Florestan Fernandes
"Em 1964, a minha inclusão em uma lista de professores a serem inquiridos pelos policiais militares estava ligada à minha própria vida intelectual. (…) Em 1964, puniu-se esse padrão intlectual, indesejável em uma sociedade na qual as eleites querem manter a sua ordem de qualquer maneira".Quando eu cheguei à universidade, eu era o Florestan de origem proletária, o que nunca neguei. Eu não procurei na universidade um meio de ascender socialmente e me confundir com as elites.
"Em 1964, a minha inclusão em uma lista de professores a serem inquiridos pelos policiais militares estava ligada à minha própria vida intelectual. (…) Em 1964, puniu-se esse padrão intlectual, indesejável em uma sociedade na qual as eleites querem manter a sua ordem de qualquer maneira".Quando eu cheguei à universidade, eu era o Florestan de origem proletária, o que nunca neguei. Eu não procurei na universidade um meio de ascender socialmente e me confundir com as elites. Sempre tive um papel ativo: me tornei assistente na Faculdade de Filosofia, e a primeira coisa que comecei a fazer foi combater a cátedra, uma forma arcaica de autoridade do professor, e a lutar para a autogestão coletiva do departamento. Inclusive, defendi a gestão paritária. Fiz parte das campanhas de defesa da escola pública, pelas reformas estruturais de base e pela reforma universitária. Em 1964, puniu-se esse padrão intelectual, indesejável em uma sociedade na qual as elites querem manter a sua ordem de qualquer maneira.
[…] De 1964 a 1969 assumi um papel ainda mais ativo. Já havia a Junta Militar, e eu ainda estava lutando. Percorri todo o Brasil, fiz conferências, cheguei a fazer quatro conferências em um dia em Porto Alegre. Houve uma tentativa de me arrastarem para a guerrilha. Enquanto um dos grupos se constituía, me foi oferecida a sua chefia. Aí eu disse: "Olha, devido à minha visão marxista da luta de classes eu não posso aceitar fazer parte da guerrilha." […] Essas pessoas me procuraram por duas vezes na Faculdade de Filosofia. Formavam um grupo novo, que se aglutinava em termos radicais. Recusei dizendo que, como marxista, eu não podia aceitar, porque se a guerrilha não existisse, a ditadura precisaria criá-la para aprofundar a repressão e a contra-revolução. Não havia condições para uma ruptura no plano político, suficientemente profunda, para que a guerrilha pudesse ser o detonador de uma rebelião das classes trabalhadoras e das massas populares. Então, eu disse: "Não, eu não entro nessa." Eu respeito muito os companheiros que morreram na guerrilha, porque deram demonstração de valor e altruísmo, sacrificaram a própria vida. Acho que a guerrilha tem chance quando está associada a um movimento de inquietação, de revolta, e nós não tínhamos aquilo. No final de 1968, a ditadura tinha de fazer comigo o que ela fez, porque assim como fui implacável na luta eles tinham de ser implacáveis na repressão. Fui submetido a Inquérito Policial Militar, processado, julgado e inocentado pela Justiça Militar e, finalmente, cassado pelo AI-5 e afastado da universidade.
Trechos extraídos de entrevista a Paulo de Tarso Venceslau na Revista Teoria e Debate nº 13.