamento do salário do funcionalismo por dezoito meses, até o final de 2021, excetuando algumas poucas categorias vinculadas diretamente ao combate ao coronavírus.

Além de ter alterado drasticamente o projeto da Câmara, o Senado ainda tomou para si a palavra final, ao vincular a nova decisão a uma nova propositura, o PLP 39/2020.

Ao retornar à Câmara, deputadas e deputados viram-se frente a uma nova iniciativa, negociada entre Davi Alcolumbre e o governo, e que impunha uma série de limitações.

Diante dessa realidade, a Câmara decidiu realizar alterações pouco significativas, como incluir as Polícias Federal e Legislativa e trabalhadores da educação pública entre as exceções ao veto a reajustes, além de redefinir a distribuição de 40 % dos 7 bilhões de reais destinados à saúde e assistência social dos estados a partir do número absoluto e não proporcional da incidência do coronavírus. Mesmo algumas dessas pequenas alterações receberam parecer desfavorável de Alcolumbre, muito disposto, aparentemente, em agradar a equipe ultraliberal de Paulo Guedes.

O Senado aprovou o texto da Câmara, mantendo a proibição de reajustes e benefícios ao funcionalismo por dezoito meses, com as exceções de algumas categorias, os valores negociados com o governo e alguns benefícios às prefeituras incluídos pelos deputados, tais como a suspensão do pagamento das dívidas previdenciárias e outras.

Ainda resta a sanção presidencial para que estados e municípios possam acessar os recursos.

Enquanto isso, governadores e prefeitos, que estão na linha de frente do pacto federativo no enfrentamento da pandemia e são responsáveis pelo diálogo direto com a população, seguem desesperados com a queda de arrecadação e o aumento da demanda, seja na saúde, na economia ou na assistência social. E, mais uma vez, como em todo país governado pela ideologia neoliberal, quem paga a conta são os mais pobres e vulneráveis.

Eduardo Tadeu Pereira é historiador, professor visitante na Unifesp e ex-prefeito de Várzea Paulista (SP).

 

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