Depoimentos coletados pelo Laboratório De Pesquisa Histórica do Instituto De Ciências Humanas e Sociais/Universidade Federal de Ouro Preto.

Depoimentos coletados pelo Laboratório De Pesquisa Histórica do Instituto De Ciências Humanas e Sociais/Universidade Federal de Ouro Preto.

Universidade Federal de Ouro Preto/Instituto de Ciências Humanas e Sociais/Laboratório De Pesquisa Histórica

Depoimento de Apolo Heringer Lisboa* a Otávio Luiz Machado (e Entrevista realizada pelo projeto “A Corrente Revolucionária de Minas Gerais”).

Entrevistador
Otávio Luiz Machado/Depoente: Apolo Heringer Lisboa Loc al: Depoimento Por Escrito./Data: Março De 2003

Ficha técnica
Tipo de entrevista: Temática
Levantamento de dados, roteiro e elaboração de temas:
Otávio Luiz Machado/ Data: março de 2003

Proibida a publicação no todo sem autorização. Permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte. Permitida a reprodução.

Norma para citação:
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento de Apolo Heringer Lisboa a Otávio Luiz Machado. Belo Horizonte/Recife por e-mail: Projeto “A Corrente Revolucionária de Minas Gerais”, 2003.

OTÁVIO LUIZ MACHADO
: Professor Apolo, qual o seu nome completo?
APOLO HERINGER LISBOA : Apolo Heringer Lisboa.

Quando você nasceu?
16 de fevereiro de 1954.

Fale um pouco das suas atividades profissionais.
Professor de medicina na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ambientalista Coordenador do Projeto Manuelzão, um trabalho voltado para a saúde, ambiente e cidadania.

Enquanto estudante quais atividades e cargos cumpriu?
Fui coordenador do movimento estudantil de vestibulandos, uma ação espontânea que houve em 1963 e 64; membro e direção estadual da POLOP (Organização Política Marxista – “Política Operária”) após 1965; direção da COLINA (Comandos de Libertação Nacional); vice-presidente e depois presidente do Diretório Acadêmico Alfredo Balena em 1964; vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) em 1966; fundador da DVP (Dissidência da Var Palmares), após Congresso de Teresópolis em 1970; fui exilado a partir de 1973, e voltei ao Brasil em outubro de 1979 com a Anistia.

O que os seus pais faziam? Qual a sua origem familiar?
Meu pai era evangélico presbiteriano e exercia a profissão de agrônomo, enquanto minha mãe era professora do primeiro grau e funcionária do MEC (Ministério da Educação e da Cultura).

Eu passei a você como a outras pessoas alguns trechos do depoimento que coletamos do César Maia, que ele autorizou. Poderia me dizer o que achou do que leu, e também, falar um pouco do que foi o Grupo Colina?
Otávio, cada um conta como viu, e toda narração objetiva tem muito de ficção. O César Maia estudava lá em Ouro Preto – gostava mais dele naquela época, sem desmerecer o de hoje – e via o mundo como o “Romanceiro da Inconfidência”. Hoje é um pragmático do PFL (Partido da Frente Liberal). Achei interessante a descrição do caso do “Xuxu” (Mário Roberto Galhardo Zaconato), que conheço bem, e me convenceu, até o agradeço, pois defendeu o “Xuxu” melhor que o próprio. O “Xuxu” ficou queimado injustamente. As normas de segurança eram importantes, mas quando cumpridas. Descumpridas eram uma tragédia, para quem as cumpria e para quem não as cumpria. Pior, quando os relapsos aparecem como vítimas e querendo que o torturado morra se abrir a boca. As pessoas não seguem as normas por passividade, por inércia, por falta de decisão em abandonar a casa, a cama, o conforto, e ter que morar na rua algumas noites, como eu já fiz, mas por falta de dinheiro e documentos para alugar outro aparelho. Ou por não acreditarem que o companheiro foi preso, ou que torturado nada diria, mesmo que o trato era sair do aparelho imediatamente. E aí ficavam presos pelo fio da esperança, por indisciplina e por amadorismo. O César Maia descreveu muito bem o episódio. Quanto à Colina, eu fui da sua primeira direção, fui seu fundador, juntamente com o Carlos Alberto Soares de Freitas, desaparecido, assassinado no Rio, e o Ângelo Pezutti, sobrevivente da prisão, mas morto em Paris em suposto acidente de trânsito montado numa moto de madrugada. O nome Colina eu quem sugeri, por lembrar o foco guerrilheiro rural e por lembrar Minas Gerais com suas montanhas, e por ter a idéia da luta antiimperialista, de libertação nacional, que permitia constituir alianças mais amplas que a proposta do
caráter socialista da revolução. Na verdade, não era nem uma coisa nem outra, pois deveríamos ter proposto a luta por um governo democrático e pela Constituinte, como fizemos mais tarde, em 1970, na DVP (Dissidência da Var Palmares), que eu propus, rompendo com a Var Palmares no Congresso da Var Palmares, em setembro de 1970, em Teresópolis.

