Consolidação da subordinação da questão social à fiscal no governo interino
Limite ao crescimento de gastos primários
Um dos pontos mais graves é o limite do aumento de gastos primários no máximo de acordo com a inflação do ano anterior. Segundo professor doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro João Sicsú, se tal regra tivesse sido aplicada nos governos Lula e Dilma, em termos nominais, a perda na área da saúde de 2006 a 2015 teria sido de R$ 178,8 bi e, na educação, de R$ 321,3 bi, como mostra a tabela a seguir. Se fosse adotada a regra anti-social Temer-Meirelles, o orçamento da saúde teria sido, em 2015, 36% menor e, na educação, 70% menor.
Tabela – Gastos efetivos do governo federal em Saúde e Educação no período 2006-2015 e simulação dos mesmos gastos na regra Temer-Meirelles – Em bilhões de reais Fonte: João Sicsú, https://www.facebook.com/joao.sicsu/posts/1131114750280764
Se de um lado é proposto um teto para o crescimento do gasto e um enfoque quanto à necessidade de conter o crescimento do gasto social especificamente, não há sequer uma discussão sobre teto para gastos com juros ou uma reforma tributária progressiva, de forma a repartir de maneira mais igualitária os recursos da nação. O anúncio da proposta de limite ao aumento de gastos primários do governo, no entanto, foi seguido de um anúncio de reajuste do Judiciário, Legislativo, Executivo e PGR e da criação de quatorze mil cargos federais (quatro vezes o número que prometeu cortar). Tal reajuste, no entanto, foi mal recebido pela sociedade brasileira e questionado até mesmo pela equipe do Ministério da Fazenda.
DRU e “DRU dos estados”
Foi aprovada na Câmara a ampliação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 20 para 30% e a desvinculação dos gastos constitucionais. A medida é mais uma questão que mostra a subordinação dos gastos sociais à questão fiscal, pois, no limite, serão retirados recursos da saúde e educação para a diminuição do déficit fiscal.
Já a “DRU dos estados”, na prática, poderia reduzir a quantidade de recursos públicos aplicada no SUS pela União, estados e municípios.
Ambas as medidas (DRU e “DRU dos estados”) são justificadas pela necessidade de enfoque na questão fiscal acima dos direitos sociais, chegando, no limite, à proposta de desvinculação dos gastos constitucionais com saúde e educação. Desconsidera-se, com tais propostas, não só o direito à saúde e à educação fundado na Constituição Federal, mas também o importante papel dos setores na geração de emprego, tecnologia e demanda, que, por sua vez, poderia ampliar a arrecadação do Estado.
Reforma da Previdência
A sinalização dada com a ida da pasta da Previdência para o Ministério da Fazenda é clara: há urgência em colocar a conta da crise nas costas dos trabalhadores. Especialistas apontam que há um problema puramente contábil que sustenta o “mito do déficit da Previdência” mas, na verdade, o Orçamento da Seguridade Social sempre teria sido superavitário, mesmo com a Desvinculação das Receitas da União (DRU) e as isenções tributárias concedidas nos últimos anos sobre as fontes da Seguridade Social (CSLL, PIS/Pasep, Cofins e Folha de Pagamento).
Uma das propostas que têm sido discutidas é a equalização da idade mínima para aposentadoria entre homens e mulheres. No entanto, é importante frisar que homens e mulheres não enfrentam as mesmas condições no mundo do trabalho. Assim, a pretensa equalização das idades esconde uma realidade de desigualdade no mercado de trabalho, sobrecarregando ainda mais as mulheres em sua dupla jornada (trabalho remunerado e trabalho doméstico) e de discriminação no mercado de trabalho.
A discussão por parte do governo interino e da grande mídia também não leva em consideração que a Previdência Social tem um papel importantíssimo no combate à desigualdade no Brasil. Há hoje mecanismos para incluir novos grupos na Previdência Social, como a Previdência Rural, ou para estimular a formalização, como por meio do Plano Simplificado de Inclusão Previdenciária, do Microempreendedor Individual (MEI) ou de incentivos fiscais diversos.
Direitos individuais e questão racial
Abre-se ainda grande espaço para a regressão no campo dos direitos individuais (como direitos das mulheres e LGBT), com o avanço do poder de grupos fundamentalistas. Uma questão que esteve no debate público, diante do caso de adolescente que sofreu estupro coletivo é o PL 5069/2013, de autoria de Eduardo Cunha, que exige exame de corpo de delito em mulheres para que comprovem um estupro, o que, na prática dificulta o atendimento às vítimas e silencia ainda mais sua voz. Também a secretária de Mulheres interina, Fátima Pelaes, apontou que não defenderia “bandeiras contrárias aos valores bíblicos”, como o aborto e a constituição livre de família. Tem-se assim uma dimensão do crescimento de setores fundamentalistas dentro do governo Temer.
Quanto à questão racial, é importante lembrar que, além da extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos como parte da propaganda de que teria ocorrido um corte de gastos no governo e enxugamento da máquina, o partido do ministro interino da Educação (DEM) foi contrário às ações afirmativas no ensino superior e contra o Prouni, que buscam corrigir históricas desigualdades quanto à população negra brasileira.
Desconstrução de direitos e lobby privado
Diversas organizações internacionais têm elogiado os gastos sociais no Brasil pelo efeito que possuem em ampliar o acesso a direitos sociais, um aspecto bastante problemático da sociedade brasileira. Percebe-se, no entanto, que o governo interino tem se esforçado por mudar por completo a agenda aplicada até então e desconstruir os (ainda poucos, diante dos desafios persistentes) direitos que haviam sido garantidos à população brasileira, ponto esse que é altamente questionável, dado que se trata de um governo interino cujo programa não foi aprovado nas urnas.
Coloca-se ainda como fundamental discutir os caminhos do lobby na política brasileira e seus links com os interesses na política social, pelos recursos públicos: por exemplo, tanto Eduardo Cunha quanto o ministro interino da Saúde, Ricardo Barros, têm grandes laços com planos de saúde, explicitados por terem tido parte de suas campanhas financiadas por eles. Tais laços apontam para um gritante conflito de interesses quando se trata da defesa da saúde pública no país. É importante lembrar da PEC 451/2014, de autoria de Eduardo Cunha, que prevê alterar o artigo 7º da Constituição, obrigando todos os empregadores brasileiros a garantirem aos seus empregados serviços de assistência à saúde, excetuados os trabalhadores domésticos.
Assim, tem aumentado o acesso de alguns desses grupos de interesses privados aos recursos públicos, em detrimento dos gastos sociais que fizeram grande diferença na vida de milhões de brasileiros nos últimos anos. Também é preciso ter em mente que, enquanto diversos personagens do governo Temer defendem a privatização de aspectos da política social e econômica brasileira, muitos deles mantêm laços com grupos que se beneficiariam dessas privatizações.
Para ler mais:
https://www.facebook.com/joao.sicsu/posts/1131114750280764
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