Apolo, quando você acha que começa a crescente politização dos estudantes em Minas Gerais? Foi uma ditadura militar que permitiu a luta armada no Brasil?
A politização sempre existiu, em graus variáveis. Na época do Getúlio (Vargas) houve grandes manifestações de todo tipo, como pela democracia diante da ditadura do Getúlio, contra o nazismo, em defesa da Petrobrás, pelo passe para não pagar ônibus etc. Na época de Castro Alves, pela Abolição e pela República, daí o nome ”república” dado às moradias estudantis em Ouro Preto. Na tentativa de golpe após a renúncia de Jânio (Quadros), houve o movimento pela Legalidade, com (Leonel) Brizola na cabeça, e isto deu grande alento à mobilização estudantil. É bom dizer que o movimento estudantil sempre foi tipo a "banda de música da revolução", e também sempre foi muito aparelhado por partidos e movimentos políticos nacionais e internacionais, e diversas vezes, a politização de lutas reivindicatórias surgidas no interior das escolas, como luta por restaurante estudantil, moradia, condições de estudo, verbas para educação, estas sim, davam oportunidade de lincar aspectos específicos dos estudantes às propostas nacionais de partidos, passando aos estudantes a relação do específico com o geral de forma bem pedagógica. Mas o aparelhamento era muito forte, e as lideranças que não entravam nos partidos da moda sofriam desgaste. Quando a gente estava na luta contra a ditadura, as entidades estudantis faziam de suas finanças base de sustentação de seus partidos. As entidades locais só conseguiam manter suas relações nacionais através das estruturas partidárias, e isto dava oportunidade para a "colonização". Quem não fosse PCB (Partido Comunista Brasileiro), PC do B (Partido Comunista do Brasil), POLOP, AP (Ação Popular), ficava inviável. Nem tudo foi negativo neste processo, pois havia pontos positivos, mas o movimento de pensar e agir mais livre nos fez embarcar nas idéias de Pequim, Moscou, Havana, e perdemos tempo por não trabalhar na construção de algo nosso, como mais tarde veio a ser o PT (Partido dos Trabalhadores).

Quais escolas saíram na frente em Belo Horizonte?
Aqui em Belo Horizonte as escolas mais ativas eram a Medicina, a Faculdade de Ciências Econômicas (FACE), a FAFICH (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas), da UFMG, a de Direito e Engenharia, também. A luta armada veio por ser a estratégia de Cuba e da China que, após o golpe fechando tudo, ficou parecendo óbvio para muitos. A juventude não tem paciência nem formação muito aprofundada para entender que é preciso agir com cautela e esperar quinze anos. Seria pedir demais. Os nossos companheiros que propuseram a luta pela Constituinte, por um governo democrático, foram ridicularizados. O PCB deixou a impressão de coisa superada, meio degenerada, por sua maneira "parlamentar", e a luta armada aparecia como mágica, charmosa, redentora e que resolveria tudo.

Apolo, penso que a politização intensa ocorreu no início dos anos 60, com uma mudança política radical dos estudantes, que passaram a adotar posturas totalmente diferentes daquelas que até então predominava. Você acha que a JUC (Juventude Universitária Católica), principalmente, teve um papel nesta intensa politização? E a AP, qual a contribuição mais marcante? Aliás, a AP ganha todas as eleições, não?
Não podemos cair na tentação de achar que a história começou agora. Nos anos 1960 houve manifestações daquela conjuntura, que conhecemos melhor e achamos que a história começou ali, ignorando coisas do passado menos conhecidas. 1960 marca uma certa globalização das ações jovens com os hippies, feminismo, orgulho negro, guerra do Vietnã e luta pela paz. E a luta pela paz entorno da segunda guerra mundial? A JUC teve papel importantíssimo, pois ajudou a diluir os preconceitos contra a esquerda acusada de atéia, comunista, a serviço da potência estrangeira, anti-cristã militante etc. A AP foi continuação da JUC, a evolução dos cristãos cansados de comer a hóstia consagrada sem uma ação política mais forte no contexto nacional. A Igreja Católica, aliada das oligarquias rurais e co-participante do golpe militar de 1964, prevendo seu julgamento no tribunal da história, passou a mostrar uma outra face para se equilibrar em cima do muro.

Poderia relatar este episódio da sua formatura e a homenagem ao Che Guevara?
Minha diplomação foi dia 8 de dezembro de 1967, por coincidência, exatos 2 meses após o assassinato de Ernesto Che Guevara. Ainda emocionados e indignados pela violência desatada pelos donos do mundo, os norte-americanos dos EUA, aproveitei a oportunidade que apareceu na cerimônia, quando fui citado e convidado para receber diploma de mérito do movimento estudantil, para dedicar aquela homenagem e o meu diploma de médico ao "colega recentemente morto na Bolívia combatendo a lepra do imperialismo norte-americano, em defesa dos povos, doutor Ernesto Che Guevara ". E entre aplausos de pé, revolta de metade dos meus colegas de turma e extase de muitos na platéia que não entendiam o significado daqueles acontecimentos – sobretudo familiares dos formandos vindos do interior –, senti que seria preso ao sair do local. O reitor de então, pessoa que fazia o jogo do regime militar para se manter no cargo, enfrentando contradições em relação ao sistema implantado na universidade, de deduragem e lei do silêncio, tentou abafar a manifestação. Mas já era tarde e a cerimônia continuou como prevista. Naquela noite me retirei pelos fundos da antiga Secretaria da Saúde, hoje Minascentro, e fui a uma lanchonete onde os amigos me conseguiram algum dinheiro. Imediatamente comprei passagem e embarquei de ônibus para o Rio de Janeiro, onde permaneci por dez dias. No dia seguinte, o jornal de maior circulação aqui trouxe editorial intitulado “Homenagem Insólita”, onde desencava minha atitude. A Rádio Havana noticiou. O Diário da Tarde e outros jornais de Belo Horizonte noticiaram, atribuindo a homenagem à turma de médicos de 1967. Mais tarde, preso por uma série de outras coisas, fui interrogado sobre estes episódios pelo depois general Otávio Medeiros de Aguiar, ex-chefe do SNI (Serviço Nacional de Informação), e que pleiteava o topo da carreira como Presidente da República.

* Parte do depoimento integral. e-mail de contato: [email protected]